sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Coisas de que Joaquim Barbosa se esqueceu de ficar triste

 
 
Antonio Lassance  28/02/2014


O presidente do Supremo, relator da AP 470, esbravejador-geral da Nação, candidato em campanha a um cargo sabe-se lá do que nas eleições de outubro, decretou solenemente:

"É uma tarde triste para o Supremo".

É curioso como Joaquim Barbosa se mostra triste com algumas coisas, e não com outras.

Alguém o viu expressar tristeza com o fato de o processo contra o mensalão tucano não atribuir o mesmo crime de quadrilha a Eduardo Azeredo (PSDB-MG) & Companhia Limitada?

O inquérito da Procuradoria-Geral da República (INQ 2.280, hoje Ação Penal 536), que sustenta a denúncia contra Azeredo, foi apresentado pelo mesmo Procurador (Roberto Gurgel), ao mesmo STF que julgou o mensalão petista, e caiu nas mãos do mesmo relator, ele mesmo, Joaquim Barbosa.

O que dizia o Procurador? Que o mensalão tucano "retrata a mesma estrutura operacional de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e simulação de empréstimos bancários objeto da denúncia que deu causa a ação penal 470, recebida por essa Corte Suprema, e envolve basicamente as mesmas empresas do grupo de Marcos Valério e o mesmo grupo financeiro (Banco Rural)”.

Se é tudo a mesma coisa, se são os mesmos crimes, praticados pelas mesmas empresas, com o mesmo operador, cadê o crime de quadrilha, de que Barbosa faz tanta questão para os petistas?

Alguém viu o presidente do Supremo expressar sua tristeza sobre o assunto?

Alguém o viu decretar a tristeza no STF quando o processo contra os tucanos, ao contrário do ocorrido com a AP 470, foi desmembrado, tirando do STF uma parte da responsabilidade por seu julgamento?

Talvez muitos não se lembrem, mas as decisões de desmembrar o processo do mensalão tucano e de livrar Azeredo e os demais da imputação do crime de quadrilha partiram do próprio Joaquim Barbosa.

Foi ele o primeiro relator do mensalão tucano. Foi ele quem recomendou tratamento distinto aos tucanos.

Justificou, sem qualquer prurido, que os réus estariam livres da imputação do crime de formação de quadrilha “até mesmo porque já estaria prescrito pela pena em abstrato”, disse e escreveu Barbosa, em uma dessas tardes tristes.

Mais que isso, livrou os tucanos também da imputação de corrupção ativa e corrupção passiva.

O que se tem visto, reiteradamente, são dois pesos, duas medidas e um espetáculo de arbítrio de um presidente que resolveu usar o plenário do STF como tribuna para uma campanha eleitoral antecipada de sua possível e badalada candidatura, sabe-se lá por qual "partido de mentirinha", como ele mesmo qualificou a todos.

E as tantas outras tristezas não decretadas?

Vimos a maioria que compõe hoje o STF ser destratada como se fosse cúmplice de um crime; um outro bando de criminosos, portanto, simplesmente por divergirem de seu presidente e derrotá-lo quanto a uma única acusação da AP 470.

Que exemplo!

Sempre que um ministro do Supremo, seja ele quem for, trocar argumentos por agressões, será uma tarde triste para o Supremo.

Há uma avalanche de questões importantes, que dormem há décadas no STF, e que seriam suficientes para que se decretasse que todas as suas tardes são tristes.

Não só há decisões, certas para uns, erradas para outros. Há sempre uma tarde triste no STF pela falta de julgamentos importantes. Cerca de metade das ações de inconstitucionalidade impetradas junto ao Supremo simplesmente não são julgadas.

Dessas, a maioria simplesmente é extinta por perda de objeto. Ou seja, o longo tempo decorrido é quem cuida de dar cabo da ação, tornando qualquer decisão desnecessária ou inaplicável. Joaquim Barbosa se esquece de ficar triste com essa situação e de decretar seu luto imperial.

Por exemplo, o STF ainda não julgou as ações feitas por correntistas de poupança contra planos econômicos, alguns da década de 1980. Tal julgamento tem sido sucessivamente adiado. Triste. Quem sabe, semana que vem?

É triste, por exemplo, a demora do STF em julgar a Lei do Piso salarial nacional dos professores. Nada acontece com prefeitos e governadores que se recusam a pagar o piso salarial, enquanto o Supremo não decide a questão. Até agora, o assunto sequer entrou em pauta. Triste.

Muito mais triste foi a tarde em que auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho, militantes de direitos humanos, sindicalistas e até o ministro do Trabalho, Manoel Dias, se reuniram em frente ao Supremo para chorar pelos dez anos de impunidade da Chacina de Unaí-MG.

Fazendeiros acusados da prática de trabalho escravo contrataram pistoleiros que tiraram a vida de quatro funcionários do Ministério do Trabalho que investigavam as denúncias.

Nenhum dos ministros cheios de arroubos com o suposto crime de quadrilha esboçou tristeza igual com a impunidade de um crime de assassinato.

Até o momento, aguardamos discursos inflamados contra esse crime que envergonha o país, acobertado por aberrações processuais judiciárias, uma delas estacionada no STF.

Quilombolas e indígenas: que esperem sentados?

Tristes foram também os quase cinco anos que o Supremo demorou para simplesmente publicar o acórdão (ou seja, o texto definitivo com a decisão final tomada em 2009) sobre a demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol (RR). Pior: ao ser publicado, o STF frisou que a decisão não serve de precedente para outras áreas. Triste.

Faltou ainda, a Joaquim Barbosa e a outros ministros inflamados, uma mesma tristeza, uma mesma indignação e um mesmo empenho para que o STF decida, de uma vez por todas, em favor da demarcação de terras quilombolas.

Seus processos, como tantos outros milhares, aguardam julgamento.

Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada pelo DEM contra o decreto do presidente Lula, de 2003, que regulamentava a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas por essas comunidades que se embrenharam pelo interior do território nacional para fugir da escravidão.

Por pouco não se deu algo ainda mais escabroso, pois o ministro relator de então, Cezar Pelluso, havia dado razão aos argumentos do DEM impugnando o ato.

A propósito, na mesma tarde em que o STF julgou e afastou a imputação do crime de quadrilha aos réus da AP 470, o mesmo Joaquim Barbosa impediu a completa reintegração de posse em favor dos Tupinambás de Olivença, Bahia.

A área dos índios estava sendo reconhecida e demarcada pela Funai. Joaquim Barbosa, tão apressado em algumas coisas, achou melhor deixar para depois. Ora, mas o que são uns meses ou até anos para quem já esperou tantos séculos para ter direitos reconhecidos?

Realmente, mais uma tarde triste para o Supremo.

Apesar de você

A célebre música de Chico Buarque, "Apesar de você", embora feita na ditadura, ainda cai bem para enfrentarmos descomposturas autoritárias desse naipe.
Diz a música, entre outras coisas:

"Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão"

"Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar"

"Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia".

Cai castelo de cartas do ministro Barbosa

Breno Altman  28/12/2014
As palavras finais do presidente da corte suprema, depois da decisão que absolveu os réus da AP 470 do crime de quadrilha, soaram como a lástima venenosa de um homem derrotado, inerte diante do fracasso que começa a lhe bater à porta. A arrogância do ministro Barbosa, abatida provisoriamente pelo colegiado do STF, aninhou-se em ataque incomum à democracia e ao governo.

 
“Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo”, discursou o relator da AP 470. “Esta maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012.”


Sua narrativa traz uma verdade, um insulto e uma fantasia.

 
Tem razão quando vê risco de desmoronamento do processo construído sob sua batuta. A absolvição pelo crime de quadrilha enfraquece fortemente a acusação. Se não há bando organizado, perde muito de sua credibilidade o roteiro forjado pela Procuradoria Geral da República e avalizado por Barbosa. A peça acusatória, afinal, apresentava cada passo como parte minuciosa de um plano concebido e executado de forma coletiva, além de permanente, com o intuito de preservação do poder político. Se cai a tese de quadrilha, mais cedo ou mais tarde, as demais etapas terão que ser revistas. Essa é a porção verdadeira de sua intervenção matreira.

 
A raiva de Barbosa justifica-se porque, no coração desta verdade, está a neutralização da principal carta de seu baralho. O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas materiais ou testemunhais, como bem salientou o jurista Ives Gandra Martins, homem de posições conservadoras e antipetistas. A base de sua criminalização foi uma teoria denominada “domínio do fato”: mesmo sem provas, Dirceu era culpado por presunção, oriunda de sua função de líder da eventual quadrilha. Absolvido do crime fundante, a existência de bando, como pode o histórico dirigente petista estar condenado pelo delito derivado? Se não há quadrilha, inexiste liderança de tal organização. A própria tese condenatória se dissolve no ar. O que sobra é um inocente cumprindo pena de maneira injusta e arbitrária.


Derrotado, Barbosa recorreu a um insulto: acusa o governo da República de ter ardilosamente montado uma “maioria de circunstância”, como se a fonte de sua indicação fosse distinta dos demais. Aponta o dedo ao Planalto sem provas e sem respeito pela Constituição. Atropela a independência dos poderes porque seu ponto de vista se tornou minoritário. Ao contrário da presidente Dilma Rousseff, que manteve regulamentar distância das decisões tomadas pelo STF, mesmo quando eram desfavoráveis a seus companheiros, incorre em crime de Estado ao denunciar, através de uma falácia, suposta conspiração da chefe do Executivo.

 
A conclusão chorosa de seu discurso é uma fantasia. Não se pode chamar de “trabalho primoroso” uma fieira de trapaças. O presidente do STF mandou para um inquérito secreto, inscrito sob o número 2474, as provas e laudos que atestavam a legalidade das operações entre Banco do Brasil, Visanet e as agências de publicidade do sr. Marcos Valério. Omitiu ou desconsiderou centenas de testemunhas favoráveis à defesa. Desrespeitou seus colegas e tratou de jogar a mídia contra opiniões que lhe contradiziam. Após obter sentenças que atendiam aos objetivos que traçara, lançou-se a executá-las de forma ilegal e imoral.

 
O ministro Joaquim Barbosa imaginou-se, e nisso há mesmo um primor, como condutor ideal para uma das maiores fraudes jurídicas desde a ditadura. Adulado pela imprensa conservadora e parte das elites, sentiu-se à vontade no papel do pobre menino que é glorificado pela casa grande por suas façanhas e truques para criminalizar o partido da senzala.


O presidente do STF lembra o protagonista da série House of Cards, que anda conquistando corações e mentes. Para sua tristeza, ele está se desempenhando como um Frank Underwood às avessas. O personagem original comete incríveis delitos e manobras para chegar à Presidência dos Estados Unidos, derrubando um a um seus adversários. O ministro Barbosa, porém, afunda-se em um pântano de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto.

