Tarso Freire, 02/05/14
Imaginemos uma Suprema Corte que possuísse
a nobre missão de interpretar a Constituição Federal que fora escrita por membros
de um Congresso especialmente eleito. Haveria maneira de uma tão importante
instituição para o país ser de alguma forma desmoralizada?
Se um juiz da Suprema Corte
estivesse em licença do trabalho devido a problemas de saúde e fosse visto
sistematicamente em barzinhos da cidade, não estaria ele tentando desmoralizar
a Suprema Corte?
E se um juiz, para ser escolhido
à Suprema Corte, afirmasse categoricamente que ‘mataria um processo no peito’ e
depois publicasse o seu modus operandi
no jornal, se vangloriando de sua esperteza, ele não estaria querendo
desmoralizar a Suprema Corte?
E se uma juíza da Suprema Corte
dissesse que não tinha provas contra um réu, mas que iria condená-lo assim
mesmo porque a literatura jurídica lhe permitia? Claro, ela estaria equivocada
porque, na dúvida, a liberdade de uma pessoa é mais importante do que a
literatura jurídica. Entretanto, se ela condenasse sem provas, a Sra. Ministra não
estaria desmoralizando a Suprema Corte?
Se um juiz da Suprema Corte, após
se aposentar, virasse advogado de um banqueiro cujo nome misteriosamente
desaparecera de um processo cujo julgamento fora divulgado ad nauseum e que condenou pessoas com a esdrúxula teoria do domínio
do fato, não estaria ele contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?
E se um Advogado Geral da União
fizesse contratos entre o seu instituto de ensino e a AGU para ministrar cursos aos
seus funcionários, ganhando como sócio e como professor, e se esse advogado
fosse alçado ao cargo de juiz da Suprema Corte, esta não seria uma atitude que
desmoralizaria de morte a Suprema Corte?
E se o mesmo juiz da Suprema
Corte após alguns anos fizesse um contrato de milhões de reais, sem licitação,
para a sua instituição de ensino ministrar cursos para um tribunal estadual,
não poderíamos imaginar que ele estaria querendo desmoralizar a Suprema Corte?
E se um juiz da Suprema Corte exagerasse
deliberadamente as penas dos réus para evitar a prescrição e colocá-los em
regime fechado (suponhamos que ele dissesse algo como “foi feito para isso sim,
oras!”) não estaria ele contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?
E se um juiz da Suprema Corte,
revoltado com a derrota numa votação, acusasse seus pares de ser maioria de
circunstância formada sob medida, não seria uma forma de tentar desmoralizar a
Suprema Corte?
E se um juiz da Suprema Corte abrisse
uma empresa pessoa jurídica na Flórida e a colocasse sediada num apartamento
funcional do judiciário – e se isso fosse expressamente proibido por lei – não estaria
ele ajudando a desmoralizar a Suprema Corte?
Se um juiz da Suprema Corte comprasse
um apartamento em Miami por U$ 1 milhão alegando pagar apenas dez ou vinte dólares,
sabe-se lá Deus o porquê, isso não poderia desmoralizar a Suprema Corte?
E se um juiz da Suprema Corte
participasse de jantares especialmente oferecidos por advogados famosos que
possuem processos tramitando no tribunal, não estaria contribuindo para
desmoralizar a Suprema Corte?
E se um juiz da Suprema Corte fizesse
uma reforma no banheiro do seu apartamento, com dinheiro público, no valor de
90 mil reais? Além de ser um acinte e um deboche, tal atitude não contribuiria
com a desmoralização da Suprema Corte?
E se o mesmo juiz do banheiro
precioso mandasse o jornalista que descobriu e noticiou a rica reforma
chafurdar no lixo... ele não estaria desmoralizando a Suprema Corte?
Imaginemos ainda que um juiz da Suprema
Corte fizesse uma viagem ao exterior e pagasse com recursos públicos a passagem
para uma jornalista de uma empresa privada (na qual o filho trabalhasse) para
fazer a cobertura das suas peripécias além fronteiras. Não seria essa a atitude
de quem estivesse querendo desmoralizar a Suprema Corte?
E se um juiz da Suprema Corte solicitasse
e recebesse diárias estando de férias na Europa, e após ser denunciado, inventasse
uma agenda humorística? Este juiz não estaria querendo desmoralizar a Suprema
Corte?
E não há forma mais contundente
de se desmoralizar um tribunal do que se cometer uma injustiça. Se um juiz da Suprema
Corte escondesse sorrateiramente um laudo que ajudaria provar a inocência de um
réu ele não estaria desmoralizando irremediavelmente a Suprema Corte?
Se existissem tais juízes – que
no futuro não passariam de nota de rodapé borrada da história – certamente eles
poderiam contribuir com suas palavras, atitudes e omissões para a
desmoralização definitiva da Suprema Corte do seu país.
E uma questão final: Será que a
verdade é mesmo uma quimera?
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