domingo, 30 de março de 2014

STF fez imenso favor ao PSDB

 Antonio Lassance, no sítioCarta Maior:



O Supremo Tribunal Federal fez um imenso favor ao PSDB. Livrou Eduardo Azeredo, do PSDB-MG, de responder, perante o STF, pelos crimes de que é acusado, no chamado “mensalão tucano”.

Alívio para o réu e seu candidato, Aécio Neves. Eles podem comemorar, quem sabe, com um vinho da mesma marca que Merval Pereira e Carlos Alberto Sardenberg apostaram, na CBN, em tom de chacota, para se enebriar com a prisão dos petistas. “Tim-tim”! Um brinde aos dois pesos e duas medidas.

Comparada à fúria com que tratou os petistas na Ação Penal 470, a sessão que tirou Azeredo da reta do Supremo marcou a volta da tranquilidade e da troca de gentilezas às quais a Suprema Corte já parecia desacostumada.

Ninguém bateu boca, ninguém insultou ninguém. Nada como um julgamento de tucano para que os ministros do STF demonstrem que todos estão entre amigos, e o quanto suas excelências são homens cordiais, e não chefes de capangas. Águas passadas, pelo menos, até que apareça outro petista na reta.

Em ano eleitoral, a decisão vale ouro. O STF aliviou para Azeredo, que viu seu processo voltar à estaca zero. Agora, vai responder perante um juiz de primeira instância. Depois, poderá recorrer indefinidamente, até ver sua ação retornar, mais uma vez, ao Supremo.

Quando isso acontecer, muitos dos atuais ministros não mais estarão por lá. Os remanescentes, com mais cabelos brancos, ou cabelo algum, terão que reavivar a memória ou fazer um Google para relembrar quem é Azeredo e o que disseram a seu respeito.

Aécio e o PSDB, ao contrário do que aconteceu com o PT, enfrentarão as urnas sem um condenado enclausurado para ser utilizado pela campanha adversária. Melhor, impossível.

Péssimo exemplo para a Justiça brasileira

O inquérito e a ação penal contra Azeredo tornaram-se um péssimo exemplo para a Justiça brasileira. Para quem dizia que a AP 470 era um divisor de águas, a ação penal contra Eduardo Azeredo foi uma ducha de água fria.

As denúncias contra o tucano vieram à tona no mesmo ano de 2005 e pelo mesmo Marcos Valério, pivô do escândalo contra os petistas. Tudo na mesma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, a CPMI “dos Correios”.

Por alguma razão misteriosa, enquanto a PGR autuou o inquérito contra os petistas em 2007, o de Azeredo só foi providencialmente enviado em 2009.

Agora é tarde para julgar Azeredo

O então Procurador, Roberto Gurgel, demorou quatro anos para constatar o óbvio: que o mensalão tucano “retrata a mesma estrutura operacional” e "envolve basicamente as mesmas empresas do grupo de Marcos Valério e o mesmo grupo financeiro (Banco Rural)” que estavam presentes na AP 470. Quatro anos para se chegar a essa conclusão banal merecem um sorvete na testa.

A única diferença substancial entre os dois escândalos era justamente o tempo. As acusações contra Azeredo eram do século passado. Se referiam à sua campanha a governador em 1998.

Tivesse Gurgel dado prioridade à acusação mais antiga, os principais crimes de que Azeredo é acusado não estariam prescritos.

No STF, o inquérito contra Azeredo virou a Ação Penal 536. Seu primeiro relator foi ninguém menos que Joaquim Barbosa.

Barbosa, sem alarde, sem esbravejar, declarou Azeredo livre do crime de formação de quadrilha “até mesmo porque já estaria prescrito pela pena em abstrato”, disse no voto em que se desmembrou aquele processo.

Azeredo também está livre de ser julgado por corrupção ativa e corrupção passiva. Tudo prescrito, graças à demora da Procuradoria e ao "cochilo" do STF.

Contra o tucano, ninguém gritou pela urgência dos prazos, ao contrário do que fez Gilmar Mendes com Joaquim Barbosa, publicamente acusado de demorar demais a trazer os petistas a julgamento.

Sobre Azeredo, apareceu um Joaquim Barbosa de cabeça baixa e discurso modorrento, que esboçou uma desavença meramente protocolar com a decisão de tirar do Supremo o julgamento desse acusado.

Barbosa, mais uma vez, jogou para a plateia, sem antes sonegar um fato tão concreto quanto seu apartamento em Miami: o julgamento de Azeredo, seja onde for, não levará a nada.

A impunidade já está sacramentada, em grande medida, com o festival de prescrições que o ex-Procurador e o Supremo lhe deram de presente. Belo trabalho.

Critério claro e cristalino

Foi uma tarde triste para o Supremo, mas Joaquim Barbosa sequer se deu ao trabalho de franzir a testa. Nem gastou sua saliva para cuspir uma única diatribe.

De maneira patética, a maior parte da sessão que livrou Azeredo foi gasta com a tentativa de se dizer que haverá algum critério para novos julgamentos em que acusados renunciem a seus mandatos. Critério?

Marco Aurélio Mello foi o primeiro a reagir que não se pode obrigar os ministros do Supremo a decidirem sempre do mesmo jeito.

Luís Roberto Barroso pediu, encarecidamente, a compreensão de todos para se dar uma resposta à opinião pública. Como explicar que se julgou os petistas de um jeito, e os tucanos, de outro? Como evitar que isso seja considerado um casuísmo? Impossível. Casuísmo feito, casuísmo é.

Resultado? A sessão acabou sem se definir critério algum. Para contribuir com a discussão, Joaquim Barbosa reclamou que estava atrasado para um evento.

Assim sendo, o único e verdadeiro critério já está claríssimo. Só não vê quem não quer. Para ser condenado, o réu tem que ser filiado ao PT, de preferência, ou ter sido apoiador de algum de seus governos.

Enquanto isso, os tucanos colecionaram mais um caso em que foram acusados de inúmeros crimes, mas tudo ficou por isso mesmo.

sábado, 29 de março de 2014

Decisão acertada sobre Azeredo desmascara AP470


Breno Altman


O Supremo Tribunal Federal deliberou, por 8 votos a 1, pela remessa do processo contra o ex-deputado Eduardo Azeredo à primeira instância, nas montanhas de sua Minas Gerais, onde responderá pelo mensalão tucano.

