Miguel do Rosário, 28/08/2013
Excelentíssimos ministros do Supremo Tribunal Federal, peço-lhes que,
pela primeira vez durante esse julgamento, leiam outra coisa que não as
invectivas previsíveis de um Merval Pereira e semelhantes, e dêem
atenção a uma opinião diferente sobre o julgamento da Ação Penal 470.
Tentarei ser breve. Os senhores estão cometendo um grave atentado
contra a democracia brasileira, e produzindo os primeiros presos
políticos da nossa redemocratização. E tudo porque? Para atender os
interesses dos mesmos grupos que apoiaram e sustentaram a ditadura
militar. E contra quem? Exatamente contra os mesmos que lutaram contra a
ditadura.
Mas não só isso. Todos os réus da Ação Penal 470 são inocentes dos
crimes principais que lhes são imputados: o uso de dinheiro público
(peculato), formação de quadrilha e compra de apoio político.
Não houve dinheiro público. Leiam o Regulamento do Fundo Visanet. Neste link,
vocês poderão ver as contradições gritantes da denúncia, o que lhes dá
um grande motivo para pedir vistas, analisar novamente o documento e
verificar que a classificação dos recursos do Visanet como “públicos”
foi um erro grosseiro. Todos os documentos provam o contrário. Não é
lícito a nenhum magistrado julgar à revelia do que dizem os autos.
Este erro será cobrado dos senhores. Não fiquem achando que terão a
proteção da mídia eternamente. Nós acompanhamos o julgamento. Nós vimos
os erros cometidos por vossas excelências. O regulamento da Visanet não é
citado no voto de nenhum juiz, o que é um absurdo, visto que se trata
do documento mais importante para se provar ou não o caráter público dos
recursos.
Outro motivo para vossas excelências pedirem visto é a existência do Inquérito 2474.
Vocês já o examinaram? Lá constam documentos que podem fornecer uma
série de esclarecimentos à Ação Penal 470, mas Joaquim Barbosa
astutamente o manteve em sigilo, inclusive de seus colegas juízes.
A Constituição Federal, no artigo 5, parágrafo 60, diz que “a lei só
poderá restringir a publicidade de atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem”.
A publicização do Inquérito 2474 não fere intimidade
de ninguém, nem interesse social; ao contrário, mantê-lo em sigilo é
que fere o interesse social, pois prejudicou enormemente o
esclarecimento da opinião pública sobre os acontecimentos.
Aliás, esse é um dos pontos mais sinistros do julgamento. Barbosa
escondeu documentos essenciais para que os ministros formassem juízos
corretos sobre a Ação Penal, como o Laudo 2828, que inocenta Henrique Pizzolato.
Tenho falado muito do Pizzolato, mas o caso de quase todos os réus é
parecido. Os publicitários da DNA, por exemplo. O que eles têm a ver com
as negociatas políticas do PT e demais legendas para quitarem suas
dívidas de campanha e fecharem acordos de governabilidade? Qual o
interesse de publicitários de sucesso em pagar deputados para aprovar a
reforma da previdência? Não tem sentido, é ridículo. O que secretárias
subalternas do Banco Rural tem a ver com os acordos políticos para
aprovar reformas no Congresso?
E no entanto, o STF está condenando esses réus a muitos anos de prisão.
Mesmo Marcos Valério, qual o sentido em condená-lo a mais de 40 anos? Por que ele ajudou a pagar dívidas do PT? Não tem sentido.
Ninguém é santo nesta vida, quanto mais nas altas esferas da
publicidade e da política, mas uma condenação criminal deve se balisar
estritamente nos autos.
Não tem sentido condenar réus apenas para jogar para platéia e
cumprir a profecia vendida pela mídia de que “poderosos” finalmente
estão indo presos. Há tempos que isso vem acontecendo no Brasil. Daniel
Dantas foi condenado. Ah, mas o STF anulou a Satiagraha… Querem prender
poderosos? Cadê o Demóstenes Torres e o ex-governador José Arruda?
Não se curvem à pressão da mídia. Não se curvem à truculência e
desonestidade de Joaquim Barbosa. O atual presidente do STF é um juiz
suspeito, porque sobre ele incorre o que diz o Código do Processo Penal,
artigo 254:
O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
(…) V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes.
Barbosa é devedor a uma das partes, a Globo, principal agente de
acusação, porque a Globo (sem falar na Veja) tem trabalhado com afinco
para criar uma imagem de herói para o relator, pavimentando-lhe uma
promissora carreira política.
E já que citamos a lei, lembrem-se do artigo 5, capítulo 37 da Constituição Federal:
Não haverá juízo ou tribunal de exceção.
