quinta-feira, 24 de outubro de 2013

“Preconceito contra Bolsa Família é fruto da imensa cultura do desprezo”

 

Do blog do Roldão Arruda, no Estadão, 22/10/13

Com Isadora Peron

O Programa Bolsa Família fez 10 anos no domingo, dia 20. Quando foi lançado, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, atendia 3,6 milhões de famílias, com cerca de R$ 74 mensais, em média. Hoje se estende a 13,8 milhões de famílias e o valor médio do benefício é de R$ 152. No conjunto, beneficia cerca de 50 milhões de brasileiros e é considerado barato por especialistas: custa menos de 0,5% do PIB.

Para avaliar os impactos desse programa a socióloga Walquiria Leão Rego e o filósofo italiano Alessandro Pinzani realizaram um exaustivo trabalho de pesquisa, que se estendeu de 2006 a 2011. Ouviram mais de 150 mulheres beneficiadas pelo programa, localizadas em lugares remotos e frequentemente esquecidos, como o Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas.

O resultado da pesquisa está no livro Vozes do Bolsa Família, lançado há pouco. Segundo as conclusões de seus autores, o incômodo e as manifestações contrárias que o programa desperta em alguns setores não têm razões objetivas. Seria resultado do preconceito e de uma cultura de desprezo pelos mais pobres.

Os pesquisadores também rebatem a ideia de que o benefício acomoda as pessoas. “O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida como qualquer pessoa”, diz Walquiria, que é professora de Teoria da Cidadania na Unicamp.
Na entrevista abaixo – concedida à repórter Isadora Peron – ela fala desta e de outras conclusões do trabalho.

Como surgiu a ideia da pesquisa?
Quando vimos a dimensão que o programa estava tomando, atendendo milhões de famílias, percebemos que teria impacto na sociedade. Nosso objetivo foi avaliar esse impacto. Uma vez que o programa determina que a titularidade do benefício cabe às mulheres, era preciso conhecê-las. Então resolvemos ouvir mulheres muito pobres, que continuam muito pobres, em regiões tradicionalmente desassistidas pelo Estado, como o Vale do Jequitinhonha, o interior do Maranhão, do Piauí…

E quais foram os impactos que perceberam?
Toda a sociologia do dinheiro mostra que sempre houve muita resistência, inclusive das associações de caridade, em dar dinheiro aos pobres. É mais ou menos aquele discurso: “Eles não sabem gastar, vão comprar bobagem.” Então é melhor que nós, os esclarecidos, façamos uma cesta básica, onde vamos colocar a quantidade certa de proteínas, de carboidratos… Essa resistência em dar dinheiro ao pobres acontecia porque as autoridades intuíam que o dinheiro proporcionaria uma experiência de maior liberdade pessoal. Nós pudemos constatar na prática, a partir das falas das mulheres. Uma ou duas delas até usaram a palavra liberdade. “Eu acho que o Bolsa Família me deu mais liberdade”, disseram. E isso é tão óbvio. Quando você dá uma cesta básica, ou um vale, como gostavam de fazer as instituições de caridade do século 19, você está determinando o que as pessoas vão comer. Não dá chance de pessoas experimentarem coisas. Nenhuma autonomia.

Está dizendo que essas pessoas ganharam liberdade?
Estamos tratando de pessoas muito pobres, muito destituídas, secularmente abandonadas pelo Estado. Quando falamos em mais autonomia, liberdade, independência, estamos nos referindo à situação anterior delas, que era de passar fome. O que significa dizer de uma pessoa que está na linha extrema de pobreza e que continua pobre ganhou mais liberdade? Significa que ganhou espaços maiores de liberdade ao receber o benefício em dinheiro. É muito forte dizer que ganhou independência financeira. Independência financeira temos nós – e olhe lá.

O que essa liberdade significou na prática, no cotidiano das pessoas?
Proporcionou a possibilidade de escolher. Essa gente não conhecia essa experiência. Escolher é um dos fundamentos de qualquer sociedade democrática. Que escolhas elas fazem? Elas descobriram, por exemplo, que podem substituir arroz por macarrão. No Nordeste, em 2006 e 2007, estava na moda o macarrão de pacote. Antes, havia macarrão vendido avulso. O empacotamento dava um outro caráter para o macarrão. Mais valor. Elas puderam experimentar outros sabores, descobriram a salsicha, o iogurte. E aprenderam a fazer cálculos. Uma delas me disse: “Ixe, no começo, gastei tudo na primeira semana”. Depois aprendeu que não podia gastar tudo de uma vez.

