Luis Nassif, do Jornal GGN 10/06/2013
Do Jornal GGN – Em sua sabatina no Senado, o jurista
Luiz Roberto Barroso considerou o julgamento do chamado mensalão “ponto
fora da curva”. Barroso é considerado o maior constitucionalista
brasileira, unanimidade, saudado tanto pela direita quanto pela
esquerda. Sua opinião foi corroborada pelo Ministro Marco Aurélio de
Mello, um dos julgadores mais implacáveis.
Externou o que todo o meio jurídico comenta à boca pequena desde
aquela época: foi um julgamento de exceção. E não apenas pelo rigor
inédito (para crimes de colarinho branco) das condenações, mas pela
excepcional seletividade na escolha das provas, sonegando informações
essenciais para a apuração completa do episódio.
Houve o pagamento de despesas de campanha dos novos aliados do PT.
Utilizaram-se recursos de caixa dois para tal. Havia o intermediário das
transações – o publicitário Marcos Valério e a agência DNA. Na outra
ponta, os beneficiários. E, no começo do circuito, os financiadores.
Se poderia ter se obtido a condenação fazendo o certo, qual a razão
para tantas irregularidades processuais anotadas? Não se tratou apenas
dos atropelos à presunção da inocência e outros princípios clássicos do
ordenamento jurídico brasileiro. Há também a suspeita de ocultação
deliberada de provas.
1. Ignorou-se laudo comprovando a aplicação dos recursos da Visanet.
2. Esconderam-se evidências de que o contrato da DNA com a Visanet era anterior a 2003.
3. Desmembrou-se o processo para que outros diretores do Banco do
Brasil – que compartilharam decisões com o diretor de marketing Antonio
Pizolato e assumiram responsabilidades maiores – não entrassem na AP
470.
4. Ignoraram-se evidências nítidas de que a parte mais substancial
dos fundos do DNA foi garantida pelas empresas de telefonia de Daniel
Dantas.
O contrato de Antonio Fernando
Aparentemente, desde o começo, a prioridade dos Procuradores Gerais
da República Antônio Fernando (que iniciou as investigações), de Roberto
Gurgel (que deu prosseguimento) e do Ministro do STF Joaquim Barbosa
(que relatou a ação) parece ter sido a de apagar os rastros do principal
financiador do mensalão: o banqueiro Daniel Dantas.
Inexplicavelmente, ele foi excluído do processo e seu caso remetido para um tribunal de primeira instância.
Excluindo Dantas, não haveria como justificar o fluxo de pagamentos
aos mensaleiros. Todos os absurdos posteriores decorrem dessa falha
inicial, de tapar o buraco do financiamento, depois que Dantas foi
excluído do inquérito.
Responsável pelas investigações, o procurador geral Antônio Fernando
de Souza tomou duas decisões que beneficiaram diretamente Dantas. A
primeira, a de ignorar um enorme conjunto de evidências e excluir Dantas
do inquérito – posição mantida por seu sucessor, Roberto Gurgel e pelo
relator Ministro Joaquim Barbosa. A segunda, a de incluir no inquérito o
principal adversário de Dantas no governo: Luiz Gushiken. Aliás, com o
concurso de Antonio Pizolatto – que acabou tornando-se vítima, depois de
diversas decisões atrabiliárias dos PGRs.
Foi tal a falta de provas para incriminar Gushiken, que o PGR seguinte, Roberto Gurgel, acabou excluindo-o do inquérito.
Pouco depois de se aposentar, Antônio Fernando tornou-se sócio de um
escritório de advocacia de Brasília – Antônio Fernando de Souza e Garcia
de Souza Advogados -, que tem como principal contrato a administração
da carteira de processos da Brasil Telecom, hoje Oi, um dos braços de
Dantas no financiamento do mensalão. O contrato é o sonho de todo
escritório de advocacia: recebimento de soma mensal vultosa para
acompanhar os milhares de processos de acionistas e consumidores contra a
companhia, que correm nos tribunais estaduais e federais.
Os sinais de Dantas
Qualquer jornalista que acompanhou os episódios, na época, sabia que a
grande fonte de financiamento do chamado “valerioduto” eram as empresas
de telefonia controladas por Dantas, a Brasil Telecom e a Telemig
Celular. Reportagens da época comprovavam – com riqueza de detalhes –
que a ida de Marcos Valério a Portugal, para negociar a Telemig com a
Portugal Telecom, foi a mando de Dantas.
Dantas possuía parcela ínfima do capital das empresas Telemig,
Amazônia Celular e Brasil Telecom. O valor de suas ações residia em um
acordo “guarda-chuva”, firmado com fundos de pensão no governo FHC, que
lhe assegurava o controle das companhias. Tentou manter o acordo
fechando aliança com setores do PT – que foram cooptados, sim. Quando o
acordo começou a ser derrubado na Justiça, ele se apressou em tentar
vender o controle da Telemig, antes que sua participação virasse pó.