 
Acuado e sentindo o constrangimento de sua nudez político-jurídica, o ministro atira-se a vinganças, recorrendo aos asseclas que irregularmente nomeou, na Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, como feitores das sentenças dos petistas. Delúbio Soares teve o regime semiaberto suspenso na noite de ontem. José Dirceu tem contra si uma investigação fajuta sobre uso de aparelho celular, cujo único propósito é impedir o sistema penal que lhe é devido. O governo de Brasília está sendo falsamente acusado, com a cumplicidade das Organizações Globo, de conceder regalias aos réus.


O ódio cego de Barbosa contra o PT e seus dirigentes presos, que nenhuma força republicana ainda se apresentou para frear, também demonstra a fragilidade da situação pela qual atravessam o presidente do STF e seus aliados. Fosse sólido o julgamento que comandou, nenhuma dessas artimanhas inquisitoriais seria necessária.


O fato é que seu castelo de cartas começou a ruir. Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça. Homem culto, Barbosa tem motivos de sobra para uivar contra seus pares. Provavelmente sabe o lugar que a história reserva para quem, com o sentimento dos tiranos, veste a toga dos magistrados.


(*) Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.

Um cheiro de cinzas no ar

        

Fica difícil afastar a percepção de que o carnaval conservador saltou para a dispersão sem passar pela apoteose. O cheiro de cinzas no ar é inconfundível.

 

Saul Leblon, 28/02/2014      

 


Como parte interessada, a mídia jamais reconhecerá no fato o seu alcance: mas talvez o Brasil tenha assistido nesta 5ª feira a uma das mais duras derrotas já sofridas pelo conservadorismo desde a redemocratização.

Quem perdeu não foi a ética, a lisura na coisa pública ou a justiça, como querem os derrotados.

A resistência conservadora a uma reforma política, que ao menos dificultasse o financiamento privado das campanhas eleitorais, evidencia que a pauta subjacente ao julgamento da AP 470 tem pouco a ver com o manual das virtudes alardeadas.

O que estava em jogo era ferir de morte o campo progressista

Não apenas os seus protagonistas e lideranças.

Mas sobretudo, uma agenda de resiliência  histórica infatigável, com a qual eles seriam identificados.

Ela foi golpeada impiedosamente em 54 e renasceu com um único tiro; foi golpeada em 1960 e renasceu em 1962; foi golpeada em 1964, renasceu em 1988; foi golpeada em 1989, renasceu em 2003; foi golpeada em 2005 e renasceu em 2006, em 2010...

O  que se pretendia desta vez, repita-se, não era exemplar cabeças coroadas do petismo, mas um propósito algo difuso, e todavia persistente, de colocar a luta pelo desenvolvimento como uma responsabilidade intransferível da democracia e do Estado brasileiro.

A derrota conservadora é  superlativa nesse sentido, a exemplo dos recursos por ela mobilizados --sabidamente nada  modestos.

Seu dispositivo midiático lidera a lista dos mais esfarrapados egressos da refrega histórica.

Se os bonitos manuais de redação valessem, o  desfecho da AP 470  obrigaria a mídia ‘isenta’ a regurgitar as florestas inteiras de celulose que consumiu com o objetivo de espetar no PT o epíteto eleitoral de ‘quadrilha’.

Demandaria uma lavagem de autocrítica.

Que ela não fará.

Tampouco reconhecerá que ao derrubar a acusação de quadrilha, os juízes que julgam com base nos autos desautorizariam implicitamente o uso indevido da teoria  do  domínio do fato, que amarrou toda uma narrativa largamente desprovida de provas.

Se não houve quadrilha, fica claro o propósito político prévio  de emoldurar a  cabeça  do ex-ministro José Dirceu no centro de uma bandeja eleitoral, cuja guarnição incluiria nomes ilustres do PT, arrolados ou não  na AP 470.

O banquete longamente preparado  será degustado de qualquer forma agora.
Mas fica difícil  afastar  a percepção de que o carnaval conservador saltou  direto da concentração para  a dispersão sem passar pela apoteose.

Aqui e ali, haverá quem arrote  peru nos camarotes e colunas da indignação seletiva.

O cheiro de cinzas, porém, é inconfundível e contaminará por muito tempo o ambiente político e econômico do conservadorismo.

O  que se pretendia, repita-se, não era apenas criminalizar fulano ou sicrano, mas a tentativa em curso de enfraquecer o enredo que os mercados impuseram ao país de forma estrita e abrangente no ciclo tucano dos anos 90.

Inclua-se aí a captura do Estado para sintonizar o país à modernidade de um capitalismo ancorado na subordinação irrestrita da economia, e na rendição incondicional da sociedade, à supremacia das finanças desreguladas.

O Brasil está longe de ter subvertido essa lógica.

Mas não por acaso, a cada três palavras que a ortodoxia pronuncia hoje, uma é para condenar as ameaças e tentativas de avanços nessa direção.

O jogral é conhecido: “tudo o que não é mercado é populismo; tudo o que não é mercado é corrupção; tudo o que não é mercado é inflacionário, é ineficiência, atraso e gastança”.

O eco desse martelete percorreu cada sessão do mais longo julgamento da história brasileira.

Assim como ele, a condenação da política pelas togas coléricas reverberava a contrapartida de um anátema econômico de igual veemência,  insistentemente  lembrado pelos analistas e consultores: “o Brasil não sabe crescer, o Brasil não vai crescer, o Brasil não pode crescer --a menos que retome  e conclua  as ‘reformas’”.

O eufemismo cifrado designa o assalto aos direitos trabalhistas; o desmonte das políticas sociais;  a deflagração de um novo ciclo de   privatizações e a renúncia irrestrita a políticas e tarifas de indução ao crescimento.

Não é possível equilibrar-se na posição vertical em cima de um palanque abraçado a essa agenda, que a operosa Casa das Garças turbina para Aécio --ou Campos, tanto faz.

Daí o empenho meticuloso dos punhais midiáticos em escalpelar os réus da AP 470.

Que legitimidade poderia ter um projeto alternativo de desenvolvimento identificado com uma  ‘quadrilha’ infiltrada no Estado brasileiro?

Foi essa indução que saiu  seriamente chamuscada da sessão do STF na tarde desta 5ª feira.

Os interesses econômicos e financeiros que a desfrutariam continuam vivos.

Que o diga a taxa de juro devolvida esta semana ao degrau de 10,75% , de onde a Presidenta Dilma a recebeu e do qual tentou rebaixá-la, sob  fogo cerrado da república rentista e do seu jornalismo especializado.

Sem desarmar a bomba de sucção financeira essas tentativas  tropeçarão ciclicamente  em si mesmas.

Os quase 6% que o  Estado brasileiro destina ao rentismo anualmente, na forma de juros da dívida pública, dificultam sobremaneira desarmar o círculo vicioso do endividamento, do qual eles são causa e decorrência.

É o labirinto do agiota: juro sobre juro leva a mais juro. E mais alto.

Dessa encruzilhada se esboça a disputa entre  dois projetos distintos de desenvolvimento.

A colisão entre as duas dinâmicas fica mais evidente quando a taxa de crescimento declina ou ocorrem mudanças de ciclo na economia mundial, estreitando adicionalmente a margem de manobra do Estado e das contas externas.

É o que a América Latina, ou quase toda ela, experimenta  nesse momento.

A campanha eleitoral deste ano prestaria inestimável serviço ao discernimento da sociedade se desnudasse esse conflito objetivo, subjacente à  guerra travada diante dos holofotes no julgamento da AP 470.

O conservadorismo foi derrotado. Mas não perdeu seus arsenais.

Eles só serão desarmados pela força e o consentimento  reunidos das grandes mobilizações democráticas.

As eleições de outubro poderiam funcionar como essa grande praça da apoteose.

A ver.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

FHC e o sarcófago do Real

 

Por Antonio Lassance, no sítio Carta Maior: 26/02/2014

O PSDB reuniu seus próceres e alguns convidados ilustres, como os governistas de sempre, Renan Calheiros e Romero Jucá, para comemorar os 20 anos do Plano Real.

Atordoado com o indiciamento e a renúncia de Eduardo Azeredo (deputado do PSDB-MG); atropelado pelo escândalo da Siemens e chamuscado com o fio desencapado do caso Alstom; com a garganta seca pelo susto de uma crise de racionamento de água em São Paulo; enfim, com uma avalanche de notícias ruins, era preciso mudar de assunto.

Que tal como comemorar, pela enésima vez, mais um aniversário do Plano Real?

A celebração, embora feita no Senado neste dia 25, teve como referência o 27 de Fevereiro de 1994, data em que foi publicada a certidão de nascimento do Plano Real.

A Medida Provisória nº 434, assinada pelo presidente Itamar Franco, criava a Unidade Real de Valor (URV) e previa sua posterior substituição por uma nova moeda, o Real - o que viria a ocorrer em 1º. de julho daquele ano.

Aécio aproveitou o aniversário para criticar a política econômica do governo Dilma Rousseff. É seu foco principal, quase exclusivo.

Sua crítica mais ácida é que Dilma não respeita o tripé que sustenta o Plano Real: o cumprimento das metas de inflação, o câmbio flutuante e a manutenção de um superávit primário elevado.

É difícil saber por que os tucanos reclamam. Das três vezes em que a inflação superou o teto da meta, duas foram no governo FHC (2001 e 2002).

O câmbio flutuante só foi implantado por FHC em seu segundo mandato, de uma forma tão atabalhoada que gerou a crise econômica mais aguda que o Real já atravessou.

O Superávit primário foi sempre maior nos governos de Lula e Dilma do que ao longo do governo FHC (a página do Banco Central na internet traz as séries históricas que permitem fazer todas essas comparações).

Os tucanos reclamaram, na solenidade, que o PT não apoiou o Plano Real e não reconheceu o "legado" de FHC. De fato, o PT foi contra o Plano Real e carimbou de “herança maldita” a situação que recebeu em 2003.

Mas é fácil explicar a posição do PT. É isso o que se espera de um partido de oposição: que se comporte como oposição.

Difícil é entender que o próprio PSDB não tenha defendido o Real, com unhas e dentes, e não tenha se ufanado do legado de FHC durante as últimas três campanhas presidenciais.

Em 2002, 2006 e 2010, os candidatos tucanos, José Serra e Geraldo Alckmin, varreram FHC para baixo do tapete.

Renegaram o legado que FHC invoca. Deixaram para trás o que julgavam passado.

Hoje, Aécio celebra o passado. O PSDB tem mesmo boas razões para comemorar. Demorou 12 anos para o partido voltar a defender o governo FHC.

Antes que seja tarde, ambos, FHC e o PSDB, lutam para entrar para a História em uma posição melhor do que saíram.

O governo tucano terminou com inflação retornando à casa de 2 dígitos, dólar fora de controle, zero de reservas internacionais, empréstimos do FMI, apagões e racionamento de energia.

Eis uma parte importante do legado que, décadas depois, preferem que seja esquecida.

Os tucanos seguiram à risca o provérbio de Pedro Malan, segundo o qual, no Brasil, até o passado é incerto. A aposta e a celebração, portanto, fazem sentido. Olhar o passado é sempre uma oportunidade para tentar reescrevê-lo.