A que atribui a resistência de determinados setores da sociedade ao pagamento do benefício?
O Bolsa Família é um programa barato, mas como incomoda a classe média (ela ri). Esse incômodo vem do preconceito.

Fala-se que acomoda os pobres.
Como acomoda? O ser humano é desejante. Eles querem mais da vida, como qualquer pessoa. Quem diz isso falsifica a história. Não há acomodação alguma. Os maridos dessas mulheres normalmente estavam desempregados. Ao perguntar a um deles quando tinha sido a última vez que tinha trabalhado, ele respondeu: “Faz uns dois meses, eu colhi feijão”. Perguntei quanto ele ganhava colhendo feijão. Disse que dependia, que às vezes ganhava 20, 15, 10 reais. Fizemos as contas e vimos que ganhava menos num mês do que o Bolsa Família pagava. Por que ele tem que se sujeitar a isso, praticamente à semiescravidão? Esses estereótipos tem que ser desfeitos no Brasil, para que se tenha uma sociedade mais solidária, mais democrática. É preciso desfazer essa imensa cultura do desprezo.

No livro a senhora diz que essas mulheres veem o benefício como um favor do governo.
Sim, de 70% a 80% ainda veem o Bolsa Família como um favor. Encontramos poucas mulheres que achavam que é um direito. Isso se explica porque temos uma jovem democracia. A cultura dos direitos chegou muito tarde ao Brasil. Imagino que daqui para a frente a ideia de que elas têm direito vai ser mais reforçada. Para isso precisamos, porém, de políticas públicas específicas. Seriam um segundo, um terceiro passo… Os desafios a partir de agora são muito grandes.

Qual é a sua avaliação geral do programa?
Acho que o Bolsa Família foi uma das coisas mais importantes que aconteceram no Brasil nos últimos anos. Tornou visíveis cerca de 50 milhões de pessoas, tornou-os mais cidadãos. Essa talvez seja a maior conquista.

Entre as mulheres que ouviu, alguma foi mais marcante para a senhora?
Uma das mais marcantes foi uma jovem no sertão do Piauí. Ela me disse: “Essa foi a primeira vez que a minha pessoa foi enxergada”. Tinha uma outra, do Vale do Jequitinhonha, que morava num casebre, sozinha com três filhos. Quando começou a contar a história dela, perguntei qual era a sua idade, porque parecia que já tinha vivido muita coisa. Ela respondeu: “29 anos”. E eu: “Mas só 29?” Ela: “Mas, dona, a minha vida é comprida, muito comprida.” Percebi que falar que “a minha vida é muito comprida” é quase sinônimo de “é muito sofrida”.
 

sábado, 19 de outubro de 2013

A cruzada de Almeidinha contra a 'Bolsa Esmola'


Na Suíça, o Bolsa Família recebe o "Nobel" da seguridade social. Aqui, há campanha para suspender o direito político de seus beneficiários

Por Matheus Pichonelli, da Carta Capital  via GGN 19/10/13



O programa Bolsa Família recebeu, na terça-feira 15, o 1º prêmio Award for Outstanding Achievement in Social Security, espécie de Nobel concedido a cada três anos pela Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA), entidade com sede na Suíça. É o mais importante reconhecimento de um programa responsável por ajudar a quebrar no País um ciclo histórico de fome e miséria. É o reconhecimento, também, de que a aposta em promover a autonomia dos beneficiados por meio de um cartão magnético passou longe de um mantra brasileiro quase pré-histórico: o de que dinheiro na mão de pobre é, na melhor das hipóteses, desperdício; na pior, um mero instrumento de troca de apoio e voto.

A notícia, em meio à tensão pré-eleitoral, deixou a turma do Almeidinha em polvorosa. Nas mesas de bar, do trabalho ou em memes de Facebook, a reação ao prêmio foi quase previsível. Houve uma avalanche de revolta e cusparadas contra o que chamam de Bolsa Esmola. Uma das montagens é uma peça-rara: uma enxada e outros utensílios de mão-de-obra rural com os dizeres “no meu tempo, Bolsa Família era quando os pais de família trabalhavam” (algo assim). Uma outra mostrava a confusão em uma agência da Caixa após os boatos sobre o fim do benefício: “Brigar por esmola é mais fácil do que brigar por saúde, emprego e educação”. Outra, um “apelo ao fim do voto de cabresto”, questionava a legitimidade dos beneficiários em participar das eleições. O raciocínio é de uma sofisticação invejável. A vítima do cabresto, afinal, é sempre o pobre. E pobre, de barriga cheia, é incapaz de pensar por si: automaticamente, devolve a esmola com a gratidão em forma de voto vendido. (Ocabresto, para quem não sabe, é a correia fixada na cabeça de animais, como as mulas, para amarrá-los ou dirigi-los; o uso da expressão, a essa altura do campeonato, diz mais sobre a consciência e os pressupostos do autor do que sobre o sistema político que ele finge combater).