No livro “A Outra Historia do Mensalão”, Paulo Moreira Leite conta
que a Polícia Federal apurou um conjunto de operações entre a Brasil
Telecom e a DNA. A executiva Carla Cicco, presidente da BT, encomendou à
DNA uma pesquisa de opinião no valor de R$ 3,7 milhões. Houve outro
contrato, de R$ 50 milhões, a ser pago em três vezes. Era dinheiro
direto no caixa da DNA – e não apenas uma comissão de agenciamento
convencional, como foi no caso da Visanet..
Pagaram-se as duas primeiras. A terceira não foi paga devido às denúncias de Roberto Jefferson que deflagraram o mensalão.
Apesar de constar em inquérito da Polícia Federal – fato confirmado
por policiais a Paulo Moreira Leite – jamais esse contrato de R$ 50
milhões fez parte da peça de acusação. Foi ignorado por Antônio
Fernando, por seu sucessor Roberto Gurgel e pelo relator Ministro
Joaquim Barbosa. Ignorando-o, livrou Dantas do inquérito. Livrando-o,
permitiu-lhe negociar sua saída da Brasil Telecom, ao preço de alguns
bilhões de reais.
AS GAMBIARRAS NO INQUÉRITO
Sem Dantas, como justificar os recursos que financiaram o mensalão?
Apelou-se para essa nonsense de considerar que a totalidade da verba
publicitária da Visanet (R$ 75 milhões) foi desviada. Havia comprovação
de pagamento de mídia, especialmente a grandes veículos de comunicação,
de eventos, mas tudo foi deixado de lado pelos PGRs e pelo relator
Barbosa.
Em todos os sentidos, Gurgel foi um continuador da obra de Antonio
Fernando. Pertencem ao mesmo grupo político – os “tuiuius” – que passou a
controlar o Ministério Público Federal. Ambos mantiveram sob estrito
controle todos os inquéritos envolvendo autoridades com foro
privilegiado.
Nas duas gestões, compartilhavam as decisões com uma única
subprocuradora – Cláudia Sampaio Marques, esposa de Gurgel. Dentre as
acusações de engavetamento de inquéritos, há pelos menos dois episódios
controvertidos, que jamais mereceram a atenção nem do Conselho Nacional
do Ministério Público (CNMP) nem da Associação Nacional dos Procuradores
da República (ANPR) – esta, também, dominada pelos “tuiuius”: os casos
do ex-senador Demóstenes Torres e do ex-governador do Distrito Federal
José Roberto Arruda.
Tanto na parte conduzida por Antonio Fernando, quanto na de Gurgel,
todas as decisões pareceram ter como objetivo esconder o banqueiro.
É o caso da “delação premiada” oferecida a Marcos Valério. O ponto
central – proposto na negociação – seria imputar a Lula a iniciativa das
negociações com a Portugal Telecom. Sendo bem sucedido, livraria Dantas
das suspeitas de ter sido o verdadeiro articulador das negociações. A
“delação premiada” não foi adiante porque, mesmo com toda sua
discricionariedade, Gurgel não tinha condições de oferecer o que Valério
queria: redução das penas em todas as condenações.
Quando iniciaram-se as investigações que culminaram na ação, Antônio
Fernando foi criticado por colegas por não ter proposto a delação
premiada a Marcos Valério. Acusaram-no de pretender blindar Lula. A
explicação dada na época é que não se iria avançar a ponto de derrubar o
presidente da República, pelas inevitáveis manifestações populares que a
decisão acarretaria. Pode ser. Mas, na verdade, na época, sua decisão
blindou Daniel Dantas, a quem Valério servia.
Agora, na proposta de “delação” aceita por Gurgel não entrava Dantas – a salvo dos processos – mas apenas Lula.
O inquérito dá margem a muitas interpretações, decisões, linhas de
investigação. Mas como explicar que TODAS as decisões, todas as análises
de provas tenham sido a favor do banqueiro?
OS MOTIVOS AINDA NÃO EXPLICADOS
Com o tempo aparecerão os motivos efetivos que levaram o Procurador
Geral Roberto Gurgel e o relator Joaquim Barbosa a endossar a posição de
Antonio Fernando e se tornarem também avalistas desse jogo.
Pode ter sido motivação política. Quando explodiu a Operação
Satiagraha – que acusou Daniel Dantas de corrupção -, Fernando Henrique
Cardoso comentou que tratava-se de uma “disputa pelo controle do
Estado”.
De fato, Dantas não é apenas o banqueiro ambicioso, mas representa
uma longa teia de interesses que passava pelo PT, sim, mas cujas
ligações mais fortes são com o PSDB de Fernando Henrique e
principalmente de José Serra.
Uma disputa pelo poder não poderia expor Dantas, porque aí se
revelaria a extensão de seus métodos e deixaria claro que práticas como
as do mensalão fazem parte dos (péssimos) usos e costumes da política
brasileira. E, se comprometesse também o principal partido da oposição,
como vencer a guerra pelo controle do Estado? Ou como justificar um
julgamento de exceção.
Vem daí a impressionante blindagem proposta pela mídia e pela
Justiça. É, também, o que pode explicar a postura de alguns Ministros do
STF, endossando amplamente a mudança de conduta do órgão no julgamento.
Outros se deixaram conduzir pelo espírito de manada. Nenhum deles
engrandece o Supremo.