O PSDB demonstrou, neste aniversário do Real, que sobrevive e resmunga em seu sarcófago, esperando o retorno de seus dias de glória.

O partido quer voltar a ser governo porque simplesmente não consegue e não aguenta mais ser oposição.

O difícil é chegar lá dormindo o sono profundo de sua falta de projeto para o país e confinado à letargia de suas iniciativas.

Essa elite política destronada e embalsamada roga aos deuses do universo que a despertem e a conduzam ao seu Palácio; suplica que lhe devolvam o cetro, de preferência, em uma carruagem dourada.

Assim se explica que FHC tenha invocado, em seu discurso, a ajuda divina. Exclamou, ou praguejou, contra a reeleição de Dilma Rousseff: "De novo o mesmo, meu Deus?!"

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

A renuncia de Azeredo e a responsabilidade do STF


Paulo Moreira Leite, 19/02/2014



Com a renúncia ao mandato de deputado federal, prevista para ser anunciada oficialmente a qualquer momento, Eduardo Azeredo tem grandes chances de escapar do julgamento no STF e ser transferido automáticamente  para a primeira instância. 

 

Se isso ocorrer  -- até o ministro Luiz Roberto Barroso admite a possiblidade -- será o fim da farsa de que a Justiça iria dar tratamento igual para denúncias iguais. 

 

Eduardo Azeredo passará  a ter direito, agora, a um duplo grau de jurisdição, em Belo Horizonte. Mas, na capital mineira, o processo sequer terminou a fase incial.   

As testemunhas não foram ouvidas, a defesa não apresentou suas alegações nem o Ministério Público apresentou a denúncia. 

E quando tudo isso for feito, quem for condenado terá direito a segunda instância. Quando isso vai acontecer? Ninguém sabe.

 

Mas todo mundo sabe, por exemplo, que o mensalão PSDB-MG chegou ao STF dois anos antes do que a denúncia contra os petistas.  

 

 É o absurdo jurífico na forma de fratura exposta.  

 

Mas há responsabilidades por isso. Não é “o sistema.”  

 

Em agosto de 2012 o STF negou, por 9 votos a 2, que os réus da AP 470 tivessem direito ao desmembramento. Meses antes, os ministros asseguraram o desmembramento aos réus do mensalão PSDB-MG. 

 

A desigualdade nos direitos dos réus foi definida ali e era só uma questão de tempo que mostrasse sua utilidade.

Dois pesos, dois mensalões, escreveu Janio de Freitas, na época. No mesmo dia, há dois anos, alertei que esse tratamento desigual teria um efeito duradouro sobre o julgamento. 

Claro que teve. Garantiu a impunidade de alguns e a pena máxima, agravada artificialmente,  de outros. A maioria dos réus do mensalação PSDB-MG já usufrui desses direitos negados aos condenados pela AP 470. A desigualdade, a diferença, já foi estabelecida.  

 

Quem dizia que o STF estava punindo “ poderosos “, que isso “ nunca fora feito antes”  já tinha o direito de desistir do baile e pedir o dinheiro dos ingressos de volta. 

 

Mas, governador de Minas Gerais, candidato a reeleição, colocado no centro do mensalão PSDB-MG. o deputado federal não está errado. Fez aquilo que os juizes disseram que poderia fazer. Quem vai condenar? 

 

A outra face da AP 470 foi escrita agora, com todas as letras. 

 

Ao verificar que não era possível livrar-se de uma denúncia e que corria o risco de ser condenado a 22 anos, Azeredo caiu fora. 

Estava autorizado a fazer isso pela decisão do STF. 

 

Se este critério tivesse sido aplicado na AP 470, José Dirceu, Delúbio Soares, Henrique Pizzolato e outros 30 réus sequer teriam passado pelo STF. Estariam na primeira instância, como os réus do mensalão mineiro que Azeredo tentar acompanhar agora. E, se resolvessem seguir o exemplo de Azeredo, Genoíno, João Paulo Cunha e outros parlamentares só precisariam renunciar para tentar acesso aos mesmos direitos.

 

A História da AP 470 teria sido outra. 

 

Com a renúncia, Eduardo Azeredo dá adeus a Joaquim Barbosa, a Gilmar Mendes e outros leões do “ maior julgamento da história.”  

 

Para os ministros, a partida de Azeredo pode ser um alívio, tenho certeza.   

Uma coisa foi aplicar a Teoria do Domínio do Fato contra Dirceu, Genoíno e Delúbio, sob aplauso dos meios de comunicação. Ali era possível falar em “ flexibilidade “  das provas, em condenar réus enquanto se mantinha, em caráter sigiloso, documentos e testemunhas que poderiam ser úteis em sua defesa. 

 

Não que faltem provas para acusar Azeredo. Há, até mais robustas que as provas da AP 470. Se  você acredita que era um caso regional, mineiro, saiba que essa visão é um conto do vigário.

Quando a vida de Marcos Valério e outros publicitários do esquema ficou difícil, em Minas Gerais, por causa da oposição do governador Itamar Franco, suas agências se mudaram para Brasília. Ganharam contratos no Banco do Brasil, no Ministério dos Esportes. Mobilizaram verbas milionárias do Visanet. Tudo como se faria depois, no governo Lula. Mas agora, era o governo Fernando Henrique.

 

Os diretores do BAnco do Brasil eram os mesmos. Até o responsável pelos pagamentos a Visanet, nomeado pelo PSDB, permaneceu no posto quando o governo mudou. Como Azeredo, ele também escapou, deixando toda a culpa para Henrique Pizzolato. Não foi sequer indiciado.

 

Mas imagine um réu do PSDB sendo acusado de corrupção, em 2014, quando o julgamento poderia tornar-se uma pedra no discurso ético de Aécio Neves? 

 

Quem iria chamar tucano de mensaleiro, estimulando atitudes agressivas, de tipo fascista, contra Azeredo?  

 

Nada disso, meus amigos. 

A farsa pode estar acabando. 

De minha parte, acho até que durou muito.

(Este artigo foi reescrito às 15h15)  

 

Covardia

COVARDIA
Roberto Freire mostra que consegue superar-se ao atacar Dirceu
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog.
A nova contribuição de Roberto Freire para atualizar sua biografia consiste em pedir o bloqueio das doações destinadas a José Dirceu.
Vamos combinar: é uma covardia absoluta atacar um cidadão preso.
Dirceu não tem como defender-se, não pode dar entrevista nem explicar seu ponto de vista a ninguém.
Vítima de uma denúncia infame, sem pé nem cabeça, desmontada pela direção do presídio, Dirceu é mantido há 90 dias sob regime fechado, embora tenha direito legítimo ao regime semiaberto, conforme já foi reconhecido pelo ministro Rciardo Lewandovski.
Embora não se pratique a tortura na Papuda, como acontecia nos tempos em que o pai de Tuminha — novo amigo do deputado — reinava no DOPS, basta ter alguma sensibilidade para se reconhecer que Joaquim Barbosa aplica aos condenados da AP 470 um regime de terror.
Os direitos estão suspensos, o perigo pode vir de qualquer lugar e aquilo que que deveria ser o traço máximo da Justiça — a previsibilidade — já deixou de existir.
O que se quer é a execução social dos prisioneiros, que devem ser reduzidos a condição de seres manipuláveis e disponíveis, sem consciência nem vontade própria.
As doações mostram que esse esforço é inútil.
Para desespero de quem imaginou que os prisioneiros seriam levados ao ostracismo — como o próprio Joaquim cobrou da imprensa — a campanha confirma que eles têm base social e reconhecimento.
Com todas as diferenças que se possa imaginar, as doações de 2014 lembram a reação dos militantes do PT em 2005, quando 312 000 filiados participaram da escolha da nova direção do partido, surpreeendendo aqueles que apostavam na derrocada final da legenda depois da denúncia de Roberto Jefferson e das CPMIs do Congresso.
O ataque a Dirceu comprova, por outro lado, que Roberto Freire conseguiu superar-se. Perde referencias, abandona o próprio passado. Não é tudo por dinheiro, como aqueles infelizes nos programas de auditório. É tudo para aparecer na mídia. Tudo. At~e a coragem dos covardes, que batem em indefesos.
Dias atrás se alinhou a Romeu Tuma Jr para pedir uma investigação sobre a insinuação de que Luiz Inãcio Lula da Silva teria sido informante da ditadura.
Fernando Henrique Cardoso deixou claro, numa entrevista ao Manhathan Conection, que está fora desse jogo sujo.
Mas Roberto Freire mergulhou na lama sem receio de manchar sua biografia.
Porque toda pessoa que tenha participado da resistencia a ditadura sabe que insinuações sobre personagens da luta contra o regime — Lula é só o último exemplo entre tantos — destina-se a acobertar os verdadeiros carrascos, os que comandavam a tortura e as execuções.
Já era sintomático, semanas atrás, que Roberto Freire tenha apelado a Comissão da Verdade para apurar o papel de Lula.
Era muito mais fácil e decente pedir que se apurasse, prioritariamente, o papel de Romeu Tuma, pai, homem de confiança dos militares, cujo papel no aparelho repressivo, em São Paulo, foi embranquecido e passado a limpo, a tal ponto que no fim da vida era tratado como amiguinho — e até como democrata — pelos desavisados, ingenuos e interesseiros. Bastava uma conversinha com vozes do porão para se saber de outras coisas.
A farsa, a fraude, o absurdo reside nisso. Para acobertar um papel vergonhoso e lamentável durante o regime militar, procura-se espalhar a calúnia, a mentira, sobre pessoas contra as quais não há fato algum. Toda vez que fez uma insinuação sobre Lula, seu filho (ajudado por Roberto Freire) deu um lustro na estátua do próprio pai.
Compreende-se que um filho faça isso. Até que anuncie um segundo volume com novas besteiras. Todo mundo precisa ganhar vida e nunca faltarão amiguinhos sem pudor para dar auxílio e divulgação. Amor filial existe.
E amor próprio?
Um deputado comunista, que perdeu vários companheiros nas masmorras onde Tuma agia como um gerente — que jamais ajudou a localizar um desaparecido, nunca deu uma pista para condenar um torturador — não deveria portar-se de modo tão vergonhoso.
Também não deveria, agora, agredir quem não tem como se defender.
- See more at: http://www.ocafezinho.com/2014/02/19/a-asquerosa-covardia-de-roberto-freire/#sthash.bNlXOkRt.dpuf
COVARDIA
Roberto Freire mostra que consegue superar-se ao atacar Dirceu
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog.
A nova contribuição de Roberto Freire para atualizar sua biografia consiste em pedir o bloqueio das doações destinadas a José Dirceu.
Vamos combinar: é uma covardia absoluta atacar um cidadão preso.
Dirceu não tem como defender-se, não pode dar entrevista nem explicar seu ponto de vista a ninguém.
Vítima de uma denúncia infame, sem pé nem cabeça, desmontada pela direção do presídio, Dirceu é mantido há 90 dias sob regime fechado, embora tenha direito legítimo ao regime semiaberto, conforme já foi reconhecido pelo ministro Rciardo Lewandovski.
Embora não se pratique a tortura na Papuda, como acontecia nos tempos em que o pai de Tuminha — novo amigo do deputado — reinava no DOPS, basta ter alguma sensibilidade para se reconhecer que Joaquim Barbosa aplica aos condenados da AP 470 um regime de terror.
Os direitos estão suspensos, o perigo pode vir de qualquer lugar e aquilo que que deveria ser o traço máximo da Justiça — a previsibilidade — já deixou de existir.
O que se quer é a execução social dos prisioneiros, que devem ser reduzidos a condição de seres manipuláveis e disponíveis, sem consciência nem vontade própria.
As doações mostram que esse esforço é inútil.
Para desespero de quem imaginou que os prisioneiros seriam levados ao ostracismo — como o próprio Joaquim cobrou da imprensa — a campanha confirma que eles têm base social e reconhecimento.
Com todas as diferenças que se possa imaginar, as doações de 2014 lembram a reação dos militantes do PT em 2005, quando 312 000 filiados participaram da escolha da nova direção do partido, surpreeendendo aqueles que apostavam na derrocada final da legenda depois da denúncia de Roberto Jefferson e das CPMIs do Congresso.
O ataque a Dirceu comprova, por outro lado, que Roberto Freire conseguiu superar-se. Perde referencias, abandona o próprio passado. Não é tudo por dinheiro, como aqueles infelizes nos programas de auditório. É tudo para aparecer na mídia. Tudo. At~e a coragem dos covardes, que batem em indefesos.
Dias atrás se alinhou a Romeu Tuma Jr para pedir uma investigação sobre a insinuação de que Luiz Inãcio Lula da Silva teria sido informante da ditadura.
Fernando Henrique Cardoso deixou claro, numa entrevista ao Manhathan Conection, que está fora desse jogo sujo.
Mas Roberto Freire mergulhou na lama sem receio de manchar sua biografia.
Porque toda pessoa que tenha participado da resistencia a ditadura sabe que insinuações sobre personagens da luta contra o regime — Lula é só o último exemplo entre tantos — destina-se a acobertar os verdadeiros carrascos, os que comandavam a tortura e as execuções.
Já era sintomático, semanas atrás, que Roberto Freire tenha apelado a Comissão da Verdade para apurar o papel de Lula.
Era muito mais fácil e decente pedir que se apurasse, prioritariamente, o papel de Romeu Tuma, pai, homem de confiança dos militares, cujo papel no aparelho repressivo, em São Paulo, foi embranquecido e passado a limpo, a tal ponto que no fim da vida era tratado como amiguinho — e até como democrata — pelos desavisados, ingenuos e interesseiros. Bastava uma conversinha com vozes do porão para se saber de outras coisas.
A farsa, a fraude, o absurdo reside nisso. Para acobertar um papel vergonhoso e lamentável durante o regime militar, procura-se espalhar a calúnia, a mentira, sobre pessoas contra as quais não há fato algum. Toda vez que fez uma insinuação sobre Lula, seu filho (ajudado por Roberto Freire) deu um lustro na estátua do próprio pai.
Compreende-se que um filho faça isso. Até que anuncie um segundo volume com novas besteiras. Todo mundo precisa ganhar vida e nunca faltarão amiguinhos sem pudor para dar auxílio e divulgação. Amor filial existe.
E amor próprio?
Um deputado comunista, que perdeu vários companheiros nas masmorras onde Tuma agia como um gerente — que jamais ajudou a localizar um desaparecido, nunca deu uma pista para condenar um torturador — não deveria portar-se de modo tão vergonhoso.
Também não deveria, agora, agredir quem não tem como se defender.
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Paulo Moreira Leite, em seu blog. 18/02/2014