Críticas ao programa, como se sabe, existem. Muitas delas são justificadas, entre as quais a dificuldade de fiscalização e o seu uso, em discursos de campanha, como arma de terrorismo eleitoral (“se fulano ganhar, acabou a mamata”).

Até aí, normal. O que espanta, nas manifestações de ódio, é a precariedade dos argumentos. A turma do Almeidinha, ao latir contra uma política de transferência de renda (que, vale dizer, não é uma invenção brasileira), não demonstra apenas a sua ignorância sobre as contrapartidas do programa. Demonstra o completo desprezo em relação a quem, até ontem, topava limpar, lavar, passar e cozinhar na casa grande por algum trocado e a condução. É como se passasse um recibo: é preferível deixar a população desassistida, sem vacina, sem alimento e sem escola, do que depender de política pública para dar o primeiro passo.

A bronca da patrulha é compreensível: a autonomia do explorado é o desarme do explorador. E ao explorador não resta outra alternativa se não espalhar seus próprios preconceitos aos ventos. Segundo esta visão turva sobre o mundo, a capacidade de raciocínio do pobre se limite a comer e beber. Não difere da de um animal. Um animal que se contenta em receber um complemento de renda para se acomodar – e não, como ele, batalhar por uma vida melhor que extrapole o teto do benefício.

O modelo do self made man só serve para ele, e é uma questão quase moral não depender de ninguém. No mundo em que a educação, até ontem, era objeto de luxo das mesmas famílias, os Almeidinhas mais bem alimentados preferem ignorar os fatos e propagar a sua própria visão de mundo: um mundo segundo o qual a limitação do pobre não é material, mas humana; sua complexidade existencial se limitaria assim a acordar, sacar o benefício, comer (sem talheres), dormir e procriar. Decerto a trupe de Almeidinha só conhece o mundo fora de sua bolha por ouvir dizer. Para ele e seu classe-média-sofrismo, refinamento é passar os dias (e a vida) repetindo chavões sem base empírica. É espalhar no Facebook mensagens sobre o que desconhece ao lado de frases jamais escritas pelos autores que nunca leu. O resto, para ele, é pura ignorância. A ignorância que atrasa o progresso da nação.

PS: Em dez anos, o Bolsa Família beneficiou mais de 50 milhões de brasileiros e tirou 22 milhões de pessoas da miséria, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social. Para entrar no programa, o beneficiário deve cumprir uma série de contrapartidas, entre elas o acompanhamento da frequência escolar, da agenda de vacinação e nutrição dos filhos e o pré-natal de gestantes. Com o benefício, o comércio em localidades historicamente legadas à miséria se movimentou e a evasão escolar arrefeceu. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para cada real investido pelo programa, há um retorno para a economia de 1,78 real. Não é por menos que, em época de eleição, candidatos de diferentes partidos saem no tapa para proclamar a paternidade do programa. Uns se declaram idealizadores da experiência pioneira. Outros, da sua ampliação. Ganha quem apostar que em 2014 não haverá um só candidato capaz de sugerir o fim do benefício).

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

JB e AFS esconderam provas

Joaquim Barbosa e Antonio Fernando de Souza esconderam provas que poderiam mudar julgamento do “mensalão”

Para Jornal GGN e Carta Maior

O então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criaram em 2006 e mantiveram sob segredo de Justiça dois procedimentos judiciais paralelos à Ação Penal 470. Por esses dois outros procedimentos passaram parte das investigações do chamado caso do “Mensalão”. O inquérito sigiloso de número 2454 correu paralelamente ao processo do chamado Mensalão, que levou à condenação, pelo STF, de 38 dos 40 denunciados por envolvimento no caso, no final do ano passado, e continua em aberto. E desde 2006 corre na 12ª Vara de Justiça Federal, em Brasília, um processo contra o ex-gerente executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos, pelo exato mesmo crime pelo qual foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato.

Esses dois inquéritos receberam provas colhidas posteriormente ao oferecimento da denúncia ao STF contra os réus do mensalão pelo procurador Antônio Fernando, em 30 de março de 2006. Pelo menos uma delas, o Laudo de número 2828, do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, teria o poder de inocentar Pizzolato.

