Barbosa não responde a perguntas sobre o inquérito 2474. O
ministro Joaquim Barbosa, relator da AP 470, e Antônio Fernando de
Souza, ex-procurador-geral da República, faltaram com a verdade?
Na quarta-feira 14, o Supremo Tribunal
Federal (STF) deu continuidade ao julgamento da Ação Penal 470 (AP 470),
o chamado mensalão.
Na segunda passada, o Viomundo
encaminhou, via assessoria de imprensa, quatro perguntas ao ministro
Joaquim Barbosa, presidente do STF e relator da AP 470. Todas sobre o
misterioso inquérito 2474, mantido em segredo absoluto de justiça há
seis anos e cinco meses:
1. O inquérito 2474 foi aberto em março de 2007 e desde então está em segredo de Justiça. Por quê?
2. Há dias, saiu na imprensa, que o
senhor teria dito que nenhum inquérito ficaria em segredo de justiça no
STF. Por que mesmo assim o 2474 continua em segredo de justiça?
3. Um dos condenados [na verdade, são
dois] na AP 470 solicitou acesso ao inquérito 2474, o ministro negou,
alegando que não tinha nada a ver com o mensalão. Só que o laudo
2828/2006, do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal
(PF), foi para o inquérito 2474 e não para o 2245, que deu origem à AP
470. Isso não é indício de que o inquérito 2474 tem a ver também com o
chamado mensalão?
4. Por que o 2828/2006 foi parar depois na AP 470 sem ter passado pelo inquérito 2245?
No dia 7, a solicitação foi reiterada.
No dia 9, fiz várias ligações para a chefe da assessoria de imprensa,
que estava “em reunião”, depois “em curso”. Nessa segunda-feira 12,
voltei a insistir. Até hoje, 15 de agosto, nem ministro nem a assessoria
de imprensa deram qualquer resposta ao Viomundo.
COMO NASCEU O INQUÉRITO 2474, O “GAVETÃO” PARALELO DO 2245
O inquérito 2474 existe. Basta consultar o site do STF e, na coluna Jurisprudência, buscar Inq2474.
Mas muito pouco se sabe sobre ele (aqui e aqui).
O ministro Joaquim Barbosa, seu relator até julho de 2013, decretou
segredo de justiça tão logo o criou, em março de 2007. O ministro Luiz
Roberto Barroso assumiu a sua relatoria em 1º de agosto.
Consequentemente, há várias especulações sobre o que motivou realmente Barbosa a manter o inquérito 2474 em sigilo:
* Conteria documentos que mostrariam que
a DNA propaganda, de Marcos Valério, teria pago à empresa Tom Brasil,
com recursos da Visanet, R$ 2,5 milhões. Em 2010, a Tom Brasil
contratou Felipe Barbosa, filho de Joaquim Barbosa, para assessor de
imprensa da casa de shows Vivo, no Rio de Janeiro, revelaram a Rede Brasil Atual e O Cafezinho, de Miguel do Rosário. Mais recentemente Felipe foi contratado para trabalhar no programa de Luciano Huck, na Globo.
* Lá também estaria o documento que
demonstraria que o Banco Rural, cujos ex-diretores foram condenados por
fazer empréstimos ao Partido dos Trabalhadores (PT), teria feito
empréstimo semelhante à Globo.
* Abrigaria o laudo 2828/2006 da Polícia
Federal que contradiz a denúncia apresentada ao STF pelo então
procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e aceita por
Barbosa, contra alguns dos 40 denunciados no mensalão.
* Novas provas produzidas pela PF e
anexadas ao inquérito 2474 refutariam a denúncia contra os “40
mensaleiros” sobre fatos que constariam da AP 470.
Não é à toa que o 2474 ganhou o apelido
de “gavetão”. Mais precisamente o “gavetão” paralelo do inquérito 2245,
que deu origem à Ação Penal 470.
Explico:
* Em julho de 2005, o Congresso instalou
a CPI dos Correios, para apurar denúncias de recebimento de propina por
funcionário dos Correios, ligado ao então deputado federal Roberto
Jefferson (PTB-RJ). A partir da entrevista- denúncia de Roberto
Jefferson à Folha de S. Paulo, em 6 de junho de 2005, a CPI dos Correios acabou desembocando no mensalão.
* Já nessa época a Polícia Federal começou a investigar o caso.