A nova contribuição de Roberto Freire para atualizar sua biografia consiste em pedir o bloqueio das doações destinadas a José Dirceu.

Vamos combinar: é uma covardia absoluta atacar um cidadão preso.

Dirceu não tem como defender-se, não pode dar entrevista nem explicar seu ponto de vista a ninguém.

Vítima de uma denúncia infame, sem pé nem cabeça, desmontada pela direção do presídio, Dirceu é mantido há 90 dias sob regime fechado, embora tenha direito legítimo ao regime semiaberto, conforme já foi reconhecido pelo ministro Rciardo Lewandovski.

Embora não se pratique a tortura na Papuda, como acontecia nos tempos em que o pai de Tuminha — novo amigo do deputado — reinava no DOPS, basta ter alguma sensibilidade para se reconhecer que Joaquim Barbosa aplica aos condenados da AP 470 um regime de terror.

Os direitos estão suspensos, o perigo pode vir de qualquer lugar e aquilo que que deveria ser o traço máximo da Justiça — a previsibilidade — já deixou de existir.

O que se quer é a execução social dos prisioneiros, que devem ser reduzidos a condição de seres manipuláveis e disponíveis, sem consciência nem vontade própria.

As doações mostram que esse esforço é inútil.

Para desespero de quem imaginou que os prisioneiros seriam levados ao ostracismo — como o próprio Joaquim cobrou da imprensa — a campanha confirma que eles têm base social e reconhecimento.

Com todas as diferenças que se possa imaginar, as doações de 2014 lembram a reação dos militantes do PT em 2005, quando 312 000 filiados participaram da escolha da nova direção do partido, surpreeendendo aqueles que apostavam na derrocada final da legenda depois da denúncia de Roberto Jefferson e das CPMIs do Congresso.

O ataque a Dirceu comprova, por outro lado, que Roberto Freire conseguiu superar-se. Perde referencias, abandona o próprio passado. Não é tudo por dinheiro, como aqueles infelizes nos programas de auditório. É tudo para aparecer na mídia. Tudo. At~e a coragem dos covardes, que batem em indefesos.

Dias atrás se alinhou a Romeu Tuma Jr para pedir uma investigação sobre a insinuação de que Luiz Inãcio Lula da Silva teria sido informante da ditadura.

Fernando Henrique Cardoso deixou claro, numa entrevista ao Manhathan Conection, que está fora desse jogo sujo.

Mas Roberto Freire mergulhou na lama sem receio de manchar sua biografia.

Porque toda pessoa que tenha participado da resistencia a ditadura sabe que insinuações sobre personagens da luta contra o regime — Lula é só o último exemplo entre tantos — destina-se a acobertar os verdadeiros carrascos, os que comandavam a tortura e as execuções.

Já era sintomático, semanas atrás, que Roberto Freire tenha apelado a Comissão da Verdade para apurar o papel de Lula.

Era muito mais fácil e decente pedir que se apurasse, prioritariamente, o papel de Romeu Tuma, pai, homem de confiança dos militares, cujo papel no aparelho repressivo, em São Paulo, foi embranquecido e passado a limpo, a tal ponto que no fim da vida era tratado como amiguinho — e até como democrata — pelos desavisados, ingenuos e interesseiros. Bastava uma conversinha com vozes do porão para se saber de outras coisas.

A farsa, a fraude, o absurdo reside nisso. Para acobertar um papel vergonhoso e lamentável durante o regime militar, procura-se espalhar a calúnia, a mentira, sobre pessoas contra as quais não há fato algum. Toda vez que fez uma insinuação sobre Lula, seu filho (ajudado por Roberto Freire) deu um lustro na estátua do próprio pai.

Compreende-se que um filho faça isso. Até que anuncie um segundo volume com novas besteiras. Todo mundo precisa ganhar vida e nunca faltarão amiguinhos sem pudor para dar auxílio e divulgação. Amor filial existe.

E amor próprio?

Um deputado comunista, que perdeu vários companheiros nas masmorras onde Tuma agia como um gerente — que jamais ajudou a localizar um desaparecido, nunca deu uma pista para condenar um torturador — não deveria portar-se de modo tão vergonhoso.

Também não deveria, agora, agredir quem não tem como se defender.
 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Carta aberta à sociedade brasileira, em defesa da verdade e da justiça

4 de fevereiro de 2014
 
O Julgamento da Ação Penal 470, muito mais do que um procedimento jurídico foi um show midiático.  Caracterizou-se pela exaustiva espetacularização de uma farsa chamada mensalão. Um caso político usado levianamente pela oposição e pelos setores conservadores da grande imprensa para atacar o PT e seus líderes. Crimes eleitorais foram tratados na esfera penal, e as condenações foram abusivas, sem provas e, também, como no meu caso, contra a farta produção de provas que confirmam a minha inocência. A democracia brasileira foi vilipendiada com um julgamento político, que para mim resultou numa sentença injusta e juridicamente equivocada. E o direito legal, de todo réu, ao duplo grau de jurisdição foi desconsiderado.

O Estado democrático de Direito foi desrespeitado quando se limitou o direito à ampla defesa e quando se submeteu os réus a uma exposição permanente de ataques midiáticos contra a sua honra e integridade moral. Assim, como esse julgamento,  em suas várias fases, desprezou as garantias legais e constitucionais, não surpreende que os réus comecem a cumprir a sentença mesmo tendo ainda o direito a um novo julgamento para cabíveis e legítimos embargos infringentes, como no meu caso.

Apesar do desrespeito à legislação vigente ao longo deste processo, vou seguir a lei e me entregar para cumprir a injusta e absurda pena a que fui sentenciado. Continuarei lutando, em defesa da verdade e da justiça, para que este julgamento seja revisto. Encerrada a fase de embargos, minha defesa solicitará a revisão criminal de todo o processo, de modo a garantir um novo e imparcial julgamento.

Reafirmo que sou inocente e não cometi os crimes pelos quais nem sequer deveria ter sido levado a julgamento, pois apresentei farto volume de provas testemunhais e documentais que confirmam que não cometi nenhum ato ilícito. Mantenho a determinação de provar minha inocência, em fóruns jurídicos nacionais ou internacionais, se assim for necessário.

Assegurei e provei que não houve desvios de recursos públicos da Câmara dos Deputados, com a aprovação da licitação e da execução do contrato de publicidade pelo plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), pela Polícia Federal e por auditoria oficial da Câmara. Minha gestão na presidência da Câmara, no biênio 2003-2004 foi marcada pela democracia e transparência dos atos administrativos, com a divulgação na internet, pela primeira vez, de todos os contratos firmados.

Estou no meu quinto mandato de deputado federal, fui deputado estadual e vereador. Em trinta anos de atuação parlamentar jamais respondi a nenhum processo.  Enfrentarei esta dura travessia de maneira serena e de cabeça erguida, pois sei que nada fiz de errado. Buscarei força e coragem na trajetória política de um mandato verdadeiramente democrático e popular, em que milhares de companheiras e companheiros militam a favor dos direitos humanos e da inclusão social.

Moro na periferia de Osasco há 50 anos. Tenho minhas mãos limpas. Na minha vida nada foi fácil. Trabalho desde minha infância. Engraxei sapatos, vendi sorvete, trabalhei na feira, em loja e fui metalúrgico. Assumi meu compromisso com os pobres e trabalhadores a partir do mundo do trabalho e da dura realidade da vida. Não fiz da fortuna razão de minha vida e as injúrias, calúnias e humilhações que tenho sofrido não me abatem, pois tatuei em minha alma o lema do grande Dom Pedro Casaldáliga  "Minhas causas valem mais do que minha vida".