O advogado do ex-diretor do BB, Marthius Sávio Cavalcante Lobato, todavia, apenas teve acesso ao inquérito que corre em primeira instância contra Vasconcelos no dia 29 de abril deste ano, isto é, há um mês e quase meio ano depois da condenação de seu cliente. E não mais tempo do que isso descobriu que existe o tal inquérito secreto, de número 2474, em andamento no STF, também relatado por Joaquim Barbosa, que ninguém sabe do que se trata – apenas que é um desmembramento da Ação Penal 470 –, mas que serviu para dar encaminhamento às provas que foram colhidas pela Polícia Federal depois da formalização da denúncia de Souza ao Supremo. Essas provas não puderam ser usadas a favor de nenhum dos condenados do mensalão.

Essa inusitada fórmula jurídica, segundo a qual foram selecionados 40 réus entre 126 apontados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito e decidido a dedo para qual dos dois procedimentos judiciais (uma Ação Penal em curso, pública, e uma investigação sob sigilo) réus acusados do mesmo crime deveriam constar, foi definida por Barbosa, em entendimento com o procurador-geral da República da época, Antonio Fernando, conforme  documento obtido pelo advogado. Roberto Gurgel assumiu em julho de 2009, quando o procedimento secreto já existia.

A história do processo que ninguém viu

Em março de 2006, a CPMI dos Correios divulgou um relatório preliminar pedindo o indiciamento de 126 pessoas. Dez dias depois, em 30 de março de 2006, o procurador-geral da República, rápido no gatilho, já tinha se convencido da culpa de 40, número escolhido para relacionar o episódio à estória de Ali Baba. A base das duas acusações era desvio de dinheiro público (que era da bandeira Visa Internacional, mas foi considerado público, por uma licença jurídica não muito clara) do Fundo de Incentivo Visanet para o Partido dos Trabalhadores, que teria corrompido a sua base aliada com esse dinheiro. Era vital para essa tese, que transformava o dinheiro da Visa Internacional, aplicado em publicidade do BB e de mais 24 bancos entre 2001 e 2005, em dinheiro público, ter um petista no meio. Pizzolato era do PT e foi diretor de Marketing de 2003 a 2005.

Pizzolato assinou três notas técnicas com outro diretor e dois gerentes-executivos recomendando campanhas de publicidade e patrocínio (e deixou de assinar uma) e foi sozinho para a lista dos 40. Os outros três, que estavam no Banco do Brasil desde o governo anterior, não foram mencionados. A Procuradoria-Geral da República, todavia, encaminhou em agosto para a primeira instância de Brasília o caso do gerente-executivo de Publicidade, Cláudio de Castro Vasconcelos, que vinha do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. O caso era o mesmo: supostas irregularidades no uso do Fundo de Incentivo Visanet pelo BB, no período de 2001 a 2005, que poderia ter favorecido a agência DNA, do empresário Marcos Valério. Um, Pizzolato, que era petista de carteirinha, respondeu no Supremo por uma decisão conjunta. Outro, Cláudio Gonçalves, responde na primeira instância porque o procurador considerou que ele não tinha foro privilegiado. Tratamento diferente para casos absolutamente iguais.

Barbosa decretou segredo de Justiça para o processo da primeira instância, que ficou lá, desconhecido de todos, até 31 de outubro do ano passado, quando a Folha de S. Paulo publicou uma matéria se referindo a isso (“Mensalão provoca a quebra de sigilo de ex-executivos do BB”). Faltavam poucos dias para a definição da pena dos condenados, entre eles Pizzolato, e seu advogado dependia de Barbosa para que o juiz da 12ª Vara desse acesso aos autos do processo, já que foi o ministro do STF que decretou o sigilo.

O relator da AP 470 interrompera o julgamento para ir à Alemanha, para tratamento de saúde. Na sua ausência, o requerimento do advogado teria que ser analisado pelo revisor da ação, Ricardo Lewandowiski. Barbosa não deixou. Por telefone, deu ordens à sua assessoria que analisaria o pedido quando voltasse.

Quando voltou, Barbosa não respondeu ao pedido. Continuou o julgamento. No dia 21 de novembro, Pizzolato recebeu a pena, sem que seu advogado conseguisse ter acesso ao processo que, pelo simples fato de existir, provava que o ex-diretor do BB não tomou decisões sozinho – e essa, afinal, foi a base da argumentação de todo o processo de mensalão (um petista dentro de um banco público desvia dinheiro para suprir um esquema de compra de votos no Congresso feito pelo seu partido).
No dia 17 de dezembro, quando o STF fazia as últimas reuniões do julgamento para decidir a pena dos condenados, Barbosa foi obrigado a dar ciência ao plenário de um agravo regimental do advogado de Pizzolato. No meio da sessão, anunciou “pequenos problemas a resolver” e mencionou um “agravo regimental do réu Henrique Pizzolato que já resolvemos”. No final da sessão, voltou ao assunto, informando que decidira sozinho indeferir o pedido, já que “ele (Pizzolato) pediu vistas a um processo que não tramita no Supremo”.