Tal resolução, a bem da verdade, guarda coerência com outra, tomada há algumas semanas, que estabeleceu desmembramento de processos que envolvam cidadãos com e sem foro privilegiado, ainda quando partilhando a mesma denúncia penal. Aqueles que não possuírem alçada federal, serão remetidos para o pé da pirâmide judicial, com direito a dois ou até três graus de apelação.

Pode-se especular que o ex-presidente do PSDB renunciou ao mandato parlamentar por razões maliciosas, apenas para ganhar tempo e aumentar as chances de prescrição para eventuais crimes, além de buscar a tranquilidade de uma comarca na qual exerça maior influência. Mas não há qualquer dúvida que a atitude tomada por Azeredo, trocando sua cadeira na Câmara por maior segurança jurídica, está protegida por direitos constitucionais. Como reconheceu, aliás, a própria corte suprema.

Talvez seja pertinente a crítica moral. Ao contrário de José Dirceu, que recusou abdicar do parlamento para escapar da cassação, preferindo o combate político ao cálculo de oportunidades, o outrora governador mineiro resolveu escapar pela porta dos fundos. Não é bonito, tampouco ilegal. Dirceu tem obrigação histórica e biográfica de ser como é. Azeredo contou com a possibilidade regulamentar de agir como o fez.

O mais relevante, no entanto, está na jurisprudência que acarretam as novas deliberações do STF. Depois de revisado o crime de quadrilha, caiu a segunda das quatro pilastras sobre as quais se ancorou a AP 470, qual seja, a  unificação de todas as denúncias em um só processo na corte suprema quando qualquer dos réus goza de foro privilegiado. Quando foi analisado o caso contra os petistas, apenas três dos 39 acusados eram parlamentares nacionais, mas todos foram conduzidos a julgamento em instância única.

Este procedimento, considerado fundamental para as condições de espetáculo e resultado contra Dirceu e companheiros, foi devidamente arquivado depois de ajudar o relator Joaquim Barbosa a alcançar seus objetivos. Não é à toa que o único voto contra Azeredo tenha sido o do atual presidente do STF, possivelmente pouco à vontade em corroborar, com sua própria incoerência, o caráter de exceção do encaminhamento anterior.

A mudança de critérios, de toda forma, desmascara parte dos métodos arbitrários do processo precedente, que também se encontram sob acosso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reiteradamente exigindo que todos os signatários do Pacto de San Jose ofereçam julgamento recursal em ações penais, mesmo quando os réus são enquadrados na instância superior do sistema judiciário.

Com o tempo, não irá restar pedra sobre pedra das armações que determinaram a AP 470, cujas operações foram tecidas sob medida, para ocasião única, na alfaiataria dirigida pelo ministro Barbosa. Ainda restam outras duas colunas: o domínio do fato como teoria que dispensa provas materiais concretas para condenação e o fatiamento do suposto crime de suborno em diversos delitos independentes, com a meta de garantir a devida exacerbação penal. Tampouco essas aberrações sobreviverão à via constitucional que o STF está obrigado a retomar.

Quando a normalidade jurídica estiver plenamente recuperada, porém, a corte suprema terá que resolver um dos maiores dilemas de sua história. Como irá corrigir as injustiças e desmandos que levaram à cadeia líderes históricos do PT? Quem irá pagar a conta do circo judicial e midiático montado com a única finalidade de degolá-los por crimes que jamais cometeram?

quarta-feira, 26 de março de 2014

Uma Petrobrás que incomoda muita gente...