A primeira determinação de minha prisão, no dia 06 de janeiro, foi mais um momento revelador da postura autoritária que marcou a conduta do relator da AP 470 durante todo o processo. Ele negou meus recursos sem ouvir a posição da Procuradoria Geral da República que, nesta mesma fase processual, já se manifestou sobre outros idênticos embargos infringentes de outros réus.  Requeridos, neste contexto, também para os casos de votação a favor do réu inferior a quatro votos.

O relator, nos últimos minutos do expediente de seu derradeiro dia de plantão, declarou o trânsito em julgado fatiado de meu caso e determinou o início do cumprimento da minha sentença. Descumprindo as normas processuais, que estão longe de ser meras formalidades, não oficiou à Câmara dos Deputados, não providenciou a carta de sentença para a Vara de Execuções Penais, não assinou o mandado de prisão e simplesmente saiu de férias.

Esses fatos evidenciam que o relator agiu naquele momento de maneira açodada visando garantir que as manchetes dos jornais e TVs, do dia 07 de janeiro, fossem dedicadas a mais um deputado que mandou prender. E não sobre a situação caótica no presídio de Pedrinhas e nas ruas de São Luís, no Maranhão. Uma dura realidade que, na condição de presidente também do CNJ, buscou ocultar. O que conseguiu apenas por um dia, já que a crise do sistema penitenciário e da segurança no Maranhão é muito grave e dominou a pauta jornalística brasileira no mês de janeiro. Outra possível explicação para essa conduta errática estaria na possibilidade do relator buscar faturar politicamente sobre minha prisão duas  vezes.

O relator da AP 470 condenou-me por peculato e não definiu onde, como e quanto desviei. Anexei ao processo  a execução total do contrato, provando a lisura dos gastos, real por real.  Ficará devendo essa explicação por que nunca conseguirá provar nada, pois jamais pratiquei desvios de recursos públicos. Condenou-me por lavagem de dinheiro sem fundamentação nos fatos, nas provas e na lei.  Condenou-me por corrupção passiva com base em um ato administrativo que assinei por dever de ofício. Ato administrativo idêntico foi assinado pelo presidente da Câmara dos Deputados que me antecedeu, sem que o relator tenha feito qualquer questionamento ou reparo.

A verdade, que a grande imprensa finge não existir, é que o relator não segue as normas vigentes e age como se fosse o todo poderoso que estaria acima da lei. E se algo não sair como quer, ele pressiona e consegue trocar um juiz da Vara de Execuções Penais, como já fez nesse processo. Típica postura antidemocrática, que não respeita a opinião divergente, como já provou inúmeras vezes ao agredir verbalmente, de maneira destemperada, os ministros do STF que ousam confrontar sua opinião e conduta.  Um espetáculo deprimente que o relator protagoniza, ao vivo e em cores, com sádico prazer.

Não temo enfrentar, se for necessário, um novo julgamento na Câmara dos Deputados. Deste caso, já fui absolvido pelo plenário da Casa e nas urnas, em duas eleições, em disputas (2006 e 2010) marcadas pelo uso deslavado e leviano do chamado mensalão contra o PT. Nos pleitos eleitorais sempre estimulei o debate e dialoguei com a população, esclarecendo todos os fatos. Portanto, os mais de 255 mil eleitores que em 2010, pela segunda vez seguida, me elegeram o deputado federal mais votado do PT no Estado de São Paulo, fizeram-no de maneira consciente, informados e convencidos de que jamais me envolvi em ilegalidades.

Não fugirei de minhas responsabilidades nessa decisiva quadra da história nacional, em que se vivencia a judicialização da política e se assiste ao aviltamento dos princípios que estão na base do Estado de Direito Democrático. Em defesa das prerrogativas constitucionais que garantem as competências do Poder Legislativo para decidir sobre os mandatos de seus membros, estou preparado para o legítimo julgamento do plenário da Câmara dos Deputados. Onde provarei, novamente, que não pratiquei nenhuma irregularidade, sendo inocente em relação aos crimes dos que sou acusado.

Sei que a injustiça contra mim não é a primeira e não será a última que se comete na história. A humanidade já viu Dreyfus ser equivocadamente condenado. E os irmãos Naves serem torturados e condenados com o apoio da mídia e da maioria da população. Mesmo condenado injustamente mantenho a cabeça erguida e a serenidade dos que sabem que são inocentes e fizeram na vida a opção correta, ficando ao lado da grande maioria do povo sofrido da Senzala, enquanto muitos poderosos, alguns togados, escolhem servir à elite minoritária da Casa-Grande.

Ao longo do julgamento da AP 470, por diversas vezes, o devido processo legal e o legítimo e amplo direito de defesa foram desrespeitados por uma condução autoritária da presidência e relatoria, que reproduziu e sustentou, praticamente na íntegra, a frágil peça acusatória da PGR. Contribuindo diretamente para fazer um julgamento que sem sustentação legal, desprezou fatos e provas e perpetrou inúmeras arbitrariedades.
A começar pela divulgação ao vivo das sessões do julgamento, expondo os réus à execração pública, em tempo real. Este desserviço à justiça séria, imparcial e livre da pressão da opinião pública e da opinião publicada de uma grande mídia antipetista é uma aberração brasileira, não existindo em nenhuma das consolidadas democracias constitucionais em todo o mundo. Pelo contrário, nessas democracias o réu é preservado de pressões externas, sendo considerado inocente até prova em contrário, enquanto no caso da AP 470 os réus já estavam condenados muito antes de ocorrer o julgamento.

O fato é que cresce a cada dia o número de ministros, ex-ministros e juízes de todos os tribunais, advogados, estudiosos e pesquisadores que questionam a orientação jurídica e a conduta da presidência e da relatoria do STF, no julgamento da AP 470.  Quando assistimos, ao vivo, o amplo direito de defesa ser relegado e a difusão de uma extensa gama de mentiras. Como, por exemplo, a falsa informação de que teria existido compra de votos no Congresso Nacional. Ou a mentira deslavada de que o mensalão foi o maior caso de corrupção do país. Uma cantilena insustentável, quando se sabe que houve no Brasil dezenas e dezenas de casos de corrupção, com comprovados desvios de bilhões de reais.

Um poder judiciário autoritário e prepotente avilta o regime democrático. Um presidente do STF que trata um réu como se estivéssemos na idade média, tentando amordaçá-lo e desprezando provas robustas de sua inocência, presta um desserviço ao aperfeiçoamento das instituições democráticas do país. Um ministro do SFT deve obrigatoriamente guardar recato, não deve disputar a opinião pública e fazer política a partir de seu cargo. Deve ser isento e imparcial. Ter civilidade e cortesia.  Atributos que estão ausentes na postura e conduta do relator da AP 470.

Brasília, 04 de fevereiro de 2014.

João Paulo Cunha
Deputado Federal – PT/SP

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Resposta à Veja: Onde está o Brasil?




Fernando Brito, 07/02/2014

A revista Veja, uma espécie de toque de Midas ao inverso, que transforma em imundície tudo em que toca,  coloca em sua capa a imagem do menino negro, acorrentado a um poste por um bando de tarados do Flamengo, pergunta “Onde está o Brasil  equilibrado, rico em petróleo, educado e viável que só o Governo enxerga?”.

A Veja merece resposta.

Não para ela, que é muito mais incorrigível que o pequeno delinquente que lhe serve de carniça.

Porque ela, ao contrário dele, tem meios e modos para entender o que é civilização, enquanto ele precisa ocupar o tempo arranjando algum resto de comida para engolir, uma cola de sapateiro para cheirar em lugar do respeitável pó branco das festas da elite, e uma banca de jornal que lhe sirva de colchão de lata ou teto de zinco, se chove ou se faz sol.

A resposta à Veja é necessária para que este império de maldade e seus garbosos centuriões saibam que existe quem não lhe abaixe a cabeça e anuncie que fará tudo, tudo o que puder, enquanto a vida durar, para arrancar o Brasil das correntes com que a fina elite e seus brucutus anabolizados da mídia o amarram no poste do atraso, da submissão, da pobreza e da vil condição de uma sociedade de castas,  onde eles são a nobreza opulenta.

O Brasil, senhores de Veja, é este negrinho.

Está cheio de deformações, de cicatrizes, de desvios de conduta, de desesperança e fatalismo.

Estas marcas, nele, foram você que as fizeram, abandonando-o à sua própria sorte, vendo crescer gerações nas ruas, ignorando-os, desprezando.


Tudo estaria bem se ele estivesse lá, no gueto das favelas, tendo uma existência miserável e conformada. Ou sendo um dos muitos que, por uma força até inexplicável, conseguem se sacrificar, como seus pais se sacrificam, para ter uma pobre escola pública, um trabalho mal-pago, uns bailezinhos funk por lá mesmo,  com as devidas arrochadas da PM, os capitães de mato, negros e pardos como eles, mas a serviço dos “buana”.

Não é isso o que diz um dos “civilizados” aos quais a Veja serve de megafone, como está lá em cima?

A pobreza em que os governos que vocês apoiam, as elites que vocês representam e os interesses a que vocês servem tem, entretanto,  destes efeitos colaterais.

Porque aquele menino, como o Brasil, vê o mundo como vocês mostram, canta as músicas que vocês tocam, pensa o que vocês martelam em sua cabeça, tem os desejos que vocês glamourizam.

É foda, foda é assistir a propaganda e ver/Não dá pra ter aquilo pra você

E o que tem pra eles, mesmo um pouquinho, vocês combatem furiosamente: uma bolsa-família, um salário mínimo menos pior, uma cota para a universidade…

Populismo, dizem vocês…

Aquele menino e as mazelas de sua vida nunca tiveram de vocês o tratamento do “Rei dos Camarotes”, aquele idiota.

Ou como o “Rei dos Tribunais”, que vocês bajulam porque, politicamente, lhes é interessante explorar seu comportamento para atacar o Governo, embora ele tenha ficado quieto diante desta monstruosidade, quando gosta tanto dos holofotes para outros temas.

Aliás, quanto ele terá contribuído para a visão do “mata e esfola”, do pré-julgamento, do “não tem lei” para que eu ache bandido?

Vocês não fazem uma matéria sobre os monstros que andam em bando, encapuzados, de porrete na mão, para distribuir bordoadas no “lixo social”, lixo que o seu sistema de poder produz há séculos.

Aqueles que  tentam amenizar um pouco que seja isso é tratado como um primitivo, um arcaico, que não entendeu que só “o mercado” nos salvará.

Ou um “escravo”, como os médicos que aceitaram ir tratar dos negrinhos da periferia ou do interior, onde os coxinhas da Veja não querem ir.

O mercado do qual o menino terá – se tiver – a xêpa.

E ele tem direito a mais, porque ele brotou – feio e torto – desta terra. Não veio de fora para fazer fortuna entre nós e não ser um de nós.

O negrinho está acorrentado, Veja, e acorrentado por quem o domina.