O único ministro que parece ter entendido que o assunto não era tão banal quanto falava Barbosa foi Marco Aurélio Mello.

Mello: “O incidente [que motivou o agravo] diz respeito a que processo? Ao revelador da Ação Penal nº 470?”
Barbosa: “Não”.
Mello: “É um processo que ainda está em curso, é isso?”
Barbosa: “São desdobramentos desta Ação Penal. Há inúmeros procedimentos em curso.”
Mello: “Pois é, mas teríamos que apregoar esse outro processo que ainda está em curso, porque o julgamento da Ação Penal nº 470 está praticamente encerrado, não é?”
Barbosa: “É, eu acredito que isso deve ser tido como motivação...”
Mello: “Receio que a inserção dessa decisão no julgamento da Ação Penal nº 470 acabe motivando a interposição de embargos declaratórios.”
Barbosa: “Pois é. Mas enfim, eu estou indeferindo.”

Segue-se uma tentativa de Marco Aurélio de obter mais informações sobre o processo, e de prevenir o ministro Barbosa que ele abria brechas para embargos futuros, se o tema fosse relacionado. Barbosa reitera sempre com um “indeferi”, “neguei”. (Veja sessão em http://www.youtube.com/watch?v=p8i6IIHFQP8&list=PLE4D1CD8C85A97629&index=1)

O agravo foi negado monocraticamente por Barbosa, sob o argumento de que quem deveria abrir o sigilo de justiça era o juiz da 12ª Vara. O advogado apenas consegui vistas ao processo no DF no dia 29 de abril do mês passado.

Um inquérito que ninguém viu

O processo da 12ª Vara, no entanto, não é um mero desdobramento da Ação Penal 470, nem o único.

O procurador-geral Antonio Fernando fez a denúncia do caso do Mensalão ao STF em 30 de março de 2006. Em 9 de outubro daquele ano, em uma petição ao relator do caso, solicitou a Barbosa a abertura de outro procedimento, além do inquérito original (o 2245, que virou a AP 470), para dar vazão aos documentos que ainda estavam sendo produzidos por uma investigação que não havia terminado (Souza fez as denúncias, portanto, sem que as investigações de todo o caso tivessem sido concluídas; a Polícia Federal e outros órgãos do governo continuavam a produzir provas).
O ofício é uma prova da existência do inquérito 2474, o procedimento paralelo criado por Barbosa que foi criado em outubro de 2006, imediatamente ganhou sigilo de justiça e ficou sob a responsabilidade do mesmo relator Joaquim Barbosa.

Diz o procurador na petição: “Por ter conseguido formar juízo sobre a autoria e materialidade de diversos fatos penalmente ilícitos, objeto do inquérito 2245, já oferecia a denúncia contra os respectivos autores”, mas, informa Souza, como a investigação continuar, os documentos que elas geram têm sido anexados ao processo já em andamento, o que poderia dar margens à invalidação dos “atos investigatórios posteriores”. E aí sugere: “Assim requeiro, com a maior brevidade, que novos documentos sejam autuados em separado, como inquérito (...) ”.

Barbosa defere o pedido nos seguintes termos: “em relação aos fatos não constantes da denúncia oferecida, defiro o pedido para que os documentos sejam autuados em separado, como inquérito. Por razões de ordem prática, gerar confusão.”

No inquérito paralelo, o de número 2474, foram desovados todos os resultados da investigação conduzida depois disso. Nenhum condenado no processo chamado Mensalão teve acesso a provas produzidas pela Polícia Federal ou por outros órgãos do governo depois da criação desse inquérito porque todas todos esses documentos foram enviados para um inquérito mantido todo o tempo em segredo pelo Supremo Tribunal Federal.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A estranha visão de Joaquim Barbosa


Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Para Joaquim Barbosa, os Estados Unidos são uma coisa vaga que atende, basicamente, a suas conveniências do momento.

Num congresso de jornalismo, ele citou os americanos ao se referir, mais uma vez, ao caso da funcionária que ele tentou retirar do STF por alegado conflito de interesses.

A funcionária, como se sabe, é casada com um repórter do Estadão com quem JB teve uma encrenca pública. JB mandou-o “chafurdar no lixo” depois que o jornalista noticiou gastos de 90 000 reais em dinheiro público na reforma nos banheiros do seu aposento funcional de presidente do STF em Brasília.