Ligia Deslandes
Quero me desculpar pelo artigo longo, mas, não há jeito de se mostrar o que está acontecendo de outro modo.
Não é de hoje que a turma que sempre esteve na Petrobras em outros governos apronta provocando escândalos que não existem para tentar convencer a todos sobre uma suposta má gestão da empresa. Em conluio com a mídia, esses asseclas do capital estrangeiro vivem mancomunados, distorcendo notícias, estimulando invencionices e mentiras, tentando a todo custo desmoralizar a empresa através de intrigas e manipulações na mídia.
Quando cheguei ao sistema Petrobras em 1986, tudo lá cheirava a ditadura. Ex-generais mandando em setores da empresa. Ex-funcionários de empresas multinacionais (Shell, Chevron, Esso) mandando em outros departamentos. Empregados da empresa de nível médio e de nível superior não se misturavam, nem se falavam. Presidentes, Diretores, Superintendentes, Gerentes Executivos e até Gerentes Regionais indicados pelos governos e partidos que estavam no comando. Todos sangrando a empresa, fazendo seus negócios e mantendo seus cargos por conta das suas relações com o sistema de poder nacional e internacional/colonial.
A mídia tenta fazer todos crerem que as interferências políticas não existiam antes de 2002.  Mas, nós, os empregados e técnicos do sistema Petrobras sabemos que sempre existiram e com muito mais força do que depois do Governo Lula e agora, Dilma, quando foi priorizada a questão técnica acima da política. Todas as empresas do sistema cresceram e tiveram lucros muito superiores nos últimos 12 anos.
Então, quando, mais uma vez, tentam fazer do episódio Pasadena um escândalo jamais visto, por ter sido na gestão de um presidente petista, temos que lembrar algumas coisas importantes que alguns se esqueceram e outros sequer sabem. Utilizo para isso informações de um artigo de Fernando Siqueira da AEPET de 2010, com a análise dos anos anteriores às gestões pelos Governos  do PT.
Estragos produzidos na Petrobrás, pelo governo FHC, visando desnacionalizá-la:
1993 - Como ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso fez um corte de 52% no orçamento da Petrobrás, previsto para o ano de 1994, sem nenhuma fundamentação ou justificativa técnica.
Ele teria inviabilizado a empresa se não tivesse estourado o escândalo do Orçamento, fazendo com que se esquecessem da Petrobrás.
Todavia, isso causou um atraso de cerca de 6 meses na programação da empresa, que teve de mobilizar as suas melhores equipes para rever e repriorizar os projetos integrantes daquele orçamento.
1994 - Ainda como ministro da Fazenda, com a ajuda do diretor do Departamento Nacional dos Combustíveis, Fernando Henrique manipulou a estrutura de preços dos derivados do petróleo, de forma que, nos 6 últimos meses que antecederam o Plano Real, a Petrobrás teve aumentos mensais, na sua parcela dos combustíveis, em valores 8% abaixo da inflação. Por outro lado, o cartel internacional das distribuidoras de derivados teve, nas suas parcelas, aumentos de 32% acima da inflação.
Isto significou uma transferência anual, permanente, de cerca de US$ 3 bilhões do faturamento da Petrobrás para o cartel dessas distribuidoras.
A forma de fazer isso foi através dos dois aumentos mensais, que eram concedidos aos derivados, pelo fato da Petrobrás comprar o petróleo em dólares, no exterior, e vender no mercado, em moeda nacional. Havia uma inflação alta e uma desvalorização diária da nossa moeda. Os dois aumentos repunham parte das perdas que a Petrobrás sofria devido a essa desvalorização.
Mais incrível: a Petrobrás vendia os derivados para o cartel e este, além de pagá-la só 30 a 50 dias depois, ainda aplicava esses valores, e o valor dos tributos retidos para posterior repasse ao Tesouro, no mercado financeiro, obtendo daí vultosos ganhos financeiros, em face da inflação galopante então presente. Quando o Plano Real começou a ser implantado, com o objetivo de acabar com a inflação, o cartel reivindicou uma parcela maior nos aumentos, porque iria perder aquele duplo e absurdo lucro.
1995 - Em fevereiro, já como presidente, FHC proibiu a ida de funcionários de estatais ao Congresso para prestar informações aos parlamentares e ajudá-los a exercer seus mandatos com respaldo em informações corretas.
Assim, os parlamentares ficaram reféns das manipulações da imprensa comprometida. As informações dadas aos parlamentares no governo de Itamar Franco, como dito acima, haviam impedido a revisão da Constituição Federal com um claro viés neoliberal.
Fernando Henrique emitiu um decreto, nº 1403/95, que instituía um órgão de inteligência, o SIAL, Serviço de Informação e Apoio Legislativo, com o objetivo de espionar os funcionários de estatais que fossem a Brasília falar com parlamentares. Se descobertos, seriam demitidos.
Assim, tendo tempo de trabalho para me aposentar, solicitei a aposentadoria e fui para Brasília por conta da Associação. Tendo recursos bem menores que a Petrobrás (que, no governo Itamar Franco, enviava 15 empregados semanalmente ao Congresso), eu só podia levar mais um aposentado para ajudar no contato com os parlamentares. Um dos nossos dirigentes, Argemiro Pertence, mudou-se para Brasília, às suas expensas, para ajudar nesse trabalho.
Também em 1995, FHC deflagrou o contrato e a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil, que foi o pior contrato que a Petrobrás assinou em sua história. FHC, como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, funcionou como lobista em favor do gasoduto. Como presidente, suspendeu 15 projetos de hidrelétricas em diversas fases, para tornar o gasoduto irreversível. Este fato, mais tarde, acarretaria o “apagão” no setor elétrico brasileiro.
As empresas estrangeiras, comandadas pela Enron e Repsol, donas das reservas de gás na Bolívia, só tinham como mercado o Brasil. Mas a construção do gasoduto era economicamente inviável. A taxa de retorno era de 10% ao ano, enquanto o custo financeiro era de 12% ao ano. Por isso, pressionaram o governo a determinar que a Petrobrás assumisse a construção. A empresa foi obrigada a destinar recursos da Bacia de Campos, onde a taxa de retorno era de 80%, para investir nesse empreendimento.
O contrato foi ruim para o Brasil pelas seguintes razões: mudança da matriz energética para pior, mais suja; ficar dependente de insumo externo dominado por corporações internacionais, com o preço atrelado ao do petróleo e valorada em moeda forte.
Foi ruim para a Bolívia, que só recebia 18% pela entrega de uma de suas últimas riquezas, a mais significativa. Evo Morales elevou essa participação para 80% (a média mundial de participação dos países exportadores é de 84%) e todas as empresas aceitaram de bom grado.
E foi péssimo para a Petrobrás que, além de tudo, foi obrigada a assinar uma cláusula de “Take or Pay”, ou seja, comprando ou não a quantidade contratada, ela pagaria por ela. Assim, por mais de 10 anos, pagou por cerca de 10 milhões de metros cúbicos, sem conseguir vender o gás no mercado nacional.
Ainda em 1995, o governo, faltando com o compromisso assinado com a categoria, levou os petroleiros à greve, com o firme propósito de fragilizar o sindicalismo brasileiro e a sua resistência às privatizações que pretendia fazer. Havia sido assinado um acordo de aumento de salário de 13%, que foi cancelado sob a alegação de que o presidente da Petrobrás não o havia assinado. Mas o acordo foi assinado pelo então Ministro das Minas e Energia, Delcídio Amaral, pelo representante do presidente da Petrobrás e pelo Ministro da Fazenda, Ciro Gomes.
Além disso, o acordo foi assinado a partir de uma proposta apresentada pelo presidente da Petrobrás. Enfim, foi deflagrada a greve, após muita provocação, inclusive do Ministro do TST, Almir Pazzianoto, que disse que os petroleiros estavam sendo feitos de palhaços. FHC reprimiu a greve fortemente, com tropas do exército nas refinarias, para acirrar os ânimos. Mas deixou as distribuidoras multinacionais de gás e combustíveis sonegarem os produtos, pondo a culpa da escassez nos petroleiros. No fim, elas levaram 28% de aumento, enquanto os petroleiros perderam até o aumento de 13%, já pactuado e assinado.
Durante a greve, uma viatura da Rede Globo de Televisão foi apreendida nas proximidades de uma refinaria, com explosivos, provavelmente pretendendo uma ação de sabotagem que objetivava incriminar os petroleiros. No balanço final da greve, que durou mais de 30 dias, o TST estabeleceu uma multa pesada que inviabilizou a luta dos sindicatos. Por ser o segundo maior e mais forte sindicato de trabalhadores brasileiros, esse desfecho arrasador inibiu todos os demais sindicatos do país a lutar por seus direitos. E muito menos por qualquer causa em defesa da Soberania Nacional. Era a estratégia de Fernando Henrique para obter caminho livre e sangrar gravemente o patrimônio brasileiro.
1995 - O mesmo Fernando Henrique comandou o processo de mudança constitucional para efetivar cinco alterações profundas na Constituição Federal de 1988, na sua Ordem Econômica, incluindo a quebra do Monopólio Estatal do Petróleo, através de pressões, liberação de emendas, barganhas e chantagens com os parlamentares.
Manteve o presidente da Petrobrás, Joel Rennó, que, no governo Itamar Franco, chegou a fazer carta ao Congresso Nacional defendendo a manutenção do monopólio estatal do petróleo, mas que, no governo FHC, passou a defensor empedernido da sua quebra.
As cinco mudanças constitucionais promovidas por FHC:
1) Mudou o conceito de empresa nacional. A Constituição de 1988 havia estabelecido uma distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro. As empresas de capital estrangeiro só poderiam explorar o subsolo brasileiro (minérios) com até 49% das ações das companhias mineradoras. A mudança enquadrou todas as empresas como brasileiras. A partir dessa mudança, as estrangeiras passaram a poder possuir 100% das ações. Ou seja, foi escancarado o subsolo brasileiro para as multinacionais, muito mais poderosas financeiramente do que as empresas nacionais.
A Companhia Brasileira de Recursos Minerais havia estimado o patrimônio de minérios estratégicos brasileiros em US$ 13 trilhões. Apenas a companhia Vale do Rio Doce detinha direitos minerários de US$ 3 trilhões. FHC vendeu essa companhia por um valor inferior a um milésimo do valor real estimado.
2) Quebrou o monopólio da navegação de cabotagem, permitindo que navios estrangeiros navegassem pelos rios brasileiros, transportando os minérios sem qualquer controle.