Quando analisarem o caso de Pizzolato, tenham a decência de
considerarem os autos. A única prova contra Pizzolato é sua assinatura
em três pareceres do Banco do Brasil, onde outros funcionários também
assinaram, sendo que ele ainda é acusado por um quarto documento, que
não assinou. Ele é totalmente inocente da acusação. Mas se a “pressão”
dos poderosos, sim dos verdadeiros poderosos aos quais vocês se curvam,
não vos permitirem absolvê-lo de vez, mudem sua condenação de “peculato
doloso” para “culposo”, visto que o principal responsável pelos recursos
Visanet era Leo Batista. Ele era o gestor do Fundo Visanet.
Mesmo ciente das exíguas chances de mudar o curso deste julgamento,
eu ainda apelo ao bom senso dos senhores. Se condenarem inocentes, isso
não quer dizer que a história termina aqui. Ao contrário, terá início
uma nova etapa. Uma injustiça estará consolidada e sacramentada pela
mais alta corte do país. Uma denúncia inepta, cheia de erros, seguida de
um debate tosco, repleto de inverdades, conduzido sob uma pressão
jamais vista da grande mídia, resultou em condenações incorretas. Não
foi feita justiça.
Se o saber jurídico de vossas excelências não é um mero arquivo frio e
inútil de citações e teorias, se persiste em vossas almas algum
resquício do autêntico e profundo amor pela justiça, pela verdade, pelo
direito sagrado do homem à liberdade, então os senhores sabem que nada
termina aqui. A história é um monstro que anda para trás, e sua
principal diversão é devorar os covardes que um dia posaram de heróis.
Vossas excelências, se não reagirem com a altivez necessária à
truculência de Joaquim Barbosa e à pusilanimidade disfarçada de
tecnicismo (um tecnicismo vazio e fingido) de todos os juízes, serão
eternamente assombrados pelos valores que traíram. O inferno dantesco
está cheio de juízes corruptos e covardes.
Mas não é de Dante que eu lembro ao deixar um recado final a tão
eminentes juízes, e sim de Shakespeare. Vossas excelências, qual o
poderoso e cruel Macbeth, imaginam-se protegidas numa fortaleza
inexpugnável, e parecem zombar das advertências que o país tem
sussurrado há tempos em vossos magníficos ouvidos.
Qual o espírito invocado pelas feiticeiras, o país tem lhes dito: “Sê
sanguinário, atrevido e resoluto (…). Ninguém fará mal a Macbeth. Sê
forte, orgulhoso, como se fosses feito de aço; não faças caso dos que se
irritarem ou agitarem, assim como dos conspiradores. Macbeth nunca será
vencido, até que o grande bosque de Birnam se levante contra ele na
alta colina de Dunsiname”.
Pois é, Macbeth se riu da profecia; como poderia imaginar que um
bosque se moveria até ele? Mas quando chegou a hora, os inimigos se
disfarçaram de bosque carregando árvores, e Macbeth foi vencido. O
bosque de Birnam, senhores magistrados, é a história. Não adiantará
fugir dela. Ela se moverá até vossas excelências, e cobrará muito caro a
conta de vossa submissão ao arbítrio.
Pizzolato, Genoíno, Dirceu, os publicitários, as secretárias, serão
presos políticos, serão mártires de um processo de inquisição política.
Tudo mudará após essa condenação, mas de uma maneira muito diferente do
que imaginam os que hoje se acham vencedores. Merval Pereira e
Sardenberg talvez saboreiem um vinho bastante caro, mas a ressaca que
sentirão mais tarde será terrível. Será a ressaca dos traidores da
democracia.
Faremos desse episódio uma lição política para reduzir de uma vez por
todas o poder dessa instituição que desde sempre é uma anomalia
democrática. Segundo Robert Dahl, maior cientista político vivo dos EUA,
as cortes supremas não são instituições democráticas, mas garantidoras
externas da democracia. Mas se nem isso elas são mais, se o STF se torna
um instrumento das minorias econômicas para violar a soberania e os
valores democráticos, como aconteceu em Honduras e agora vemos acontecer
no Brasil, então ele não faz mais sentido. Tem de ser substituído por
uma alta comissão pertencente ao próprio Legislativo, cujo poder
descenda diretamente do sufrágio universal. Os altos valores
democráticos que sustentam o espírito da nossa Constituição não poderão
mais suportar a existência de uma instituição adversária dos mesmos
valores, além de insuportavelmente vulnerável às chantagens e seduções
dos holofotes e do poder econômico!
Encerro com a livre tradução, de minha própria lavra, de um poema de
Yeats, que dedico ao amigo Henrique Pizzolato, cuja vida e honra foram
achincalhados para atender interesses escusos dos verdadeiros bandidos
deste país:
A desgraça de um amigo
Sua desgraça me trouxe este
pensamento, na seguinte proporção:
por que eu deveria me aborrecer
mesmo que o planeta inteiro se consuma
em chamas, como um fósforo,
agora que eu vi o mundo
esmagar a honra de um homem?
pensamento, na seguinte proporção:
por que eu deveria me aborrecer
mesmo que o planeta inteiro se consuma
em chamas, como um fósforo,
agora que eu vi o mundo
esmagar a honra de um homem?
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