Paulo Moreira Leite, 19/11/2013
Nem por oportunismo rasteiro Fernando Henrique Cardoso deveria juntar-se ao coral que aplaude as prisões dos condenados da ação penal 470.
Em pronunciamento, ontem, o ex-presidente empregou termos duros. Referindo-se às denuncias dos prisioneiros e seus advogados, que tem críticas consistentes ao julgamento, como tantos juristas independentes também apontam, chegou a dizer: “temos de dar um basta nisso. Chega de desfaçatez.”
Vamos combinar que não é um motivo honroso para FHC falar contra a “ desfaçatez” dos adversários.
Derrotado por Jânio Quadros na
disputa pela prefeitura em 1985, quase ministro de Fernando Collor em
1990, Fernando Henrique pode sentir de perto os efeitos nocivos do nosso
moralismo. Tem experiência demais para dedicar-se a ele.
Nem por oportunismo rasteiro Fernando Henrique Cardoso deveria juntar-se ao coral que aplaude as prisões dos condenados da ação penal 470.
Em pronunciamento, ontem, o ex-presidente empregou termos duros. Referindo-se às denuncias dos prisioneiros e seus advogados, que tem críticas consistentes ao julgamento, como tantos juristas independentes também apontam, chegou a dizer: “temos de dar um basta nisso. Chega de desfaçatez.”
“Desfaçatez?”
“ Basta?”
O retrospecto do PSDB e de seu governo não autorizam um discurso nestes termos.
FHC só manteve-se no Planalto
por oito anos depois de conquistar o direito de disputar a reeleição num
esquema de compra de votos onde se demonstrou aquilo que apenas se
disse sobre o mensalão de Delúbio e Valério.
O repórter Fernando Rodrigues
publicou, já naquela época, o depoimento de um certo senhor X, que
organizou os pagamentos de parlamentares. Trouxe o depoimento, gravado,
de um parlamentar que assumia ter embolsado o dinheiro. No livro
Príncipe da Privataria, Palmério Doria completou o serviço. Entrevistou o
próprio senhor X, revelou sua identidade verdadeira e explica que ele
comprou 150 parlamentares.
Outro dia, conversei com um
deputado do PP que assistiu ao mercado da reeleição e me disse o
seguinte: “O pessoal votava a favor e na saída do plenário já tinha
gente esperando para acertar o pagamento junto a doleiros. Não tinha
erro. ”
FHC falou em tom crítico sobre
adversários políticos que se tornaram prisioneiros, enfrentando medidas
duras e espetaculares de Joaquim Barbosa criticadas até por outros
ministros do STF. A verdade é que muitos prisioneiros da ação penal 470
foram mais próximos de seu governo do que se costuma admitir.
Marcos Valério começou a se
aproximar das verbas do Visanet a partir dos diretores que o PSDB
instalou no Banco do Brasil durante o governo de Fernando Henrique.
Foram eles, no segundo mandato de FHC, que assinaram os primeiros
contratos com a agência DNA, que seriam apenas renovados depois da posse
de Lula.
O diretor responsável pelos
pagamentos à DNA – aqueles que Joaquim Barbosa diz que foram desviados
para subornar políticos – era um homem de confiança do governo Fernando
Henrique, um diretor chamado Leo Batista.
Ele tinha esse papel no governo
FHC. Seguiu na função depois de 2003. Se alguém foi tão decisivo para o
esquema que desviou R$ 73 na versão da acusação, seu nome não é Henrique
Pizzolato, hoje foragido na Itália, mas Leo Batista. Estava acima de
Pizzolato e tinha a prerrogativa de assinar os cheques.
FHC fez elogios às prisões ao
lado de estrelas graúdas do PSDB. Uma delas era Geraldo Alckmin, cujo
governo afunda-se em três gerações de governadores denunciados no
propinoduto Alston-Siemens. Outro era o presidenciável Aécio Neves.
Conforme a CPMI dos Correios, durante seu governo estatais mineiras
fizeram dezenas de milhões de reais em depósitos nas contas da DNA.
Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios de Valério na agência, eram
publicitários de reputação firmada no Estado. As relações de Cristiano
Paz com Aécio se assemelham às relações de Nizan Guanaes com Fernando
Henrique. Hollerbach integrou a coordenação da campanha de Aécio em
2002.
Um ditado popular ensina que não
se deve falar de corda em casa de enforcado mas o retrospecto mostra
que há fundamento para o FHC portar-se como se nada tivesse a ver com
estes fatos e pessoas. Em 1997 o procurador Geraldo Brindeiro
encarregou-se de enterrar a denuncia da compra de votos e a maioria
tucana impediu que se fizesse uma CPI. Embora um homem de confiança do
PSDB tenha sido o responsável final pelos pagamentos para a agência de
publicidade do mensalão, nenhum deles foi investigado na ação penal 470.
Por uma questão de hierarquia, deveria ter sido mais investigado do que
Pizzolato. Pela proximidade, era um caso típico de co-autoria. Sua
investigação ocorreu em segredo, num inquérito paralelo, cuja existência
só veio a público durante o próprio julgamento.
O propinoduto paulista foi
investigado até na Suíça mas é alvo permanente de um esforço para
arquivar qualquer indicio e toda denúncia que possa envolver os tucanos e
seus amigos. O procurador Rodrigo de Grandis recebeu oito solicitações
do Ministério da Justiça para prestar esclarecimentos e não atendeu a
nenhuma. O mensalão PSDB-MG está sendo investigado na primeira
instância, em Belo Horizonte, com vagarosidade espantosa e metodologia
diversa. Enquanto os réus da ação penal 470 não tiveram direito ao duplo
grau de jurisdição, o STF autorizou que os mineiros tivessem um
julgamento na primeira instancia e, mais tarde, um segundo julgamento.
Entre os petistas, viveu um clima de guerra civil para um pequeno grupo
de condenados conseguir, após diversos lances de chantagem dos meios de
comunicação contra Celso de Mello, o direito de apresentar embargos
infringentes sobre uma das penas recebidas.
Como parece difícil de negar, a principal diferença entre escândalos tucanos e ação penal 470 é a blindagem.
Esse acesso assegurado a
impunidade – 100% garantida até aqui na maioria dos casos – mostra que o
PSDB não apenas dedicou-se às mesmas práticas que condena nos
adversários, como tantos indícios confirmam, mas construiu um
impenetrável muro de proteção sobre seus atos, situação que apenas eleva
a gravidade do atos que cometeu.
Vamos combinar que não é um motivo honroso para FHC falar contra a “ desfaçatez” dos adversários.
Nenhum comentário:
Postar um comentário