O lugar de Genoino
Paulo Moreira Leite 5/10/12
Nossos crocodilos ficaram sentimentais. Em toda parte vejo lágrimas que acompanham os votos que condenam José Genoino.
Na imprensa, em conversas com amigos, ouço o comentário, em tom de solidariedade. Parece consciência pesada, em alguns casos.
Não estamos diante de um melodrama mas de uma tragédia.
Genoino está sendo condenado num julgamento marcado por
incongruências, denuncias incompletas e presunções de culpa que começam a
incomodar estudiosos e acadêmicos. Foi isso que explicou Margarida
Lacombe, professora de Direito da UFRJ, em comentário na Globo News. Sem
perder suavidade na voz, a professora falou sobre necessidade de
provas contundentes quando se pretende privar a liberdade de uma pessoa.
Não falou de casos concretos, não criticou. Fez o melhor: informou.
Lembrou como esse ponto – a liberdade – é importante.
Vamos começar.
O STF que está condenando Genoino absolveu Fernando Collor com o argumento de “falta de provas.”
É o mesmo STF que, em tempos muito mais recentes, impediu que o país
apurasse, investigasse e punisse a tortura ocorrida no regime militar.
Então ficamos assim. José Genoino, vítima da tortura que o STF
impediu que fosse apurada, será condenado por corrupção, ao contrário de
Fernando Collor.
Parece o Samba do Crioulo Doido do Stanislaw Ponte Preta. É. Mas não é
o texto. E a “realidade brasileira”, como se dizia no tempo em que a
polícia política perseguia militantes como Genoino.
Não há provas materiais contra Genoino e tudo que se pode alegar
contra ele é menos consistente do que se poderia alegar contra Collor.
Mas as provas da tortura são abundantes. Estão nos arquivos do Brasil
Nunca Mais e em outros trabalhos. Foram arrancadas na dor, no
sofrimento, na porrada, no sangue e, algumas vezes, na morte. Em plena
ditadura, 1918 vítimas da tortura deixaram registros dessa violência nos
arquivos da Justiça Militar. Nenhuma foi apurada e, se depender da
decisão do STF, nunca será.
Collor foi beneficiado porque provas muito contundentes contra ele
foram anuladas. Considerou-se, na época, que a privacidade do
tesoureiro PC Farias havia sido violada quando a Polícia Federal quebrou
o sigilo de um computador que servia ao esquema. Essa decisão – em nome
da privacidade — salvou Collor.
Você pode dizer que os tempos eram outros e que agora não se aceita
mais tanta impunidade. Aceita-se. Basta lembrar que, na mesma época, o
mensalão do PSDB-MG virou fumaça na Justiça Comum. E quando Márcio
Thomaz Bastos tentou mudar o julgamento do mensalão federal, alegou-se
que era no STF que os crimes graves são punidos.
Vamos continuar.
Genoino está sendo condenado porque “não é plausível” que não
soubesse do esquema. “Plausível”, informa o Houaiss, é sinônimo de
aceitável, razoável. Olha o tamanho da subjetividade, da incerteza.
Isso porque ele assinou o pedido de empréstimo de R$ 3,5 milhões para
o Banco Rural e por dez vezes refez o pedido. Não é plausível imaginar
que um presidente do PT fizesse tudo isso sem saber de nada, acreditam
três ministros do Supremo.
Mas fatos que são líquidos e certos não comoveram a acusação com a mesma clareza.
O empresário Daniel Dantas deu R$ 3,5 milhões para amolecer Delúbio
Soares e Marcos Valério e cair nas graças do esquema. Não foram R$ 3,5
milhões subjetivos mas inteiramente objetivos.
Um pouco mais tarde, seu braço direito Carla Cicco assinou um
contrato de R$ 50 milhões com as agências de Marcos Valério para
transformar a turma do PT em geléia. Chegaram tarde. Depois de pagar a
primeira prestação, a casa caiu e eles suspenderam o pagamento.
Como não gosto de pré-julgar, não acho que Daniel Dantas seja culpado
por antecipação. Não acho mesmo. Vai ver que estava tudo lá, bonitinho.
Também podia ser ajuda para o Fome Zero rsrsrsrsrs
Ou quem sabe fosse tudo para Valubio.
Mas não teria sido melhor que ele fosse ouvido no tribunal, para mostrar sua inocência?
Não teria sido uma forma de mostrar que a Justiça é cega?
Mas ela não foi.
O esquema privado do mensalão, informa a CPMI, chegou a R$ 200 milhões. Quantos empresários foram lá, dar explicações? Nenhum.
Alguém acha plausível, aceitável, razoável, que fossem inocentados por antecipação?
Não há nada “plausível” que se possa fazer com R$ 200 milhões?
Só a Telemig, que pertencia ao grupo Opportunity, de Daniel Dantas,
entregou mais dinheiro às agências de Valério do que o Visanet, que
jogou o petista Henrique Pizzolato na vala dos condenados logo nos
primeiros dias.
O que é plausível, neste caso?
Nós sabemos – e ninguém duvida disso – que Genoino fazia política o
tempo inteiro. Fez isso a vida toda, com tamanha inquietação que, numa
fase andou pela guerrilha do Araguaia e, em outra, ficou tão moderado
que parecia que ia preencher ficha de ingresso no PSDB.
Chegou a liderar um partido revolucionário à esquerda do PC do B e depois integrou as correntes mais à direita do PT.
Então vamos lá. É plausível imaginar que Genoino tenha ido atrás de
recursos de campanha? Sim. É plausível e até natural. Basta deixar de
ser hipócrita para compreender. Política se faz com quadros, imprensa,
propaganda, funcionários. Isso custa dinheiro.
Isso fez dele um dirigente que subornava adversários para convencê-los a mudar de lado, como quer a acusação? Não.
Eu não acho plausível, nem aceitável nem razoável. Duvido inteiramente, aliás.
E se eu tiver errado, quero que me provem – de forma clara,
contundente. Sem essas suposições, sem um quebra-cabeças que joga com a
liberdade humana.
Sem fogueira de tantas vaidades.
Não chore por nós Genoino.
Alegou-se que a tortura não poderia ser apurada para preservar a transicão democrática.
A democracia avançou, as conquistas foram imensas. Mas os perseguidos, no fundo, bem no fundo, são os mesmos.
Não é um melodrama. É uma tragédia.
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