JB fracassou em afastá-la do STF. Ela está lotada no gabinete de Lewandowsky, que não viu sentido no pleito de JB e a manteve. Se conheço a alma humana, Lewandowsky aproveitou para vazar a tentativa frustrada de vingança.

Nos Estados Unidos isso não aconteceria, voltou a afirmar Barbosa ao se referir ao caso.

Bem, primeiro e antes de tudo, “conflito de interesse”, a rigor, existiu na tentativa de JB de prejudicar a mulher do jornalista. Ele tentou usar seu poder como presidente do STF para uma vendetta pessoal.

Mas, muito além disso, se a referência são os Estados Unidos, JB não tem muito do que se gabar.

Nos Estados Unidos, um presidente do STF patrocinaria – com dinheiro público, sempre – uma viagem de jornalistas apenas para que eles fizessem matérias laudatórias sobre ele? Lembremos: a viagem – para a Costa Rica – foi feita num avião da FAB.

Que aconteceria, nos Estados Unidos, se um presidente do STF fosse flagrado comprando um apartamento com uma pequena trapaça para sonegar impostos? E se ele arrumasse emprego para o filho numa grande organização jornalística com um contencioso bilionário na Receita Federal?

Falta a JB, além de tudo, a discrição essencial a um magistrado em sua posição. Em sua loquacidade irreprimível, ele opina sobre tudo. Em breve, é possível que palpite na escalação da seleção. É verdade que a mídia o incentiva a opinar sobre qualquer coisa, mas ele deveria ter noção de suas limitações e se resguardar. Se um dia aprender a responder “não sei”, terá feito um avanço considerável. Mas não: até sobre o jornalismo investigativo ele julga ter algo a dizer. Digo apenas o seguinte: se o jornalismo investigativo funcionasse, a vida de Joaquim Barbosa seria muito menos confortável: a mídia teria esquadrinhado, por exemplo, a compra do apartamento em Miami.

Em vez disso, o que se viu foi uma cobertura miserável, em grande parte por conflito de interesse: a mídia enxerga nele um aliado, e por isso o escândalo passou virtualmente em branco por jornais, revistas e telejornais. Combatividade, só no jornalismo independente feito na internet — ainda sem os recursos necessários para investigações mais caras.

Para Joaquim Barbosa, “conflito de interesse” é aquilo que seus desafetos fazem. Se ele olhar para o espelho, verá alguém sem nenhuma autoridade moral para falar sobre o assunto.

O absurdo acórdão do STF para condenar Pizzolato

14/10/2013 -        Do blog Megacidadania

      

STF MANTÉM PILAR DA ACUSAÇÃO PARA CONDENAR TODOS

Os ministros do STF mantiveram os erros cometidos no julgamento da AP 470, rejeitaram os embargos apresentados pelo advogado de Henrique Pizzolato e reafirmaram erroneamente que: 1) O dinheiro da Visanet é público; 2) O dinheiro foi desviado; 3) O responsável pelo desvio é Henrique Pizzolato.
O parágrafo a seguir faz parte do acórdão do julgamento dos embargos de declaração e sinteticamente resume as alegações pelas  quais os ministros do STF rejeitaram os embargos de Pizzolato:
“Não há qualquer margem para dúvida quanto à configuração da conduta típica definida no art. 312 do Código Penal, decorrente dos desvios de recursos pertencentes ao Banco do Brasil, mantidos junto ao Fundo Visanet. A natureza pública dos recursos foi devidamente analisada, ao mesmo tempo em que se salientou que o crime de peculato se consuma independentemente dessa natureza, tendo em vista o disposto no tipo penal aplicável.”
Os ministros do STF decidiram, ou seja, acordaram (acórdão) que o dinheiro do Fundo Visanet era público - pertencia ao Banco do Brasil. Disseram que este dinheiro foi desviado (para Marcos Valério sem que nenhuma campanha publicitária da marca Visa tivesse sido realizada). Os ministros do STF entenderam que, Pizzolato, pelo simples fato de ocupar o cargo de diretor de marketing do Banco do Brasil, detinha poder para decidir e efetuar pagamentos para Marcos Valério com dinheiro do Fundo Visanet. Os ministros do STF entenderam que não havia importância alguma se o dinheiro era público ou privado para condenar Pizzolato.