3)
 Quebrou o monopólio das telecomunicações, para privatizar a Telebrás por um preço abaixo da metade do que havia gasto na sua melhoria nos últimos 3 anos, ao prepará-la para ser desnacionalizada. Recebeu pagamento em títulos podres e privatizou um sistema estratégico de transmissão de informações. Desmontou o Centro de Pesquisas da empresa e abortou vários projetos estratégicos em andamento, como capacitor ótico, fibra ótica e TV digital.
4) Quebrou o monopólio do gás canalizado e entregou a distribuição a empresas estrangeiras. Um exemplo é a estratégica Companhia de Gás de São Paulo, a COMGÁS, que foi vendida a preço vil para a British Gas e para a Shell. Não deixou a Petrobrás participar do leilão através da sua empresa distribuidora. Mais tarde, abriu parte do gasoduto Bolívia-Brasil para essa empresa e para a Enron, com ambas pagando menos da metade da tarifa paga pela Petrobrás, uma tarifa baseada na construção do Gasoduto, enquanto que as outras pagam uma tarifa baseada na taxa de ampliação.
5) Quebrou o Monopólio Estatal do Petróleo, através de uma emenda à Constituição de 1988, retirando o parágrafo primeiro, elaborado pelo diretor da AEPET, Guaracy Correa Porto, que estudava Direito e contou com a ajuda de seus professores na elaboração. O parágrafo extinto era uma salvaguarda que impedia que o governo cedesse o petróleo como garantia da dívida externa do Brasil. FHC substituiu esse parágrafo por outro, permitindo que as atividades de exploração, produção, transporte, refino e importação fossem feitas por empresas estatais ou privadas. Ou seja, o monopólio poderia ser executado por várias empresas, mormente pelo cartel internacional.
1996 - Fernando Henrique enviou o Projeto de Lei que, sob as mesmas manobras citadas, se transformou na Lei 9.478/97.
Esta Lei contém artigos conflitantes entre si e com a Constituição Brasileira. Os artigos 3º, 4º e 21º, seguindo a Constituição, estabelecem que as jazidas de petróleo e o produto da sua lavra, em todo o território nacional (parte terrestre e marítima, incluído o mar territorial de 200 milhas e a zona economicamente exclusiva) pertencem à União Federal. Ocorre que, pelo seu artigo 26º – fruto da atuação do lobby, sobre uma brecha deixada pelo Projeto de Lei de FHC – efetivou a quebra do Monopólio, ferindo os artigos acima citados, além do artigo 177 da Constituição Federal que, embora alterada, manteve o monopólio da União sobre o petróleo. Esse artigo 26º confere a propriedade do petróleo a quem o produzir.
1997 - Fernando Henrique criou a Agência Nacional do Petróleo e nomeou o genro, David Zylberstajn, que havia se notabilizado como Secretário de Minas e Energia do Estado de São Paulo, desnacionalizando várias empresas de energia por preços irrisórios, inclusive a Eletropaulo, vendida para a empresa americana AES que, para essa compra, lançou mão de um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e não pagou.
Cabe salientar que, dos recursos do BNDES, 50% são originários do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador – e foram emprestados a empresas estrangeiras para comprar empresas nacionais, que demitiram, em média, 30% dos trabalhadores. Ou seja, o FAT foi usado para desempregar os trabalhadores.
Zylberstajn, no ato de sua posse, com o auditório cheio de empresas estrangeiras ou de seus representantes, bradou: “O petróleo agora é vosso”.
Empossado, iniciou os leilões de áreas, já com alguma pesquisa feita pela Petrobrás, com tal avidez entreguista que os blocos licitados tinham áreas 220 vezes maiores do que a dos blocos licitados no Golfo do México.
Zylberstajn, inicialmente, mandou que a Petrobrás escolhesse 10% das áreas sedimentares, de possível ocorrência de hidrocarbonetos, nas 29 províncias onde ela já havia pesquisado, para continuar explorando por mais 3 anos, quando, se não achasse petróleo, teria que devolvê-las à ANP. Depois de 6 meses de exaustivos estudos, a Petrobrás escolheu as áreas que queria.
Surpreendentemente, Zylberstajn, aproveitando que a atenção do país estava voltada para a Copa do Mundo de futebol, em realização na França, retomou 30% dessas áreas que a Petrobrás havia escolhido, sob rigorosos critérios técnicos, pelos seus especialistas. Assim, a Petrobrás passou a ter direito de explorar apenas 7% do total das rochas sedimentares brasileiras. Esse prazo de 3 anos se mostrou inviável e foi estendido para 5 anos. Nós publicamos informativos mostrando que as multinacionais tinham 8 anos de prazo contra os 3 da Petrobrás.
1998 - A Petrobrás é impedida pelo governo FHC de obter empréstimos no exterior para tocar seus projetos – a juros de 6% a/a -, e de emitir debêntures que visavam à obtenção de recursos para os seus investimentos.
FHC cria o REPETRO, através do decreto 3161/98, que libera as empresas estrangeiras do pagamento de impostos pelos seus produtos importados, mas sem, contudo, dar a contrapartida às empresas nacionais. Isto, somado à abertura do mercado nacional iniciada por Fernando Collor, liquidou as 5.000 empresas fornecedoras de equipamentos para a Petrobrás, gerando brutais desemprego e perda de tecnologias para o País. Essas empresas haviam sido criadas através do repasse de tecnologia que a Petrobrás gerava ou absorvia. A presença do fornecedor nacional facilitava em muito a operação da empresa.
Ainda em 1998, seis empresas multinacionais (duas delas comandaram a privatização da YPF Argentina – Merryl Linch e Gaffney Cline) passaram a ocupar o 12º andar do prédio da Petrobrás (Edise) para examinar minuciosamente todos os dados da Companhia, sob o argumento de que se tratava de uma avaliação dos dados técnicos e econômicos necessários à venda de ações da Empresa, em poder do governo.
Durante dois anos, essas empresas receberam todas as informações que quiseram dos gerentes da Petrobrás, inclusive as mais confidenciais e estratégicas, de todas as áreas. Reviraram as entranhas da Companhia, de uma forma jamais realizada em qualquer empresa que aliene suas ações.
1999 - Muda-se o estatuto da Petrobrás com três finalidades:
1) permitir que estrangeiros possam ser presidentes da empresa (Philippe Reichstul)
2) permitir a venda de ações para estrangeiros;
3) retirar os diretores da empresa do Conselho de Administração, colocando em seu lugar representantes do Sistema Financeiro Internacional, como Jorge Gerdau Johannpeter (comandante do lobby para a quebra do Monopólio), Roberto Heiss, Paulo Haddad e outros;
Reichstul inicia o mandato cancelando atabalhoadamente (propositalmente?) o contrato da empresa Marítima – fornecimento de 6 plataformas para perfuração exploratória – um mês antes dela incorrer numa grave inadimplência. O cancelamento salvou a Marítima de pesadas multas e ainda deu a ela argumentos para processar a Petrobrás, pedindo R$ 2 bilhões de indenização pelo incrível cancelamento. Ganhou em primeira instância.
Reichstul viaja aos EUA com o ex-jogador Pelé e, juntos, fazem propaganda do lançamento e venda de ações da Petrobrás em Wall Street; o governo vende, então, 20% do capital total da Petrobrás, que estavam em seu poder. Posteriormente, mais 16% foram vendidos pelo irrisório valor total de US$ 5 bilhões.