O Brasil também, e também seu Governo que, se não se “comportar” para com os que de fato o dominam, levará mais bordoadas do que já leva, por sua insubmissão.

Acorrentado por uma cadeia mental, a mídia, uma corrente da qual vocês são um dos maiores e mais odiosos elos.

Aquele negrinho não pode ter um destino próprio, apenas o papel que lhe derem, como o Brasil não pode ter seu próprio destino, aquele que convém a vocês e não nos tira do mesmo lugar.

Esta corrente, entretanto, é podre.

Podre, podre de não se poder disfarçar o fedor que exala.

E está se esgarçando, para desespero dos que contam com ela para nos manter atados.

O “Brasil  equilibrado, rico em petróleo, educado e viável”  que vocês dizem que só o Governo enxerga, de uns anos para cá, surgiu diante do povo brasileiro, depois de décadas de fatalismo de “este país é uma merda mesmo” que vocês nos inculcaram, a nós, os negrinhos.

E ele nos atrai com tanta força que não será esta corrente imunda, de elos podres, que o deterá.

Por mais que vocês se arreganhem, como fazem os impérios em decadência, por mais que se comportem, nas bancas, como aqueles facínoras de porrete,  será inútil.

Vocês já não são a única voz, embora muitos ainda os temam e procurem, inutilmente, cair nas suas boas graças com juras de vassalagem ao que vocês representam.

O mundo de vocês é o passado, é o da escravidão, é o da aristocracia que, tão boazinha, até deixa entrar alguns negrinhos na cozinha, desde que se comportem e não façam sujeira.

É o passado, porque o futuro tem uma força tão grande, tão imensa, tão inexorável que, logo, vocês penderão de um poste.

Não, fiquem calmos, não estou sugerindo enforcamentos, como foi o do Mussolini…

Apensas penderão como um elo roto de um poste velho e carcomido, que não tem mais luz e serventia.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Veja é a barbárie

por Rodrigo Vianna  07/02/2014

Nas redes sociais, tarde da noite de sexta-feira, jornalistas afinados com o tucanato e militantes da esquerda extremada se esparramavam em elogios à capa da “Veja”. Eu, que procuro manter distância sanitária da revista, aproximei-me da capa. E só consegui enxergar um gesto de oportunismo barato.
A “Veja” expõe a imagem – chocante, lamentável, triste – do rapaz preso pelo pescoço num poste na zona sul carioca, e aproveita a cena não para refletir sobre a tradição oligárquica brasileira, não para pensar sobre nossa história de 300 anos de escravidão, ou sobre nossa elite que reclama de pobres nos aviões e clama sempre pela resposta fácil do liberalismo de araque e da violência de capatazes. Não. “Veja” usa a foto terrível em mais uma tentativa para desgastar a imagem do Brasil; e também – que surpresa – para culpar o “governo”. Que governo? Ah, não é preciso ser muito esperto pra descobrir…
Emoldurando a foto triste, “Veja” berra em letras garrafais: “Civilização” e “Barbárie”. E depois acrescenta a legenda malandra, velhaca: “A volta dos justiceiros, criminosos impunes, colapso no transporte, caos aéreo. Onde está o Brasil equilibrado, rico em petróleo, educado e viável que só o governo enxerga”.
Certamente, o Brasil “equilibrado” não está nessa revista. “Veja” pratica o jornalismo da barbárie, um jornalismo que escreve “estado” assim – com “E” minúsculo – numa espécie de bravata liberal fora de época. “Veja” envenena o país todos os dias, com blogueiros  obtusos, asquerosos, que falam para um Brasil pretensamente senhorial, como se ainda estivéssemos antes da Revolução de 30.
Curioso, também, ver a “Veja” falar em “barbárie” e em “criminosos impunes”. Logo essa revista, tão próxima do bicheiro Cachoeira, pautada pelo bicheiro, amiga do bicheiro. A tabelinha com Cachoeira é – sim – um exemplo perfeito desse Brasil de criminosos impunes.
A “Veja”, que tenta pegar carona na imagem do rapaz preso pelo pescoço, pratica um jornalismo justiceiro – que invade quartos de hotel, “julga” e “condena” sem provas, inventa fatos, publica grampos sem áudio, alardeia contas no exterior e dólares em caixa de whisky. Tudo falso, falsificado. Um jornalismo que acredita em boimate e Gilmar Mendes.
A revista não tem moral para falar contra a “barbárie”, nem contra os “justiceiros”. E não tem, precisamente, por praticar um jornalismo que é a própria encarnação da barbárie, da falta de escrúpulos, um jornalismo justiceiro.
O Brasil do lulismo tem muitos problemas. Isso é evidente. Mas não venha a “Veja” querer apresentar a receita de “Civilização” ao Brasil. A receita da “Veja” é a mesma que os EUA oferecem à Ucrânia.
Está claro, por essa capa oportunista e velhaca, qual é a pauta dos setores que não aceitam o Brasil um pouquinho mais avançado dos últimos anos: é jogar tudo no “caos”, na “barbárie”, na insegurança. O Brasil é a jóia da coroa na América Latina em 2014. Tão importante quanto a Ucrânia no leste europeu, tão estratégico quanto a Síria no Oriente Médio.
Não sejamos ingênuos. A velha imprensa brasileira – que se reúne com embaixadores dos EUA às escondidas (isso desde 64, mas também em 2010 – como nos revelou o Wikileaks) – é parte decisiva no jogo pesado que veremos em 2014.
A oposição brasileira não tem programa. A economia não afunda como gostariam os urubulinos. Portanto, é preciso produzir a pauta do caos. Esse é o caldo de cultura em que podem prosperar candidaturas “justiceiras” que a “Veja”, os mervais e outros quetais estão prontos a lançar.
Para retomar o Estado brasileiro, eles pouco se lixam se o preço a pagar for a ebulição social. Aécio e Eduardo não darão conta dessa pauta da “ordem contra a barbárie”. A pauta do caos e do Brasil “inviável” (que está na capa da “Veja”) é boa para aventuras autoritárias – semelhantes ao janismo de 1960.
Quem pode encarnar esse figurino? Quem? O terreno vai sendo preparado…
 Não creio que o povo brasileiro – equilibrado, sim! E que trabalha duro para construir um país “viável”, sim – não creio que a maioria de nosso povo embarque na aventura da “ordem contra a barbárie” – proposta pela revista. Mas a direita asquerosa e velhaca vai tentar.
O roteiro está claro. É preciso estar atento. E não cair na esparrela de acreditar que a “Veja” – de repente – converteu-se à “Civilização”.
 A “Veja” é a barbárie. No jornalismo, na política, na vida do brasileiro comum.
A “Veja” – se pudesse – prenderia o pescoço do povo brasileiro no poste. Mas não vai conseguir. Vai perder – de novo.

Pizzolato, perseguido político


Não se deve confundir o principal e o acessório na prisão de um condenado pela AP 470
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog. 07/02/2014