O DINHEIRO NÃO ERA PÚBLICO

O maior absurdo que os ministros do STF cometeram foi considerar que os recursos/dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet era público.
Todos os documentos existentes no processo: o Regulamento do Fundo de Incentivo Visanet, auditorias e pareceres jurídicos do Banco do Brasil dizem e comprovam que o dinheiro era de propriedade da empresa privada Visanet. Não existe nenhum documento da Visanet ou do Banco do Brasil que corrobore a falsa tese - pilar da acusação para condenar TODOS - que o dinheiro era público.
“Os recursos do Fundo de Incentivo Visanet são recursos privados pertencentes à Visanet. Não há parte pertencente a nenhum banco, tampouco ao Banco do Brasil.” É o que consta em documento da própria Visanet que está nos autos do processo.
Por que os ministros do STF ignoraram estes documentos?

NÃO EXISTIU CRIME DE PECULATO

Outro absurdo é: ministros do STF não definirem se o dinheiro era público ou privado, alegando que isto pouco importa para o cometimento do crime de peculato.
Importa sim!
Ora, a condição principal que define o crime de peculato é, se o funcionário público, em função do cargo que ocupe, tiver/detiver a posse/o poder sobre o valor, no caso, posse/poder sobre o dinheiro do Fundo Visanet.
Pizzolato nunca teve a posse/poder sobre este dinheiro. O dinheiro do Fundo Visanet era de propriedade de empresa privada - Visanet!
A empresa privada Visanet, proprietária dos recursos/dinheiro do Fundo Visanet, mantinha este dinheiro em conta bancária no Bradesco. Somente a Visanet tinha poder e acesso a esta conta bancária. Nenhum banco, muito menos o Banco do Brasil, podia dispor livremente sobre este dinheiro. NINGUÉM do Banco do Brasil tinha acesso à conta corrente do Fundo Visanet. Somente os dirigentes da Visanet tinham poder para autorizar ou não a utilização dos recursos/dinheiro do Fundo Visanet.
A Visanet exigia que o Regulamento do Fundo Visanet fosse respeitado/cumprido pelos bancos que desejassem usufruir dos recursos do Fundo, disponibilizados unilateralmente pela Visanet, para serem utilizados em marketing/propaganda dos cartões de crédito com a marca Visa.
A regra/condição fundamental, que todos os bancos deveriam respeitar, era a indicação de um GESTOR, única pessoa responsável perante o banco e a Visanet para assinar documentos de apresentação de propostas e solicitação do dinheiro do Fundo.

Este GESTOR nunca foi Pizzolato.

O Banco do Brasil nomeou, como seu representante junto à Visanet, Léo Batista dos Santos, para assinar todos os documentos do Fundo Visanet. A Visanet exigiu que o Banco do Brasil firmasse/assinasse uma PROCURAÇÃO dando poderes ao GESTOR, Léo Batista dos Santos, única pessoa com poderes para solicitar que a Visanet pagasse para a DNA de Marcos Valério.
Mesmo que, o GESTOR, Léo Batista dos Santos, detivesse poderes para solicitar que a Visanet pagasse para a DNA, a “última palavra” - a autorização final para que a DNA recebesse dinheiro do Fundo Visanet - era dada exclusiva e unilateralmente pela Visanet.  A Visanet, conforme o disposto no Regulamento do Fundo Visanet, se outorgava o direito de inclusive não acatar/aceitar documentos encaminhados e assinados pelo GESTOR, Léo Batista dos Santos - o dinheiro era de propriedade da Visanet e a Visanet tinha instâncias próprias para decidir se aceitava ou não os documentos encaminhados pelo GESTOR.
Não existe nenhum documento da Visanet ou do Banco do Brasil que corrobore a falsa ”tese” que o dinheiro era público.
Os documentos, que estão nos autos do processo da AP 470, comprovam que o dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet era de propriedade da Visanet, portanto, somente a Visanet tinha poder para decidir se pagava ou não para a agência de propaganda, DNA, de Marcos Valério.
O absurdo cometido pelos ministros do STF foi considerar que documentos internos do Banco do Brasil - chamados de notas técnicas - tivessem poder para ordenar pagamentos para a DNA propaganda com o dinheiro que pertencia à Visanet.
Maior absurdo ainda é que os ministros da mais alta corte de justiça deste país consideraram como criminosa a assinatura de Pizzolato em 3 documentos que foram sempre assinados por 4 pessoas. Ministros omitiram em seus votos que estes documentos foram SEMPRE assinados por 4 pessoas!
Aliás, a maior prova do absurdo cometido pelos ministros do STF foi considerar que Pizzolato é quem tinha poder para pagar para a DNA com o dinheiro da Visanet. O absurdo é que, um destes documentos - notas técnicas -, ditos/tidos como “prova” do “poder” de Pizzolato em determinar que a DNA fosse paga com dinheiro da Visanet, sequer foi assinado por ele, mas absurda e inexplicavelmente, a Visanet pagou para a DNA de Marcos Valério (!?!)... Mesmo sem a assinatura de Pizzolato.
Ora, uma pessoa é culpada, condenada à prisão, por um documento, considerado como prova incriminatória, que não assinou ?
Que justiça é esta????
Banner interno postagem 12 10