Como a “Ação Direta de Inconstitucionalidade” da AEPET contra o artigo 26, já mencionado, assinada pelo governador Roberto Requião (Paraná), foi derrubada, e a Petrobrás é dona das reservas, em detrimento da União, esses acionistas incorporaram ao seu patrimônio um acervo de 10 bilhões de barris – 36% de 30 bilhões de barris nas mãos da Petrobrás (incluindo 16 bilhões do pré-sal, já cubados) – os quais, pela Constituição pertencem à União.
Como, agora, estamos no limiar do pico de produção mundial, o barril de petróleo, em queda temporária, vai ultrapassar os US$ 100, esse patrimônio transferido, gratuitamente, valerá mais de US$ 1 trilhão. Considerando que já existiam no mercado cerca de 20% das ações em mãos de testas de ferro, o governo, hoje, detém 54% das ações com direito a voto, mas apenas 40% do capital total da Petrobrás (antes das mudanças, o governo detinha 87% do capital total da Companhia).
O poder dos novos e felizardos acionistas de Wall Street os levam a exigir da Petrobrás a quitação dos débitos que a Companhia tem com o Fundo de Pensão (Petros), de preferência pelo menor preço possível. Reichstul usa R$ 8 bilhões em títulos de longuíssimo prazo do governo (NTN tipo B, recebidos na privatização das subsidiárias da Companhia – prazos de 23 e 32 anos) e quita a dívida, financeiramente, mas não atuarialmente, pelo valor de face dos títulos. A Petrobrás contabiliza a saída dos títulos por R$ 1,8 bilhão e o Fundo de Pensão os recebe por R$ 8 bilhões.
Reichstul dobra o salário dos gerentes da Petrobrás, amplia o número deles, e lhes dá poderes ilimitados para contratar empresas e pessoas. Ganha com isso o apoio para fazer todas as falcatruas que planejava. Desmonta a competente equipe de planejamento da Petrobrás e contrata, sem concorrência, a Arthur De Little, empresa americana, presidida pelo seu amigo Paulo Absten, para comandar o planejamento estratégico da Companhia.
Isto resulta numa série de desastres consecutivos. Entre eles, a compra de ativos obsoletos na Argentina, na Bolívia e em outros países. Os gerentes – cooptados – se fartam de contratar empresas e pessoas, sem controle. A terceirização atinge o estrondoso absurdo de 120.000 contratados, com nepotismo e corrupção, enquanto os empregados efetivos caem de 60.000 para cerca de 30.000, seguindo a estratégia aplicada na Argentina, de enxugar para desnacionalizar. Abre-se acesso às entranhas da empresa para pessoas alocadas por empreiteiras e concorrentes estrangeiras.
Reichstul tenta mudar o nome da empresa para Petrobrax, para facilitar a pronúncia dos futuros compradores estrangeiros. Causa uma reação de indignação nacional e recua. Mas segue a sua meta desnacionalizante e divide a empresa em 40 unidades de negócio, seguindo a proposta do Credit Suisse First Boston, apresentada ao Governo Collor, para a desnacionalização da Companhia. Pulveriza as equipes técnicas, desmantelando a tecnologia da empresa e preparando para, através do artigo 64 da Lei 9478/97, transformar cada unidade de negócio em subsidiária e privatizá-las, como iniciou fazendo com a Refinaria do Rio Grande do Sul, a Refap.
Essa privatização foi feita através de uma troca de ativos com a Repsol Argentina (pertencente ao Banco Santander, braço do Royal Scotland Bank Co), onde a Petrobrás deu ativos no valor de US$ 500 milhões – que avaliamos em US$ 2 bilhões – e recebeu ativos no valor de US$ 500 milhões, os quais, dois dias depois, com a crise da Argentina, passaram a valer US$ 170 milhões.
A avaliação dos ativos foi feita pelo banco Morgan Stanley, do qual Francisco Gros era diretor, acumulando, desde o inicio da gestão Reichstul, o cargo de membro do Conselho de Administração da Petrobrás. Gros, segundo sua biografia publicada pela Fundação Getúlio Vargas, veio para o Brasil, como diretor do Morgan Stanley, para assessorar as multinacionais no processo de privatização. Através de sindicalistas do Rio Grande do Sul, entramos com uma ação judicial na qual ganhamos a liminar, cassada, mas que interrompeu esse processo de desnacionalização.
A gestão Reichstul levou a empresa a um nível de acidentes sem precedentes na sua história: 62 acidentes graves – em dois anos – contra a série histórica de 17 acidentes em 23 anos (1975 a 1998), segundo relatório publicado pelo Conselho Regional de Engenharia do Estado do Paraná.
Nós pedimos investigação de sabotagem aos vários órgãos de segurança: Polícia Federal, Marinha, Procuradoria Federal. Não investigaram, mas os acidentes cessaram.
2001 - Reichstul, desgastado, dá lugar a Francisco Gros, que, ao assumir a presidência da Petrobrás, num discurso em Houston, EUA, declara que, na sua gestão, “a Petrobrás passará de estatal para empresa privada, totalmente desnacionalizada”.
Gros compra 51% da Pecom Argentina, por US$ 1,1 bilhão, embora a dita empresa tenha declarado, publicamente, um déficit de US$ 1,5 bilhão; cria um sistema para mascarar acidentes, nos quais os acidentados não os possam reportar; tenta implantar um plano de Benefício Definido no fundo de pensão – Petros.
Faz, ainda, um contrato de construção de duas plataformas com a Halliburton, com uma negociação obscura, sem concorrentes, que resulta, além de um emprego maciço de mão-de-obra estrangeira, em dois atrasos superiores a um ano e meio. Esses atrasos fizeram com que, pela primeira vez na história da empresa, houvesse uma queda de produção, fato ocorrido em novembro de 2004. Apesar desses atrasos, a Halliburton não pagou multa e ainda ganhou cerca de US$ 500 milhões adicionais da Petrobrás, em tribunal americano.
Com a eleição de Lula para a presidência da República, antes da sua posse, houve uma renegociação em massa dos contratos de serviço em andamento, com novos prazos, superiores a 4 anos, de forma a criar uma blindagem ao novo governo, impedindo as reanálises, renegociações ou revogações dos contratos feitos sem concorrência, incluindo empresas ligadas aos amigos de alguns gerentes do governo FHC.
E com tudo isso engatilhado, feito para não dar certo, os Governos do PT conseguiram, em parte desmontar as armadilhas. Mas, muitas ainda prosseguiram.  Apesar de ter uma máquina de executivos cooptados pelo capitalismo  internacional, muito se conseguiu mudar no sistema e os lucros que não existiam antes começaram a aparecer.
 Uma pesquisa da Consultoria Economática mostrou que a Companhia teve um crescimento de US$ 192,5 bilhões de valor de mercado, entre dezembro de 2002 e novembro de 2009, passando de US$ 15,4 bi para US$ 207,9 bi. A primeira e segunda colocadas da lista são as empresas americanas Exxon (US$ 345,8 bi) e Microsoft (US$ 257,4 bi).
No final do 2002 a Petrobras ocupava a 121ª colocação no ranking das maiores empresas de capital aberto do continente. Desde então, a Companhia subiu 118 posições e ocupa a 3ª posição no ranking.
Pergunto então a quem hoje insulta o PT e seus gestores e que tentam gerar problemas para a Petrobras com a finalidade de atingir seus fins eleitoreiros:  Quem foi mais competente? A quem interessa as polêmicas geradas pela mídia? O que a oposição quer com isso? Se realmente o problema de Pasadena era grande, por que só veio a tona agora?
Peço que reflitam e não entrem nesse jogo! Ele é pesado e não é de hoje! Verifiquem os lucros e o desenvolvimento das empresas do sistema Petrobras que não deixam dúvidas. Os números são contundentes. Só não vê quem não quer.

