Lincoln Secco maio/2013
J´Accuse! (“Eu acuso!”) Com uma carta aberta que encimava
esse título o escritor francês Émile Zola rompeu uma cortina de falsas
acusações e defendeu o capitão Dreyfuss no dia 13 de janeiro de 1898.
Outras são as circunstâncias e os personagens. Ainda assim, exige-se
alguma coragem intelectual para que um jornalista da grande imprensa
assuma uma visão independente dos fatos atuais.
Paulo Moreira Leite deve
ter sido chamado de louco por agir com honestidade diante do assim
chamado mensalão. A própria palavra, que o autor não deixa de empregar
no título de seu livro, A Outra História do Mensalão, já denuncia uma esmagadora vitória simbólica de parte da grande imprensa contra o Partido dos Trabalhadores.
O vocábulo “pegou” e se
tornou inescapável. Assim como a ideia estapafúrdia de que se trata do
“maior escândalo de corrupção da história”. Os títulos de dois livros
claramente favoráveis à versão oposicionista dos acontecimentos são
reveladores: Merval Pereira fez publicar Mensalão: o Dia a Dia do Mais Importante Julgamento da História Política do Brasil (Editora Record) e o historiador Marco Antonio Villa escreveu Mensalão: o Julgamento do Maior Caso de Corrupção da História Política Brasileira (Editora Leya).
Paulo Moreira Leite, ex-jornalista da revista Época,
não embarcou nessa nau de bandeira tucana e lanterna na popa. Reunião
de artigos escritos no calor da hora, com estilo direto, centrado no
leitor e pleno de exemplos simples que facilitam a compreensão dos
acontecimentos, seu livro não é nenhuma defesa do PT e dos acusados na
Ação Penal 470, e sim uma investigação jornalística isenta que sugere
indícios da grande orquestração em que o Supremo Tribunal Federal se
baseou para decretar suas injustas sentenças.
Basicamente, segundo a
apuração do autor, a compra de votos que o PT teria feito não foi
comprovada com casos concretos; o desvio de recursos públicos não foi
verificado pelas auditorias contábeis; os empréstimos do PT assinados
por José Genoino foram considerados autênticos pela Polícia Federal; as
centenas de páginas do inquérito da Polícia Federal não apontam José
Dirceu como chefe de nada, muito menos de alguma quadrilha criminosa; as
sentenças foram no mínimo exageradas; e os acusados tiveram reduzido
seu direito à defesa. Argumentos semelhantes poderiam ser invocados a
favor de Henrique Pizzolato, João Paulo Cunha e vários outros
condenados.
Mesmo a ideia vendida pela
maior parte da imprensa de que poderosos estariam sendo condenados pela
primeira vez cai por terra. Em que os dirigentes petistas condenados
eram poderosos se comparados com os reais donos do poder econômico no
Brasil? O sigilo fiscal e bancário de José Dirceu foi quebrado várias
vezes e nada se encontrou de irregular.
A tese central da compra
de votos não resiste à simples lógica banal da política. Afinal, por que
o PT precisaria comprar votos para a reforma da Previdência, por
exemplo, se esta não constava de seu programa histórico e ainda tinha
apoio de muitos deputados oposicionistas, como revela o autor?
A verdade é que o sucesso
eleitoral de um partido de origens operária e socialista em 2002 causou
pânico nas oposições. A moderação assumida na Carta ao Povo Brasileiro
não acalmou os adversários políticos, antes os alarmou. Sofreram com a
hipótese de não inviabilizar a sustentação social e eleitoral do
governo. Em 2005, diante da perspectiva de reeleição de Lula, a oposição
finalmente reencontrou seu leito histórico: a linguagem chula do
moralismo preconceituoso. Assim, deu o primeiro passo na trilha das
denúncias ampliadas convenientemente pelos seus aliados da grande
imprensa. O golpe abalou a imagem do PT, mas não impediu suas sucessivas
vitórias desde 2006.
O segundo passo da
oposição foi buscar apoio no Supremo Tribunal Federal. O leitor desse
livro compreenderá definitivamente que as acusações contra o PT foram
uma reação termidoriana, como a qualificou Paulo Moreira Leite, feita
fora das urnas por aqueles que foram derrotados pelo voto.
Quando um ex-ministro do
STF denunciou um “projeto de poder de continuísmo” por parte do PT,
talvez tivesse cometido um ato falho, pois oficialmente não era o
partido que estava em julgamento. No entanto, estava! O corolário da
fala do ministro é que a alternância no poder é necessária. Mas o PT só
continua no poder porque é eleito. A Suécia não é uma ditadura por ser
governada há decênios pela social-democracia. No presidencialismo a
rotatividade deve ser da pessoa, para que ela não personalize demais o
poder, mas não do partido.
Doravante, a luta da
oposição fluirá pela ilusão do conflito entre poderes. Por enquanto a
grande imprensa acusa o velho Congresso Nacional, o mesmo que foi
aplaudido ao cassar o mandato de José Dirceu, por ainda não ter cassado
José Genoíno e João Paulo Cunha simplesmente por seguir o artigo 55 da
Constituição, cuja redação é tão explícita que causa espanto que
ministros do STF tenham solicitado ao Congresso o contrário do que diz a
lei.
E a história não para.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Eleitoral aprovou as contas do PT
de 2003, sob reclamação da imprensa. É que, como diz Paulo Moreira
Leite, a oposição e parte da imprensa se confundem.
Lincoln Secco é membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate e autor de A História do PT (Ateliê, 2012)
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