27 de julho de 2013
Uma das páginas mais vergonhosas da história jurídica brasileira foi escrita ontem pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Gurgel pediu ao Supremo Tribunal Federal o arquivamento do processo movido em Brasília em outubro de 2010 por Marco Paulo dos Santos contra o juiz Ari Pargendler, então presidente do STJ.
Marco era estagiário do STJ. No dia 19 de outubro de 2010, ele esperava para sacar
Pargendler fazia uma operação no mesmo local. O estagiário contou que estava atrás da faixa pintada no chão, que estabelecia a distância entre um usuário e outro.
O relato foi confirmado por duas testemunhas.
Segundo Marco, que é evangélico, Pargendler lhe disse: ”Quer sair daqui que eu estou fazendo uma transação pessoal?” Marco afirma ter respondido: “Senhor, eu estou atrás da faixa de espera”.
Sempre segundo Marco, o ministro disse para ele se dirigir a outro caixa. Mas somente naquele caixa ele podia fazer a operação desejada.
Aí veio a pior parte.
“Eu sou Ari Pargendler, presidente do STJ, e você está demitido”, disse o magistrado. O estagiário contou que Pargendler perguntou o nome dele e arrancou o crachá que estava em seu pescoço.
Essa história ficou associada inapelavelmente à biografia de Pargendler. Você põe seu nome no Google e lá vem o caso.
Mas, juridicamente, não deu em nada. Evangélico, Marco comentou a interminável demora com que o processo se moveu da seguinte forma: “Isso está nas mãos de Deus.”
Houve racismo? Você deduz. Marco é negro.
Logo depois o caso foi encaminhado à Procuradoria Geral, e entraria em cena Gurgel.
De acordo com seu parecer, Pargendler puxou o crachá apenas para ver o nome do estagiário.
“Pelo que se extrai das declarações do noticiante (o estagiário), a conduta do magistrado de puxar o crachá em seu pescoço não teve por objetivo feri-lo ou humilhá-lo, mas apenas o de conhecer a sua identificação”, afirmou Gurgel num parecer encaminhado ao Supremo nesta quinta-feira.
Para Gurgel, Pargendler não ofendeu o estagiário. “No caso, do próprio relato feito pelo noticiante não se extrai da conduta do magistrado a intenção de ofendê-lo de qualquer modo, tendo agido movido pelo sentimento de que o noticiante encontrava-se excessivamente próximo, não mantendo a distância necessária à preservação do sigilo da operação bancária que realizava”, escreveu Gurgel.
Para ele, o fato de Pargendler ter demitido o estagiário em razão do episódio “não alcança relevância penal”.
O processo estava com Gurgel desde dezembro de 2010 sem que ele fizesse nada. Havia câmeras de segurança próximas ao caixa, que poderiam ajudar a esclarecer o incidente, mas as imagens não foram requisitadas.
Parjendler não desrespeitou apenas o estagiário. Insultou o Código de Ética dos Magistrados.
Veja o que dizem os artigos 15 e 16 do código: “A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.”
“O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.”
Dignificar a função.
Bem, pausa para riso.
O processo ainda será examinado pelo STF, mas o arquivamento é dado como certo.
Pargendler se aposentou em agosto de 2012.
Ao presidir pela última vez uma sessão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ele foi homenageado.
O decano da corte, ministro Cesar Asfor Rocha, falou em nome dos demais ministros.
“Vossa excelência, ao seu modo e do seu jeito, com os recursos da sua inventividade e do seu talento, criou e manteve entre nós o clima que nos propiciou o desenvolvimento equilibrado dos trabalhos da Corte”, disse ele.
O advogado Gerardo Grossi também cumprimentou, da tribuna, o ministro. “Vossa Excelência deixará sua marca perene neste tribunal. Um magistrado sempre cordial, alerta e cioso”, disse.
Este é o nosso Judiciário.
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