quarta-feira, 19 de março de 2014

As "supostas irregularidades" na Papuda

Paulo Moreira Leite, em 18/03/2014:


Ao pedir o afastamento de seis procuradoras da Papuda, a Associação dos Servidores do Sistema Penitenciário coloca a questão essencial. Cabe apurar a atividade de quem é acusado de tentar criar um clima artificial de insegurança no presídio, a partir de denuncias que não são provadas e acusações que ninguém sustenta. Este comportamento gera um ambiente político capaz de impedir que os presos da AP 470 tenham acesso a direitos assegurados por lei e mais do que nunca confirmados pelo STF depois da votação dos embargos infringentes. Reportagens tendenciosas da imprensa, que estigmatizam os presos, são lamentáveis. Mas ações que atingem direitos reconhecidos em lei, como o regime semiaberto, são inaceitáveis e devem ser repelidas por todo cidadão com convicções democráticas.

A reportagem da Veja sobre a vida de José Dirceu na Papuda, sem apresentar um fato concreto, sem conferir um boato junto a quem poderia confirmar ou desmentir o que se pretendia publicar, é aquilo que todos nós sabemos. Não é séria nem respeitável.

Não passa de um esforço redundante para acrescentar uma nova camada de boatos (no juridiquês da Papuda eles se chamam “supostas irregularidades noticiadas”) para prejudicar os réus da AP 470, esforço redobrado depois que eles conseguiram vitórias importantes, como o reconhecimento do erro no crime de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Quem está sendo chamado a dar explicações e prestar esclarecimentos, na verdade, é o Ministério Público do Distrito Federal.

 Num documento assinado pela Associação de Servidores do Sistema Penitenciário do Distrito Federal, seis integrantes do MP – todas são mulheres, por coincidência - são acusadas de atuar contra a ordem na sistema prisional.

O pedido foi encaminhado ao Conselho Nacional do Ministério Público, o órgão responsável por examinar, julgar e punir desvios de comportamento por parte dos procuradores.

A acusação diz que elas estimulam a “publicação de fatos ou atos” que perturbam a “paz prisional ”.

A base é o artigo 198 da lei de execução penal, que diz que “é proibido ao integrante dos órgãos de execução penal e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos estabelecimentos …”

Conforme o documento, as procuradoras ajudam a promover a desordem entre os presos e suas famílias através da reprodução, no site do próprio Ministério Publico, de rumores e boatos que não foram comprovados nem confirmados. Através disso, conclui-se pela leitura do documento, cria-se um ambiente artificial de agitação e descontentamento entre a população encarcerada.