Poderia haver outros motivos? Talvez. Climas de guerra santa, como o
que cercaram o episódio, abrem espaço para toda sorte de aventureirismo,
porque geram a solidariedade na guerra, garantindo a blindagem dos
principais personagens.
No caso de temas complexos – como os jurídicos – o formalismo e a
complexidade dos temas facilitam o uso da discricionariedade. Qualquer
suspeita a respeito do comportamento dos agentes pode ser debitada a uma
suposta campanha difamatória dos “inimigos”. E com a mídia
majoritariamente a favor, reduz a possibilidade de denúncias ou
escândalos sobre as posições pró-Dantas.
É o que explica os contratos de Antonio Fernando com a Brasil Telecom
jamais terem recebido a devida cobertura da mídia. Não foi denunciado
pelo PT, para não expor ainda mais suas ligações com o banqueiro. Foi
poupado pela mídia – que se alinhou pesadamente a Dantas. E foi blindado
amplamente pela ala Serra dentro do PSDB.
Com a anulação completa dos freios e contrapesos, Antonio Fernando viu-se à vontade para negociar com a Brasil Telecom.
De seu lado, todas as últimas atitudes de Gurgel de alguma forma vão
ao encontro dos interesses do banqueiro. Foi assim na tentativa de
convencer Valério a envolver Lula nos negócios com a Portugal Telecom. E
também na decisão recente de solicitar a quebra de sigilo do delegado
Protógenes Queiroz – que conduziu a Satiagraha – e do empresário Luiz
Roberto Demarco – bancado pela Telecom Itália para combater Dantas,
mudando completamente em relação à sua posição anterior.
A quebra do sigilo será relevante para colocar os pingos nos iis,
comprovar se houve de fato a compra de jornalistas e de policiais e,
caso tenha ocorrido, revelar os nomes ou interromper de vez esse jogo de
ameaças. Mas é evidente que o o resultado maior foi fortalecer as teses
de Dantas junto ao STF, de que a Satiagraha não passou de um
instrumento dos adversários comerciais. Foi um advogado de Dantas – o
ex-Procurador Geral Aristisdes Junqueira – quem convenceu Gurgel a mudar
de posição.
Com seu gesto, Gurgel coloca sob suspeitas os próprios procuradores
que atuaram não apenas na Satiagraha como na Operação Chacal, que
apurava envolvimento de Dantas com grampos ilegais.
Em seu parecer pela quebra do sigilo, Gurgel mencionou
insistentemente um inquérito italiano que teria apurado irregularidades
da Telecom Itália no Brasil. Na época da Satiagraha, dois procuradores
da República – Anamara Osório (que tocava a ação da Operação Chacal na
qual Dantas era acusado de espionagem) e Rodrigo De Grandis – diziam
claramente que a tentativa de inserir o relatório italiano nos processos
visava sua anulação. Referiam-se expressamente à tentativa do colunista
de Veja, Diogo Mainardi, de levar o inquérito ao juiz
do processo. Anamara acusou a defesa de Dantas de tentar ilegalmente
incluir o CD do relatório no processo.
Dizia a nota do MPF de São Paulo:
“Para as procuradoras brasileiras, a
denúncia na Itália é normal e só confirma o que já havia sido dito nos
autos inúmeras vezes pelo MPF que, a despeito dos crimes cometidos no
Brasil por Dantas e seus aliados e pela TIM, na Itália, “a investigação
privada parecia ser comum entre todos, acusados e seus adversários
comerciais”. Além disso, o MPF não pode se manifestar sobre uma
investigação em outro país, por não poder investigar no exterior, e
vice-versa.
Para o MPF, as alusões da defesa de que a
prova estaria “contaminada” não passam de “meras insinuações”, pois a
prova dos autos brasileiros foi colhida com autorização judicial para
interceptações telefônicas e telemáticas, bem como, busca e apreensão.
Tanto é assim que outro CD entregue à PF, em julho de 2004, por Angelo
Jannone, ex-diretor da TIM, também foi excluído dos autos como prova
após manifestação do MPF, atendendo pedido da defesa de Dantas”.
Agora, é o próprio PGR quem tenta colocar o inquérito no processo que
corre no Supremo e, automaticamente, colocando sob suspeição seus
próprios procuradores.E não se vê um movimento em defesa de seus membros
por parte da ANMP.
Quando a Satiagraha foi anulada no STJ (Superior Tribunal de
Justiça), o Ministério Público Federal recorreu, tanto em Brasília
quanto em São Paulo. Na cúpula, porém, Dantas conseguiu o feito inédito
de sensibilizar quatro dos mais expressivos nomes do Ministério Público
Federal pós-constituinte: os ex-procuradores gerais Antonio Fernando e
Aristides Junqueira (que ele contratou para atuar junto a Roberto
Gurgel), o atual PGR e o ex-procurador e atual presidente do STF Joaquim
Barbosa.
Levará algum tempo para que a poeira abaixe, a penumbra ceda e se
conheçam, em toda sua extensão, as razões objetivas que levaram a esse
alinhamento inédito em favor de Dantas.
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