No momento em que se assiste a uma pequena festa cívica por causa da prisão de Henrique Pizzolato na Itália, convém conhecer melhor alguns dados da ação penal 470.
É importante, nessa hora, não confundir o assessório com a substância.
Pizzolato foi condenado por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Mas é bom reconhecer o caráter precário dessas afirmações.
Nem vou falar aqui do inquérito 2474, com 78 volumes de provas e testemunhos – inclusive um caudaloso relatório da Polícia Federal – que sequer foram examinados pelos ministros. Foram mantidos em segredo, do próprio STF, em decisão tomada em 2011, com o argumento de que era preciso dar “celeridade” ao processo. Tá bom: celeridade no destino dos outros não arde, nós sabemos.
Vamos em frente e examinar alguns pontos.
Por exemplo. Em novembro de 2007, o STF aceitou a denuncia contra Pizzolato (e outros 39 réus). Mas os ministros votaram no escuro, sem conhecer todas cartas que deveriam estar à mesa. Só depois de votar eles puderam ler o inquérito 2828. Embora este documento, do Instituto Nacional de Criminalística, estivesse pronto desde dezembro de 2006, só foi distribuído aos ministros um mês depois da aceitação da denúncia, quando os acusados já haviam sido transformados em réus, naquela decisão em que se votou “com faca no pescoço,” como disse Ricardo Lewandovski. Antes disso, o 2828 foi mantido em sigilo por Joaquim Barbosa.
Entre outras coisas, lê-se no inquérito 2828 uma questão básica para se entender o papel de Pizzolato na AP 470.
O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a DNA?
Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para desviar dinheiro para comprar um picolé na praia.
O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005. O texto faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida. Não vou escrever o nome deles aqui porque este não é meu papel. O importante é saber que Henrique Pizzolato não se encontra entre eles. Nenhum dos responsáveis, autorizados a liberar o dinheiro, foi indiciado nem julgado. Pizzolato foi condenado como “único responsável” pelos pagamentos. Não era único nem era o responsável.
Outro exemplo. Em novembro de 2005, seis meses depois da célebre entrevista de Roberto Jefferson, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet. É muito ilustrativo e chocante, quando se vê o que ocorreu depois,
Numa denúncia baseada em desvio de dinheiro público, os parlamentares perguntaram:
A Visanet é uma empresa pública?
Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”
Qual era a relação do senhor Henrique Pizzolato com a Visanet?
“Nenhuma. ”
Outro exemplo. Pizzolato foi acusado de prorrogar o contrato da DNA com o Banco do Brasil para beneficiar o esquema. Não custa lembrar que as prorrogações de contrato são autorizadas por lei, e podem ocorrer três prorrogações de um novo contrato antes de se fazer uma nova licitação. Em 11 de fevereiro de 2003, logo depois da posse de Lula, o Banco do Brasil fez a terceira prorrogação do contrato com a DNA, por seis meses. As duas anteriores haviam sido assinadas em 2001, e 2002, quando o PSDB estava no governo. A prorrogação foi assinada por três diretores. Pizzolato não é um deles nem poderia. Só tomou posse no banco uma semana depois. Ou seja: quando o contrato já fora prorrogado.
Outro exemplo. Conforme a denuncia, o pagamento indevido de bônus de volume às agências teria sido uma forma de desviar dinheiro do Banco do Brasil. Até executivos da Globo prestaram depoimento, mostrando que essa visão era distorcida, pois ignorava o funcionamento real do mercado publicitário. Em julho de 2009, Joaquim Barbosa enviou um conjunto de perguntas a direção do Banco do Brasil. Entre outras questões, queria saber se o Banco estava cobrando “a devolução ou o ressarcimento de valores pagos a título de bônus de volume.”
Lembrando que os recursos da Visanet não eram de sua propriedade, a resposta do Banco é enfática: “conforme referido no relatório de auditoria, a origem, propriedade e gestão dos recursos do Fundo Visanet pertenciam a Visanet. (…) Quem se apresentava como titular desses recursos no plano material era a Visanet, posição exteriorizada no regulamento instituidor do Fundo.” O documento conclui: “desse modo, o Banco do Brasil não tem legitimidade ativa para propor eventual ação de ressarcimento. ”
É isso que está escrito. A direção jurídica do BB, a qual Pizzolato deve obediência na matéria, diz que a pergunta do relator envolvia uma cobrança que não tinha “legitimidade.”
Não vou prosseguir aqui para não cansar demais. Só lembro estes fatos para mostrar o seguinte.
Nós sabemos por que Pizzolato foi condenado e imagino que muita gente está pensando nisso agora.
Teria aparecido, teoricamente, um ato de ofício capaz de estabelecer a ligação entre suas decisões como diretor de marketing e o recebimento de R$ 326 000 em sua casa. A acusação sustenta que ele ganhou esse dinheiro como pagamento pelos serviços prestados ao esquema. Ele diz que eram recursos para o PT e ninguém é obrigado a acreditar em qualquer versão.
Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser. Mas eu acho, humildemente, que os fatos acima, que descrevem o papel de Pizzolato, mostram o seguinte. Mesmo que quisesse prestar serviços ilícitos ao esquema, não tinha autoridade nem poderes para tanto. Não podia fazer o que dizem ter feito – muito menos sozinho. Não era o diretor que fazia o pagamento de recursos. Não decidiu a prorrogação dos contratos. Sua relação com a Visanet era “nenhuma”. A cobrança de Joaquim Barbosa, pelo ressarcimento do Bonus de Volume, simplesmente não tinha “legitimidade,” diz o jurídico do banco.
Dá para entender? Dá. É só aceitar a ideia — dolorosa, difícil, mas real — de que o STF fez um julgamento de exceção, aplicando regras que nunca foram aplicadas antes e dificilmente irão se repetir.
Como demonstrou o professor Dalmo Dallari, o STF sequer tinha autoridade constitucional para julgar, em primeira instância, réus que não tinham direito ao foro privilegiado, o que demonstra o caráter questionável de suas decisões. Não custa lembrar – é cansativo mas educativo – que o mensalão PSDB-MG e o mensalão DEM-DF não serão julgados da mesma maneira. Numa atitude que equivale a admitir o erro mais uma vez – só falta agora saber quem vai pagar a conta da AP 470 – até o propinoduto tucano será julgado, se isso acontecer, pelo sistema de desmembramento. Precisa de mais?
Acho que não.
É neste ambiente que se deve enxergar a fuga de Pizzolato, os passaportes falsos e outros momentos que levaram a sua prisão na Itália.
Pizzolato, perseguido político
Não se deve confundir o principal e o acessório na prisão de um condenado pela AP 470
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog.
No momento em que se assiste a uma pequena festa cívica por causa da prisão de Henrique Pizzolato na Itália, convém conhecer melhor alguns dados da ação penal 470.
É importante, nessa hora, não confundir o assessório com a substância.
Pizzolato foi condenado por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Mas é bom reconhecer o caráter precário dessas afirmações.
Nem vou falar aqui do inquérito 2474, com 78 volumes de provas e testemunhos – inclusive um caudaloso relatório da Polícia Federal – que sequer foram examinados pelos ministros. Foram mantidos em segredo, do próprio STF, em decisão tomada em 2011, com o argumento de que era preciso dar “celeridade” ao processo. Tá bom: celeridade no destino dos outros não arde, nós sabemos.
Vamos em frente e examinar alguns pontos.
Por exemplo. Em novembro de 2007, o STF aceitou a denuncia contra Pizzolato (e outros 39 réus). Mas os ministros votaram no escuro, sem conhecer todas cartas que deveriam estar à mesa. Só depois de votar eles puderam ler o inquérito 2828. Embora este documento, do Instituto Nacional de Criminalística, estivesse pronto desde dezembro de 2006, só foi distribuído aos ministros um mês depois da aceitação da denúncia, quando os acusados já haviam sido transformados em réus, naquela decisão em que se votou “com faca no pescoço,” como disse Ricardo Lewandovski. Antes disso, o 2828 foi mantido em sigilo por Joaquim Barbosa.
Entre outras coisas, lê-se no inquérito 2828 uma questão básica para se entender o papel de Pizzolato na AP 470.
O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a DNA?
Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para desviar dinheiro para comprar um picolé na praia.
O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005. O texto faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida. Não vou escrever o nome deles aqui porque este não é meu papel. O importante é saber que Henrique Pizzolato não se encontra entre eles. Nenhum dos responsáveis, autorizados a liberar o dinheiro, foi indiciado nem julgado. Pizzolato foi condenado como “único responsável” pelos pagamentos. Não era único nem era o responsável.
Outro exemplo. Em novembro de 2005, seis meses depois da célebre entrevista de Roberto Jefferson, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet. É muito ilustrativo e chocante, quando se vê o que ocorreu depois,
Numa denúncia baseada em desvio de dinheiro público, os parlamentares perguntaram:
A Visanet é uma empresa pública?
Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”
Qual era a relação do senhor Henrique Pizzolato com a Visanet?
“Nenhuma. ”
Outro exemplo. Pizzolato foi acusado de prorrogar o contrato da DNA com o Banco do Brasil para beneficiar o esquema. Não custa lembrar que as prorrogações de contrato são autorizadas por lei, e podem ocorrer três prorrogações de um novo contrato antes de se fazer uma nova licitação. Em 11 de fevereiro de 2003, logo depois da posse de Lula, o Banco do Brasil fez a terceira prorrogação do contrato com a DNA, por seis meses. As duas anteriores haviam sido assinadas em 2001, e 2002, quando o PSDB estava no governo. A prorrogação foi assinada por três diretores. Pizzolato não é um deles nem poderia. Só tomou posse no banco uma semana depois. Ou seja: quando o contrato já fora prorrogado.
Outro exemplo. Conforme a denuncia, o pagamento indevido de bônus de volume às agências teria sido uma forma de desviar dinheiro do Banco do Brasil. Até executivos da Globo prestaram depoimento, mostrando que essa visão era distorcida, pois ignorava o funcionamento real do mercado publicitário. Em julho de 2009, Joaquim Barbosa enviou um conjunto de perguntas a direção do Banco do Brasil. Entre outras questões, queria saber se o Banco estava cobrando “a devolução ou o ressarcimento de valores pagos a título de bônus de volume.”
Lembrando que os recursos da Visanet não eram de sua propriedade, a resposta do Banco é enfática: “conforme referido no relatório de auditoria, a origem, propriedade e gestão dos recursos do Fundo Visanet pertenciam a Visanet. (…) Quem se apresentava como titular desses recursos no plano material era a Visanet, posição exteriorizada no regulamento instituidor do Fundo.” O documento conclui: “desse modo, o Banco do Brasil não tem legitimidade ativa para propor eventual ação de ressarcimento. ”
É isso que está escrito. A direção jurídica do BB, a qual Pizzolato deve obediência na matéria, diz que a pergunta do relator envolvia uma cobrança que não tinha “legitimidade.”
Não vou prosseguir aqui para não cansar demais. Só lembro estes fatos para mostrar o seguinte.
Nós sabemos por que Pizzolato foi condenado e imagino que muita gente está pensando nisso agora.
Teria aparecido, teoricamente, um ato de ofício capaz de estabelecer a ligação entre suas decisões como diretor de marketing e o recebimento de R$ 326 000 em sua casa. A acusação sustenta que ele ganhou esse dinheiro como pagamento pelos serviços prestados ao esquema. Ele diz que eram recursos para o PT e ninguém é obrigado a acreditar em qualquer versão.
Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser. Mas eu acho, humildemente, que os fatos acima, que descrevem o papel de Pizzolato, mostram o seguinte. Mesmo que quisesse prestar serviços ilícitos ao esquema, não tinha autoridade nem poderes para tanto. Não podia fazer o que dizem ter feito – muito menos sozinho. Não era o diretor que fazia o pagamento de recursos. Não decidiu a prorrogação dos contratos. Sua relação com a Visanet era “nenhuma”. A cobrança de Joaquim Barbosa, pelo ressarcimento do Bonus de Volume, simplesmente não tinha “legitimidade,” diz o jurídico do banco.
Dá para entender? Dá. É só aceitar a ideia — dolorosa, difícil, mas real — de que o STF fez um julgamento de exceção, aplicando regras que nunca foram aplicadas antes e dificilmente irão se repetir.
Como demonstrou o professor Dalmo Dallari, o STF sequer tinha autoridade constitucional para julgar, em primeira instância, réus que não tinham direito ao foro privilegiado, o que demonstra o caráter questionável de suas decisões. Não custa lembrar – é cansativo mas educativo – que o mensalão PSDB-MG e o mensalão DEM-DF não serão julgados da mesma maneira. Numa atitude que equivale a admitir o erro mais uma vez – só falta agora saber quem vai pagar a conta da AP 470 – até o propinoduto tucano será julgado, se isso acontecer, pelo sistema de desmembramento. Precisa de mais?
Acho que não.
É neste ambiente que se deve enxergar a fuga de Pizzolato, os passaportes falsos e outros momentos que levaram a sua prisão na Itália.
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Pizzolato, perseguido político
Não se deve confundir o principal e o acessório na prisão de um condenado pela AP 470