NÃO EXISTIU DESVIO DE DINHEIRO, NEM DA VISANET, NEM DO BANCO DO BRASIL

Outro absurdo cometido pelos ministros do STF foi considerar que houve desvio de recursos/dinheiro.
Pois não houve NENHUM DESVIO! Nem de dinheiro da Visanet, nem mesmo se o dinheiro da empresa privada Visanet fosse considerado como pertencente ao Banco do Brasil!!!!
Os R$73.851.536,18, ditos/tidos pelos ministros do STF como “desviados” por Pizzolato, em verdade, foram efetiva e comprovadamente gastos e utilizados em campanhas publicitárias. As provas estão nos autos do processo da Ação Penal 470 que, ABSURDAMENTE, os ministros do STF ignoraram.
Considerando o julgamento ocorrido em 2012 e o julgamento dos embargos ocorrido este ano (2013), 13 ministros do STF (11 mais 2 que assumiram recentemente), ABSURDAMENTE condenaram Pizzolato, ignorando TODOS os documentos que provam sua inocência.
As provas e documentos que atestam a inocência de Pizzolato comprovam que TODO O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470 É UMA FARSA!
O dinheiro não era público, não houve nenhum desvio de dinheiro.
O maior absurdo cometido pelos ministros do STF: Pizzolato foi injustamente acusado e usado para forjar a farsa do mensalão para que TODOS os réus fossem condenados!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Joaquim Barbosa e a ética do ódio

    Fernando Brito,  3 de outubro de 2013


Joaquim Barbosa, o presidente do Supremo Tribunal Federal, tem um defeito terrível em seres humanos e imperdoável em juízes.
O ódio.
Barbosa tem outro defeito, imperdoável em seres humanos e inaceitável em juízes ou em qualquer um que ocupe função pública.
Deixar que os ódios pessoais interfiram em sua ação funcional.
Ambos, próprios da almas miúdas, são a negação do que a balança e a venda simbolizam na Justiça.
E isso se revelou de forma didática no episódio estarrecedor, narrado hoje pelo Estadão, onde Joaquim Barbosa  ”pede a cabeça” de uma servidora pelo fato de ela ser casada com um repórter do jornal que cobre o Supremo Tribunal Federal, a quem trata como um desafeto.
E o faz com a arrogância própria de quem considera seus pares no Tribunal como quase subordinados, a quem, com os devidos floreios de linguagem, devem seguir suas vontades.
Seria diferente se o caso se enquadrasse em alguma regra ou norma do STF e de todo o Judiciário que proibisse a cessão de servidores de outros órgãos recém-aprovados para aquelas repartições.
Porque a lei, sempre afirmam, é erga omnes, é para todos.
Mas não é assim.
É um ato dirigido contra uma única pessoa e sua motivação é exclusivamente o ódio que vota a seu companheiro, a quem já mandou “chafurdar no lixo”.
Como, depois de um ato assim, dizer impossível que outros fatos, como a prisão da jornalista do Estadão, semana passada, em sua palestra na universidade americana de Yale, não derivem de seus arreganhos autoritários?
Joaquim Barbosa copia o pior da mente do senhor das fazendas coloniais: a ideia do poder absoluto.
“Não vou com a cara dela” não é motivação legítima para um ato de autoridade, mesmo o de solicitar algo a outro ministro.
Até aí apenas horrível, mas é seu direito, desde que não extravase para seus atos e seja apenas mais um espasmo a lhe motivar caretas e muxôxos quando não se vê atendido.
Quando isto passa ao mundo dos fatos administrativos ou jurídicos, deixa de ser horrível para ser intolerável.
E quando isso ocorre com o presidente da mais alta corte do país, passa a colocar em risco todo o equilíbrio da Justiça.
O Dr. Joaquim Barbosa tem um tamanho pequeno demais para o cargo que ocupa.
E critérios éticos  e de decoro diferentes para si e para os outros, como se provou no episódio da constituição de uma empresa fictícia para livrar-se dos impostos da compra de um apartamento em Miami.
Um mérito, porém, não se pode lhe negar.
O de mostrar, pela negação, a grandeza que um magistrado deve ter.