Sabemos como isso começa. Sem cometer a deselegância de perguntar quem assopra essas coisas (fatos? Hipóteses? Delírios?) para jornalistas, estamos falando de suspeitas e hipóteses divulgadas por jornais e revistas com a técnica marota de sempre.

A partir de depoimentos anônimos, verbos no tempo condicional, fontes desconhecidas e outros recursos típicos de quem sabe que pode estar embarcando numa fria, publica-se uma reportagens recheada de (fatos? Hipóteses? Fantasias? Delírios? ) que seriam graves se fosse demonstrado que são verdadeiros.

Em seguida, essa reportagem é reproduzida no site do ministério publico do DF – mais uma vez, sem qualquer checagem para confirmar sua veracidade.

Numa terceira etapa, estes “fatos” - imaginários ou não - aterrisam em documentos oficiais e são usados para prejudicar os réus e pressionar as autoridades do sistema prisional.

Em suas petições, o juiz Bruno Ribeiro, da Vara de Execuções Penais, cobra investigações para apurar “supostas irregularidades noticiadas”, definição cujo sentido desafia os estudiosos do direito e da língua portuguesa.

Convém não esquecer uma realidade elementar. Tudo o que é um suposto ser também é um suposto não-ser, ensina-se no jardim de infância da filosofia.

Se as irregularidades são apenas supostas, podemos supor, pela simples lógica, que elas também podem ser “regularidades “ – e, talvez, nada de errado esteja acontecendo, como se poderia pensar, supostamente.

O único elemento consistente no pedido de investigação reside no fato de as “supostas irregularidades, terem sido noticiadas. ”

Uma notícia, como se sabe, pode ser produzida a partir de uma apuração cuidadosa e responsável. Mas também pode ir para o papel somente porque lá pelas 19 horas um editor de jornal clicou “salvar” e depois “enviar ” antes de mandar um texto para o leitor. O que isso tem a ver com Direito, com a Justiça, com a Liberdade de cada um? Nada.

Jornais e revistas erram todos os dias. Erram sem querer e erram por querer. Podem ter interesse na verdade, mas também ganhar com a mentira. São empresas comerciais e também atuam politicamente.

Têm interesses privados nem sempre transparentes, agendas ocultas e um padrão cada vez mais frágil de proteger.

Também contam com a proteção de um regime legal que não estimula posturas responsáveis. As vítimas de seus erros – e também falsidades – não tem direito de resposta. Empresas de faturamento bilionário são levadas a pagar – quando isso acontece – multas irrisórias.

Um exemplo recente. Depois de fugir durante oito anos de suas responsabilidades pela divulgação de uma denúncia irresponsável sobre contas de ministros no exterior, a mesma VEJA que agora denuncia Dirceu está sendo chamada a pagar uma multa de R$ 100 000 para a família de uma das vítimas, Luiz Gushiken.  

Lê-se na sentença assinada pelo desembargador Antonio Velinils que a revista “não tinha prova consistente” para dizer o que disse. Fez uma reportagem sem oferecer “um único indício de confiança.” Em vez de assumir uma postura prudente, como a situação recomendava, preferiu “insinuar que as informações eram, sim, verdadeiras.”
Mais tarde, quando o caso chegou a Justiça, a revista tentou justificar-se sem conseguir apresentar um único argumento aceitável para explicar o que fez, Usando de subterfúgios e truques de linguagem, construiu uma “falácia de doer na retina,” acusa o desembargador, que ainda concluiu que VEJA “abusou da liberdade de imprensa.”

 É disso que estamos falando. Abusos. Os presos não contestam, na Papuda, as penas que receberam. Querem cumprir o que a lei determina. Lutam por este direito – o que dá uma ideia do absurdo que enfrentam.

Mas não é isso o que acontece. A repetição de pedidos de investigação das “supostas irregularidades noticiadas” está longe de configurar um esforço para se cumprir a obrigação de apurar e investigar todo indício de crime, o que seria natural.

O que se faz é criar um circulo vicioso. Lembra o fatiamento que Joaquim Barbosa inventou para apresentar a denúncia da AP 470?

Cada suposição leva a outra, que leva a seguinte, depois a próxima, e mais uma … num caldeirão de “irregularidades noticiadas” que não precisam ser provadas. Basta que em seu conjunto formem uma nuvem política, uma convicção maligna que pode levar muita gente acreditar que a Papuda é um presidio inseguro, instável, perigoso – e que o jeito é mandar os réus da AP 470 para um presidio federal, como um deputado do Solidariedade pretende fazer. 

Claro que não seria uma medida fácil. Como recorda a Associação dos Servidores, a Papuda encontra-se entre os melhores presídios do país:

“Há mais de uma década não temos rebelião; nunca tivemos decapitação de seres humanos; há mais de seis anos não há homicídios intramuros; há inexistência de facções criminosas…”

A verdade, porém, é que tudo tornou-se perigosamente possível depois que Joaquim Barbosa confessou que havia manipulado as penas da AP 470 para conseguir condenações mais duras, em regime fechado. Assim, sem retratar-se.  

Não importam os fatos, nem mesmo a lei. Importa a vontade do juiz.

Lembra da frase “A constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é”?

Quando uma “suposta irregularidade noticiada” não chega aonde se imagina que deveriam chegar, encontra-se um atalho para manter a pressão.

Foi assim com o telefonema de Dirceu. Nada indica que tenha ocorrido. Não se provou.

Em vez de se questionar a denúncia, o que se questiona é a investigação. A tese, agora, é que foi “ atípica. “ Por que não admitir uma “suposta denuncia” ou mesmo uma “denuncia suposta”?

O que está claro é que as “supostas irregularidades noticiadas” foram investigadas, apuradas – e só tinham valia como cortina de fumaça para estigmatizar os presos, reduzir seus direitos e impedir a progressão de suas penas.

As primeiras foram as célebres visitas em dias especiais. Elas não são uma raridade na Papuda, mas uma tradição, oferecida a todo preso considerado “vulnerável.” Foi assim que, por oito anos, os familiares dos jovens de classe media que assassinaram o índio Galdino, em Brasília, visitavam seus filhos numa data diferente daquela reservada aos parentes de outros internos. Isso porque havia, entre eles, não só ministros de Estado, mas também um juiz federal, motivo para se tentar prevenir reações imprevistas por parte da massa carcerária.