*Ainda em julho de 2005, o STF abriu o inquérito 2245, o do mensalão. O ministro Joaquim Barbosa foi sorteado como relator.
* A CPI dos Correios teve dois
relatórios. O preliminar, divulgado em 20 de março de 2006, que indicou o
indiciamento de 126 pessoas. O final, publicado em 6 de abril de 2006.
Estranhamente o procurador-geral não
esperou que ficassem prontos o relatório final da CPI, assim como
investigações da Polícia Federal que estavam em andamento e eram mais
amplas, pois envolviam muitas outras pessoas e empresas.
Em 30 de março, ele concluiu que 40
indiciados eram culpados – número provavelmente escolhido para associar o
“mensalão” à fábula de Ali Babá — , e denunciou-os ao STF.
* Em 9 outubro de 2006, Antônio Fernando
pede a Barbosa que “o procedimento [material de investigação da PF]
que contém atos probatórios posteriores à denúncia [feita por ele em 30
de março de 2006 ao STF] seja autuado em separado e receba nova
numeração”.
Antônio Fernando alega que colocar no
mesmo inquérito, o 2245, documentos que embasaram a denúncia e aqueles
resultantes da investigação que prosseguia, “a par de gerar confusão,
pode motivar eventual questionamento quanto à validade dos atos
investigatórios posteriores à denúncia”.
* No dia seguinte, 10 de outubro de 2006, Barbosa aceitou o pedido de Antônio Fernando.
Em português claro: o procurador
pleiteou e o ministro-relator aceitou que as provas sobre o mensalão,
produzidas após a denúncia ao STF, não deveriam ir para o inquérito
2245, mas para um novo.
Nascia aí o misterioso inquérito 2474.
Em 6 de março de 2007, foi distribuído a Joaquim Barbosa, que passou a
ser o seu relator e o inquérito até hoje permanece sob segredo de
Justiça.
LAUDO DA PF REVELA QUE O GESTOR DO VISANET NÃO ERA PIZZOLATO
Até 31 de outubro de 2012, o inquérito 2474 era desconhecido até dos advogados dos acusados no mensalão.
Ele só veio a público em 31 de outubro de 2012, a partir de matéria dos repórteres Matheus Leitão e Flávio Ferreira, da Folha de S. Paulo,
sobre o caso de Cláudio de Castro Vasconcelos, que foi
gerente-executivo de Propaganda e Marketing do Banco do Brasil até 2005.
Cláudio, relembramos, é um dos quatro
executivos do Banco do Brasil, que tiveram indicação de indiciamento
solicitado pela CPI dos Correios.
O procurador-geral mandou o processo
contra Cláudio para a primeira instância. O inquérito foi aberto em
agosto de 2006, na 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília, por
iniciativa de Antônio Fernando. O procurador que atua no caso, segredo
de justiça, é José Robalinho Cavalcanti.
Outros dois executivos do Banco do
Brasil indicados pela CPI para indiciamento foram: Fernando Barbosa de
Oliveira, diretor de Varejo, que fazia parte do Conselho de
Administração da Visanet; e Douglas Macedo, gerente-executivo da
Diretoria de Varejo, que também integrava o Conselho da Visanet. Não se
tem notícia de qualquer procedimento tomado pelo procurador-geral a
respeito de ambos.
O quarto executivo do BB que teve
indiciamento pedido pela CPI é Henrique Pizzolato, diretor de marketing
de 17 de fevereiro de 2003 a julho de 2005.
O procurador-geral denunciou-o ao STF, que o condenou.
Detalhe 1: A Polícia Federal,
como dissemos um pouco atrás, começou a investigar o mensalão em julho
de 2005. Em dezembro, a PF deu início às diligências na Visanet, que se
negava a fornecer informações. Diante disso, o procurador-geral da
República, em 14 de junho de 2006, solicitou a Joaquim Barbosa um
mandado de busca e apreensão na empresa. O ministro deferiu o mandado.
Entre outras medidas, os peritos da PF
realizaram uma avaliação das relações comerciais e procedimentos
contábeis envolvendo a DNA, o Fundo de Incentivos Visanet e o Banco do
Brasil. E, aí, responderam dez perguntas do ministro-relator.
O laudo, feito pelo Instituto Nacional
de Criminalística da Polícia Federal e concluído em 20 de dezembro de
2006, recebeu o número 2828/2006. Ele tem 43 páginas e avalia de 2001 a
2005.
