O arreganho golpista do STF
Eduardo Guimarães, no blog da Cidadania, em 02/10/12
Deve demorar alguns anos para que a farsa em curso no STF seja
denunciada por organismos internacionais como a Corte Interamericana de
Justiça. Por conta disso, as ameaças que estão se levantando contra a
democracia brasileira terão muito tempo para se desdobrar.
Todavia, cada vez mais juristas e cientistas sociais vão se
espantando com o esmagamento de direitos individuais que vai sendo
produzido pela mais alta instância do Judiciário brasileiro.
O inconformismo vai se espalhando pelos setores pensantes da
sociedade de tal maneira que o ministro Celso de Mello, na sessão de
segunda-feira do julgamento da AP 470, passou recibo e respondeu às
críticas, afirmando que a Corte que integra não estaria promovendo
inovação alguma.
É uma piada. A crer que o STF não está inovando e invertendo
princípios consagrados no Direito teremos que aceitar a teoria
estapafúrdia de que a corrupção na política brasileira teve início em
2003 com a chegada do PT ao poder, pois jamais aquela Corte agiu como
está agindo.
Você já viu, leitor, algum partido político sendo condenado – ainda
que apenas retoricamente – por membros do STF? O DEM, por exemplo, nos
últimos anos revelou-se um valhacouto de bandidos, tendo até expoentes
do partido indo para trás das grades.
Como é que não está havendo inovação se em 129 anos de história
republicana jamais o STF condenou partido ou político de expressão
algum?
Esse STF rigoroso, cheio de frases de efeito contra o PT, é o mesmo
que deu fuga a Salvatore Cacciola, que deu habeas-corpus ao banqueiro
Daniel Dantas e que absolveu o ex-presidente Fernando Collor por
inexistência de provas que também caracteriza o mensalão petista.
Só sendo muito calhorda, portanto, para afirmar que o PT inventou a
corrupção no Brasil. Só sendo golpista até o âmago para aceitar que um
processo idêntico ao mensalão petista, o mensalão tucano, receba
tratamento diametralmente diferente por parte do STF.
Aliás, vale dizer que o mensalão tucano é mais grave. Primeiro que o
mesmo Marcos Valério envolvido com o PT foi quem distribuiu dinheiro
para o PSDB. E no mensalão tucano o uso de dinheiro público é
inquestionável.
O que espanta é que enquanto Mello negava violação do Estado de
Direito o procurador-geral da República dava entrevista afirmando
existir “uma torrente de provas” contra José Dirceu. Instado a apontar
quais, citou “verossimilhança” da culpabilidade do petista.
Detalhe: a tese de Mello sobre anulação de atos legislativos de que
tenham participado réus do mensalão deve acender o sinal vermelho pois
abre a porta para uma crise institucional, já que alguns desses réus,
até há pouco, participaram de tudo que deliberou a Câmara dos Deputados
desde a década passada.
A mídia, por sua vez, já cita, em tom escancarado de comemoração,
benefícios políticos que a oposição ao governo Dilma estaria colhendo
por conta do circo armado em torno do julgamento da AP 470, deixando
claros os objetivos políticos da cobertura do assunto.
Pouco importa que esses benefícios políticos que a mídia diz que o
julgamento estaria gerando à oposição não passem de balela, pois
pesquisas recentes mostram que o PT está tendo desempenho igual ao de
eleições municipais anteriores. Isso sem falar na popularidade de Dilma e
Lula, que só faz subir.
O que importa, então, é o descaramento da mídia ao comemorar
abertamente esse pseudo enfraquecimento eleitoral do PT, deixando ver, a
quem quiser, que seu objetivo é meramente eleitoral.
Todavia, na opinião deste blog – que há anos diz que o golpismo
tupiniquim está bem vivo –, a direita brasileira já ambiciona muito mais
do que enfraquecer o PT nestas eleições. Vejam que já virou manchete de
primeira página a intenção de envolver Lula no mensalão.
E com um STF e uma Procuradoria Geral da República que aceitam tudo o
que os inimigos políticos do PT acusam, além de Lula não custará propor
a teoria de que Dilma também estaria envolvida por ter participado do
governo anterior.
Detalhe: para quem não sabe, a dupla PGR e STF tem a prerrogativa constitucional de processar presidentes da República.
Se a teoria lhe parece muito ousada, leitor, saiba que incontáveis
juristas e cientistas políticos já concordam com essa e com muitas
outras possibilidades, dado o processo espantoso em curso no STF.
No último sábado, por exemplo, participei de um jantar que o
blogueiro Paulo Henrique Amorim ofereceu ao jornalista Mauro Santayana
pelos seus 80 anos. Mauro, amigo íntimo de Tancredo Neves, viveu
intensamente os idos de 1964 e vê similaridade entre este momento
político e aquele.
Como em 1964, a direita está combalida, não tem votos e, portanto,
não tem a mais ínfima perspectiva de retomar o poder. E, como durante o
governo Jango Goulart, o Brasil está promovendo forte distribuição de
renda.
Aliás, toda a vez que o Brasil distribui renda e o governo que
promove essa distribuição se fortalece eleitoralmente a direita dá
golpe, retoma o poder na marra e reverte o processo distributivo. Foi
assim com Getúlio Vargas, foi assim com Jango…
Nesse aspecto, a última edição da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domícilios (PNAD – IBGE) acaba de detectar dados que sustentam a tese em
questão.
A PNAD 2011,
divulgada na semana passada, revelou que, de 2009 para o ano passado, a
renda dos 10% mais pobres subiu 29,2%, enquanto que a renda dos 10%
mais ricos cresceu 4%. Isso significa distribuição de renda na veia.
A distribuição de renda da era Lula-Dilma foi tão intensa que
deixamos de ser o 4º país mais desigual do mundo em 2002 para sermos o
15º hoje (segundo a PNAD), o que ainda é uma péssima colocação. No
entanto, muitíssimo melhor do que era quando o PSDB governava.
O “pior” – para a direita midiática – é que, nesse ritmo, em alguns
anos o Brasil deixará de ser a aberração de injustiça que o caracteriza.
Deveremos atingir um nível civilizado de distribuição de renda em
poucos anos caso o efeito Robin Hood continue nessa toada.
Volto explicar: não há mágica para distribuir renda. Para dar a
alguém é necessário tirar de alguém. Isso, por óbvio, não se processa
por meio de expropriação do dinheiro dos ricos, mas através de políticas
públicas que fazem a renda do pobre crescer mais do que a do rico.
A história mostra que toda vez que o Brasil distribuiu renda a elite
deu um jeito de interromper o processo e, como em 1964, de revertê-lo.
Entre o ano do golpe militar e o fim da ditadura, a desigualdade
brasileira subiu 10 pontos no índice de Gini e só começou a cair de fato
em 2004.
Durante os últimos anos, toda vez que este Blog aludiu ao golpismo da
elite sobreveio descrença. Agora, não mais. Até porque, após espetáculo
como o do STF, fica difícil descrer de fenômeno que o Brasil já
testemunhou tantas vezes porque integra sua cultura política.
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