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog.
No momento em que se assiste a uma pequena festa cívica por causa da prisão de Henrique Pizzolato na Itália, convém conhecer melhor alguns dados da ação penal 470.
É importante, nessa hora, não confundir o assessório com a substância.
Pizzolato foi condenado por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Mas é bom reconhecer o caráter precário dessas afirmações.
Nem vou falar aqui do inquérito 2474, com 78 volumes de provas e testemunhos – inclusive um caudaloso relatório da Polícia Federal – que sequer foram examinados pelos ministros. Foram mantidos em segredo, do próprio STF, em decisão tomada em 2011, com o argumento de que era preciso dar “celeridade” ao processo. Tá bom: celeridade no destino dos outros não arde, nós sabemos.
Vamos em frente e examinar alguns pontos.
Por exemplo. Em novembro de 2007, o STF aceitou a denuncia contra Pizzolato (e outros 39 réus). Mas os ministros votaram no escuro, sem conhecer todas cartas que deveriam estar à mesa. Só depois de votar eles puderam ler o inquérito 2828. Embora este documento, do Instituto Nacional de Criminalística, estivesse pronto desde dezembro de 2006, só foi distribuído aos ministros um mês depois da aceitação da denúncia, quando os acusados já haviam sido transformados em réus, naquela decisão em que se votou “com faca no pescoço,” como disse Ricardo Lewandovski. Antes disso, o 2828 foi mantido em sigilo por Joaquim Barbosa.
Entre outras coisas, lê-se no inquérito 2828 uma questão básica para se entender o papel de Pizzolato na AP 470.
O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a DNA?
Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para desviar dinheiro para comprar um picolé na praia.
O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005. O texto faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida. Não vou escrever o nome deles aqui porque este não é meu papel. O importante é saber que Henrique Pizzolato não se encontra entre eles. Nenhum dos responsáveis, autorizados a liberar o dinheiro, foi indiciado nem julgado. Pizzolato foi condenado como “único responsável” pelos pagamentos. Não era único nem era o responsável.
Outro exemplo. Em novembro de 2005, seis meses depois da célebre entrevista de Roberto Jefferson, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet. É muito ilustrativo e chocante, quando se vê o que ocorreu depois,
Numa denúncia baseada em desvio de dinheiro público, os parlamentares perguntaram:
A Visanet é uma empresa pública?
Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”
Qual era a relação do senhor Henrique Pizzolato com a Visanet?
“Nenhuma. ”
Outro exemplo. Pizzolato foi acusado de prorrogar o contrato da DNA com o Banco do Brasil para beneficiar o esquema. Não custa lembrar que as prorrogações de contrato são autorizadas por lei, e podem ocorrer três prorrogações de um novo contrato antes de se fazer uma nova licitação. Em 11 de fevereiro de 2003, logo depois da posse de Lula, o Banco do Brasil fez a terceira prorrogação do contrato com a DNA, por seis meses. As duas anteriores haviam sido assinadas em 2001, e 2002, quando o PSDB estava no governo. A prorrogação foi assinada por três diretores. Pizzolato não é um deles nem poderia. Só tomou posse no banco uma semana depois. Ou seja: quando o contrato já fora prorrogado.
Outro exemplo. Conforme a denuncia, o pagamento indevido de bônus de volume às agências teria sido uma forma de desviar dinheiro do Banco do Brasil. Até executivos da Globo prestaram depoimento, mostrando que essa visão era distorcida, pois ignorava o funcionamento real do mercado publicitário. Em julho de 2009, Joaquim Barbosa enviou um conjunto de perguntas a direção do Banco do Brasil. Entre outras questões, queria saber se o Banco estava cobrando “a devolução ou o ressarcimento de valores pagos a título de bônus de volume.”
Lembrando que os recursos da Visanet não eram de sua propriedade, a resposta do Banco é enfática: “conforme referido no relatório de auditoria, a origem, propriedade e gestão dos recursos do Fundo Visanet pertenciam a Visanet. (…) Quem se apresentava como titular desses recursos no plano material era a Visanet, posição exteriorizada no regulamento instituidor do Fundo.” O documento conclui: “desse modo, o Banco do Brasil não tem legitimidade ativa para propor eventual ação de ressarcimento. ”
É isso que está escrito. A direção jurídica do BB, a qual Pizzolato deve obediência na matéria, diz que a pergunta do relator envolvia uma cobrança que não tinha “legitimidade.”
Não vou prosseguir aqui para não cansar demais. Só lembro estes fatos para mostrar o seguinte.
Nós sabemos por que Pizzolato foi condenado e imagino que muita gente está pensando nisso agora.
Teria aparecido, teoricamente, um ato de ofício capaz de estabelecer a ligação entre suas decisões como diretor de marketing e o recebimento de R$ 326 000 em sua casa. A acusação sustenta que ele ganhou esse dinheiro como pagamento pelos serviços prestados ao esquema. Ele diz que eram recursos para o PT e ninguém é obrigado a acreditar em qualquer versão.
Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser. Mas eu acho, humildemente, que os fatos acima, que descrevem o papel de Pizzolato, mostram o seguinte. Mesmo que quisesse prestar serviços ilícitos ao esquema, não tinha autoridade nem poderes para tanto. Não podia fazer o que dizem ter feito – muito menos sozinho. Não era o diretor que fazia o pagamento de recursos. Não decidiu a prorrogação dos contratos. Sua relação com a Visanet era “nenhuma”. A cobrança de Joaquim Barbosa, pelo ressarcimento do Bonus de Volume, simplesmente não tinha “legitimidade,” diz o jurídico do banco.
Dá para entender? Dá. É só aceitar a ideia — dolorosa, difícil, mas real — de que o STF fez um julgamento de exceção, aplicando regras que nunca foram aplicadas antes e dificilmente irão se repetir.
Como demonstrou o professor Dalmo Dallari, o STF sequer tinha autoridade constitucional para julgar, em primeira instância, réus que não tinham direito ao foro privilegiado, o que demonstra o caráter questionável de suas decisões. Não custa lembrar – é cansativo mas educativo – que o mensalão PSDB-MG e o mensalão DEM-DF não serão julgados da mesma maneira. Numa atitude que equivale a admitir o erro mais uma vez – só falta agora saber quem vai pagar a conta da AP 470 – até o propinoduto tucano será julgado, se isso acontecer, pelo sistema de desmembramento. Precisa de mais?
Acho que não.
É neste ambiente que se deve enxergar a fuga de Pizzolato, os passaportes falsos e outros momentos que levaram a sua prisão na Itália.
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Não se deve confundir o principal e o acessório na prisão de um condenado pela AP 470
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog.
No momento em que se assiste a uma pequena festa cívica por causa da prisão de Henrique Pizzolato na Itália, convém conhecer melhor alguns dados da ação penal 470.
É importante, nessa hora, não confundir o assessório com a substância.
Pizzolato foi condenado por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Mas é bom reconhecer o caráter precário dessas afirmações.
Nem vou falar aqui do inquérito 2474, com 78 volumes de provas e testemunhos – inclusive um caudaloso relatório da Polícia Federal – que sequer foram examinados pelos ministros. Foram mantidos em segredo, do próprio STF, em decisão tomada em 2011, com o argumento de que era preciso dar “celeridade” ao processo. Tá bom: celeridade no destino dos outros não arde, nós sabemos.
Vamos em frente e examinar alguns pontos.
Por exemplo. Em novembro de 2007, o STF aceitou a denuncia contra Pizzolato (e outros 39 réus). Mas os ministros votaram no escuro, sem conhecer todas cartas que deveriam estar à mesa. Só depois de votar eles puderam ler o inquérito 2828. Embora este documento, do Instituto Nacional de Criminalística, estivesse pronto desde dezembro de 2006, só foi distribuído aos ministros um mês depois da aceitação da denúncia, quando os acusados já haviam sido transformados em réus, naquela decisão em que se votou “com faca no pescoço,” como disse Ricardo Lewandovski. Antes disso, o 2828 foi mantido em sigilo por Joaquim Barbosa.
Entre outras coisas, lê-se no inquérito 2828 uma questão básica para se entender o papel de Pizzolato na AP 470.
O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a DNA?
Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para desviar dinheiro para comprar um picolé na praia.
O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005. O texto faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida. Não vou escrever o nome deles aqui porque este não é meu papel. O importante é saber que Henrique Pizzolato não se encontra entre eles. Nenhum dos responsáveis, autorizados a liberar o dinheiro, foi indiciado nem julgado. Pizzolato foi condenado como “único responsável” pelos pagamentos. Não era único nem era o responsável.
Outro exemplo. Em novembro de 2005, seis meses depois da célebre entrevista de Roberto Jefferson, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet. É muito ilustrativo e chocante, quando se vê o que ocorreu depois,
Numa denúncia baseada em desvio de dinheiro público, os parlamentares perguntaram:
A Visanet é uma empresa pública?
Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”
Qual era a relação do senhor Henrique Pizzolato com a Visanet?
“Nenhuma. ”
Outro exemplo. Pizzolato foi acusado de prorrogar o contrato da DNA com o Banco do Brasil para beneficiar o esquema. Não custa lembrar que as prorrogações de contrato são autorizadas por lei, e podem ocorrer três prorrogações de um novo contrato antes de se fazer uma nova licitação. Em 11 de fevereiro de 2003, logo depois da posse de Lula, o Banco do Brasil fez a terceira prorrogação do contrato com a DNA, por seis meses. As duas anteriores haviam sido assinadas em 2001, e 2002, quando o PSDB estava no governo. A prorrogação foi assinada por três diretores. Pizzolato não é um deles nem poderia. Só tomou posse no banco uma semana depois. Ou seja: quando o contrato já fora prorrogado.
Outro exemplo. Conforme a denuncia, o pagamento indevido de bônus de volume às agências teria sido uma forma de desviar dinheiro do Banco do Brasil. Até executivos da Globo prestaram depoimento, mostrando que essa visão era distorcida, pois ignorava o funcionamento real do mercado publicitário. Em julho de 2009, Joaquim Barbosa enviou um conjunto de perguntas a direção do Banco do Brasil. Entre outras questões, queria saber se o Banco estava cobrando “a devolução ou o ressarcimento de valores pagos a título de bônus de volume.”
Lembrando que os recursos da Visanet não eram de sua propriedade, a resposta do Banco é enfática: “conforme referido no relatório de auditoria, a origem, propriedade e gestão dos recursos do Fundo Visanet pertenciam a Visanet. (…) Quem se apresentava como titular desses recursos no plano material era a Visanet, posição exteriorizada no regulamento instituidor do Fundo.” O documento conclui: “desse modo, o Banco do Brasil não tem legitimidade ativa para propor eventual ação de ressarcimento. ”
É isso que está escrito. A direção jurídica do BB, a qual Pizzolato deve obediência na matéria, diz que a pergunta do relator envolvia uma cobrança que não tinha “legitimidade.”
Não vou prosseguir aqui para não cansar demais. Só lembro estes fatos para mostrar o seguinte.
Nós sabemos por que Pizzolato foi condenado e imagino que muita gente está pensando nisso agora.
Teria aparecido, teoricamente, um ato de ofício capaz de estabelecer a ligação entre suas decisões como diretor de marketing e o recebimento de R$ 326 000 em sua casa. A acusação sustenta que ele ganhou esse dinheiro como pagamento pelos serviços prestados ao esquema. Ele diz que eram recursos para o PT e ninguém é obrigado a acreditar em qualquer versão.
Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser. Mas eu acho, humildemente, que os fatos acima, que descrevem o papel de Pizzolato, mostram o seguinte. Mesmo que quisesse prestar serviços ilícitos ao esquema, não tinha autoridade nem poderes para tanto. Não podia fazer o que dizem ter feito – muito menos sozinho. Não era o diretor que fazia o pagamento de recursos. Não decidiu a prorrogação dos contratos. Sua relação com a Visanet era “nenhuma”. A cobrança de Joaquim Barbosa, pelo ressarcimento do Bonus de Volume, simplesmente não tinha “legitimidade,” diz o jurídico do banco.
Dá para entender? Dá. É só aceitar a ideia — dolorosa, difícil, mas real — de que o STF fez um julgamento de exceção, aplicando regras que nunca foram aplicadas antes e dificilmente irão se repetir.
Como demonstrou o professor Dalmo Dallari, o STF sequer tinha autoridade constitucional para julgar, em primeira instância, réus que não tinham direito ao foro privilegiado, o que demonstra o caráter questionável de suas decisões. Não custa lembrar – é cansativo mas educativo – que o mensalão PSDB-MG e o mensalão DEM-DF não serão julgados da mesma maneira. Numa atitude que equivale a admitir o erro mais uma vez – só falta agora saber quem vai pagar a conta da AP 470 – até o propinoduto tucano será julgado, se isso acontecer, pelo sistema de desmembramento. Precisa de mais?
Acho que não.
É neste ambiente que se deve enxergar a fuga de Pizzolato, os passaportes falsos e outros momentos que levaram a sua prisão na Itália.
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