Detalhe 2: Nas últimas páginas
do laudo, os peritos responderam os dez quesitos de Joaquim Barbosa. O
segundo era este: A quem competia fazer o gerenciamento do Fundo de
IncentivoVisanet, repassado à DNA?
Resposta dos peritos. De 1 de junho de
2001 a 19 de agosto de 2002, o gestor era Leandro José Machado. E de 19
de agosto de 2002 a 19 de abril de 2005, Léo Batista dos Santos, que era
também funcionário da diretoria de Varejo do BB. Foi nomeado pelo
diretor de Varejo do BB à época, Fernando Barbosa, para ser o gestor.
Léo Batista sequer foi indiciado no relatório final da CPI dos Correios.
Ou seja, ao contrário do que diz a
denúncia do procurador-geral da República ao MPF, Pizzolato,
comprovadamente, nunca foi gestor do Fundo de Incentivo Visanet (Fundo
de marketing).
Essa e outras provas colhidas após 30 de
março de 2006, quando foi feita a denúncia ao STF, foram colocadas por
Antônio Fernando e Joaquim Barbosa no inquérito paralelo, o 2474,
revelou a jornalista Maria Inês Nassif, em reportagem publicada no GGN e em Carta Maior e que reproduzimos.
“Pelo menos uma delas, o laudo de número 2828, do Instituto de
Criminalística da Polícia Federal, teria o poder de inocentar
Pizzolato”, observa Maria Inês.
– Se o laudo 2828 poderia absolver Pizzolato, o que aconteceu?
Na prática, Barbosa e Joaquim esconderam-no no secreto 2474, ao qual ninguém tinha acesso.
A cronologia dos fatos levanta indícios de que a operação-esconde pode ter sido proposital. Acompanhe:
* Em 20 de dezembro de 2006, como dissemos há pouco, a PF concluiu o laudo 2828/2006.
* Entre 22 e 28 de agosto de 2007, o STF julgou a aceitação da denúncia contra os 40 acusados.
* Em 9 de novembro de 2007, o acórdão foi publicado no Diário Oficial da União.
* Em 12 de novembro de 2007, o inquérito 2245 foi convertido na Ação Penal 470.
* Em 14 de novembro 2007, curiosamente, o laudo 2828/2006 foi juntado na AP 470, encaminhado por Antônio Fernando.
Ou seja:
1. O laudo 2828, que poderia provar a
inocência de alguns réus, só apareceu dois dias após o acórdão do
inquérito 2245 ter sido publicado e virado a Ação Penal 470. Aí, Inês
era morta.
2.Se o laudo 2828 tivesse ido para o
inquérito 2245, todos os advogados teriam acesso, inclusive o de
Pizzolato, para fazer a defesa com base em dados reais, e não em
achismos. Na prática, acabou cerceando o direito de defesa de alguns
condenados no julgamento da AP 470.
– Mas, afinal, onde esteve o laudo 2828 entre 20 de dezembro de 2006 e 12 de novembro de 2007?
No inquérito 2474, até hoje sob segredo de Justiça!!!
“Nós só descobrimos o paradeiro do laudo
2828 quando tivemos acesso ao processo de Cláudio Vasconcelos na 12ª
Vara da Justiça Federal, em Brasília”, revela Marthius Sávio Lobato,
advogado de Pizzolato. “Isso aconteceu apenas em 25 de abril de 2013!!!”
O delegado da Polícia Federal Eduardo de
Melo Gama, que investigava Cláudio, solicitou ao procurador-geral da
República o laudo sobre investigação do Fundo Visanet.
Em 10 de maio de 2007, Antônio Fernando
requisitou-o a Joaquim Barbosa. Também pediu que o ministro encaminhasse
uma cópia do laudo 2828 ao delegado da PF.
Em 15 de junho de 2007, o ministro deferiu as duas demandas.
Atente bem aos dois documentos acima. Eles dizem respeito ao sigiloso inquérito 2474 e demonstram que:
1. O mesmo laudo 2828/2006 foi usado tanto no processo de Cláudio Vasconcelos quanto na Ação Penal 470.
2. A solicitação do procurador-geral e a
concordância do ministro-relator ocorreram antes da aceitação pelo STF
da denúncia “dos 40 mensaleiros”, em agosto de 2007.
3. Barbosa e Antônio Fernando já tinham conhecimento do laudo 2828/2006 antes de agosto de 2007.
4. O procurador-geral e o ministro-relator violaram o direito de ampla defesa dos réus relacionados com a Visanet.
Especificamente, no caso de Pizzolato, o
laudo 2828 derrubava a acusação de que ele era responsável pelo
gerenciamento do Fundo Visanet.
ANTÔNIO FERNANDO E JOAQUIM BARBOSA FALTARAM COM A VERDADE?
Aliás, Henrique Pizzolato e Luiz
Gushiken, que era secretário de Comunicação Social do 1º governo Lula,
não são mencionados em nenhum momento no laudo 2828. Também não existe
nenhum documento assinado enviado ou recebido por Pizzolato à Visanet.
Só que no apenso 142 da Ação Penal 470,
Antônio Fernando, em documento a Joaquim Barbosa, diz o que o laudo 2828
não diz: que ele confirmava a denúncia de que Pizzolato e Gushiken
beneficiaram a DNA. Gushiken acabou absolvido.
Em 2011, Breno Fischberg e Enivaldo Quadrado, também condenados na Ação Penal 470, pediram vistas ao inquérito 2474.
Joaquim Barbosa negou, alegando: “os
dados constantes do presente inquérito (2474) não serão utilizados na
análise dos fatos objeto da AP 470,… não havendo, portanto, qualquer
cerceamento do direito de defesa nos autos daquela ação penal (470)”
Ao julgar essa demanda, o ministro
Joaquim Barbosa deve ter sofrido “amnésia” transitória. A prova cabal
de que o inquérito 2474 tem a ver com a Ação Penal 470 é o laudo
2828/2006, da Polícia Federal.
Barbosa menciona-o no 2474, usa-o no
julgamento da Ação Penal para condenar, por exemplo, Pizzolato e depois
diz na sua decisão que os fatos apurados são diversos daqueles narrados
na AP 470?
Por que o procurador-geral, contrariando
o laudo da Polícia Federal, que não apontava nenhum relacionamento de
Pizzolato com a Visanet, “escolheu-o” para acusar?
Por que o procurador-geral, assim como
Joaquim Barbosa e outros ministros do STF, citaram trechos do laudo
2828, imputando a Pizzolato atos e procedimentos referentes ao período
anterior ao dele como diretor de Marketing do Banco do Brasil?
A propósito, reitero mais uma vez ao ministro Joaquim Barbosa que responda ao Viomundo:
1. Por que o inquérito 2474 está desde março de 2007 em segredo de Justiça?
2. Por que mesmo o o senhor tendo
dito na imprensa que nenhum inquérito ficaria em segredo de justiça no
STF o 2474 continua em segredo de justiça?
3. O senhor negou a dois réus da
AP 470 o acesso ao inquérito 2474, alegando que não tinha nada a ver com
o mensalão. O laudo 2828/2006, da PF) ter ido para o inquérito 2474 e
não para o 2245, não é indício de que ele tem a ver também como o
chamado mensalão?
4. Por que o 2828/2006 foi parar depois na AP 470 sem ter passado pelo inquérito 2245?
Considerando-se que o inquérito 2474 é tão cercado de mistérios, uma quinta pergunta me veio à cabeça agora.
Como não se tem notícia de qualquer
procedimento tomado pelo procurador-geral da República a respeito de
Fernando Barbosa e Douglas Macedo, será que estariam sendo investigados
no 2474?
Na época, além de serem,
respectivamente, diretor e gerente-executivo da diretoria de Varejo do
Banco do Brasil, eram conselheiros do Fundo Visanet, assinaram as notas
técnicas que condenaram Pizzolato. Fernando nomeou o gestor do Banco do
Brasil no Fundo Visanet, Léo Batista dos Santos, que era subordinado a
ele. Douglas também assinava documentos de solicitação de pagamento da
Visanet para a DNA. Isso sem falar que o laudo 2828/2006, da Polícia
Federal, menciona ambos.
Tudo isso o então procurador-geral da
República não “viu”. Aliás, Antônio Fernando de Souza não “enxergou” os
funcionários do BB mencionados no laudo 2828. Mas conseguiu “ver” duas
pessoas que NÃO foram citadas no laudo 2828/2006: Pizzolato e Gushiken.
Por quê?
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