Em nome do “combate ao privilégio” todas as visitas em caráter especial da Papuda foram suspensas no final de 2013. Em função disso, “muitos pais e familiares não se arriscam a visitar seus entes, junto a massa carcerária,” diz o documento dos servidores. “Fato lamentável!”, dizem os servidores.

Outro privilégio “suposto” foi a feijoada em lata que Delúbio e duas dezenas de colegas de sua ala no Centro de Progressão de Pena comeram. Num local onde há um fogareiro, panelas e uma cantina que vende até costelinha, o que se gostaria que prisioneiros fizessem? Pedissem para serem algemados?

O que se vê, aqui, é um fato analisado e resolvido através de uma sentença do Superior Tribunal de Justiça:
“Foge ao limite do controle jurisdicional o juízo de valoração sobre a oportunidade e conveniência do ato administrativo, porque ao judiciário cabe unicamente analisar a legalidade do ato, sendo vedado substituir o Administrador Público.”

O que se diz aí é que mesmo cidadãos condenados a viver atrás das grades tem direitos que devem ser respeitados, o que inclui, inclusive, o respeito pela divisão de poderes que caracteriza o regime democrático.

Não é preciso acrescentar mais nada, certo?

Num país que assiste a passagem dos 50 anos do golpe de 64, é bom refletir sobre o que acontece com seus prisioneiros. Não custa recordar que a face mais horrenda da ditadura foi construída em seus cárceres.

terça-feira, 11 de março de 2014

O mensalão e as três cabeças de Cérbero



MIGUEL DO ROSÁRIO Artigo publicado no Cafezinho 11/03/2014

Uma das razões pelas quais eu me interesso tanto pela Ação Penal 470 é porque eu sempre fui um aficcionado por filmes e livros sobre polêmicas judiciais.
Perdi a conta dos filmes que assisti, em alguns casos inúmeras vezes cada um, sobre processos e julgamentos. E devorei vários romances de Jonh Grisham, um ex-advogado que se tornou um dos escritores mais vendidos nos EUA, sempre com histórias envolvendo questões judiciais.
É uma das razões, não a principal.
A razão principal, naturalmente, é a suspeita de que o Brasil viveu mais um golpe político, travestido de ação penal.
Nas histórias sobre polêmicas judiciais, o suspense recai sempre sobre o arbítrio de um julgamento. Repare no termo: arbítrio. A raíz é a mesma de árbitro, sinônimo de juiz. O juiz é um árbitro, e de sua decisão decorrerá um arbítrio, para o bem ou para o mal.
Uma decisão judicial é quase sempre uma violência. Pegue-se o exemplo de Pinheirinho. Uma juíza decidiu expulsar mais de 6 mil pessoas de onde moravam há anos, determinando que suas casas fossem completamente destruídas por máquinas de demolição. A razão não era a construção de uma nova estrada. Nem o espaço fora requisitado para obras de um grande evento esportivo. Nada disso. O terreno estava abandonado antes, e continua abandonado hoje, e pertencia a um notório fraudador do mercado financeiro nacional, Naji Nahas.
Não houve nenhuma campanha na grande imprensa em favor das populações de Pinheirinho. A blogosfera uniu-se, como poucas vezes se viu, em torno do tema. Mas não adiantou. As famílias não apenas foram expulsas, como agredidas e depois amontoadas sem higiene num galpão erguido às pressas nas redondezas.
Digo tudo isso para ilustrar que o judiciário não é perfeito. Ele reflete os valores das camadas mais ricas da sociedade, aqueles que detêm os principais meios de comunicação.
O povo consegue eleger alguns representantes, nunca juízes. A prova disso novamente está em Pinheirinho, ou melhor, em São José dos Campos, onde o prefeito que apoiou a remoção da comunidade, que era do PSDB, perdeu as eleições seguintes para um prefeito do PT, que agora está comandando a construção de uma nova grande comunidade para abrigar os expulsos de Pinheirinho, com apoio do governo federal.
Por que há tantos filmes e livros de ficção sobre o tema? Por que em cada decisão judicial há um suspense. Como dependemos de um fator subjetivo, a consciência do juiz, ou dos jurados, é evidente que existe sempre o risco de um erro.
Por isso, a questão das provas é tão fundamental. Porque juízes podem errar. Mesmo com provas abundantes à sua disposição, eles podem errar, porque as provas também enganam. Há vários filmes em que a pessoa é presa porque se encontraram suas impressões digitais na arma do crime, só que ela não era culpada. Ela apenas tinha pego na arma, depois do criminoso, ou, em alguns casos, foi vítima de uma armação.
Quando se condena uma pessoa com base em provas, contudo, reduz-se em muito a probabilidade de erro. E se há erro, não se pode culpar tanto assim o juiz ou o júri.
Hoje em dia, após a experiência traumática do julgamento do mensalão, onde assistimos, estarrecidos, as mais altas autoridades do judiciário pronunciarem barbaridades medievais como: “não tenho provas para condenar Dirceu, mas a literatura me permite fazê-lo”, hoje em dia eu sinto uma alegria maligna ao assistir um filme em que um assassino é solto por “falta de provas”.
Por que alegria maligna? Maligna porque sabemos que o sujeito é um assassino, então é um sentimento ambíguo, quase doentio. Alegria porque é um testemunho de rigor democrático no cumprimento da lei. Não importa se o sujeito tem nariz de assassino, orelha de assassino, mãos de assassino, voz de assassino. Não importa se ele tem um histórico lamentável de roubos, tráfico, estelionato, etc. Se não houve provas do homicídio, ele é absolvido. Ponto final. Não se pode condenar ninguém porque isso seria “melhor para a sociedade”, o que é uma fórmula fascista.
Entretanto, o que fazer quando um juiz, ou um colegiado de juízes, condena uma pessoa sem base em provas, ou que é pior, contra as provas?
O que fazer quando nos deparamos com um monstro de três cabeças, qual o Cérbero pintado por Blake, representando STF, Procuradoria e Mídia, trabalhando juntos para aplicar um golpe político?
Este é o caso dos réus do mensalão. E volto a mencionar de uma das figuras mais controvertidas desse escândalo: Henrique Pizzolato. Digo controvertida porque Pizzolato foi o cordeiro perfeito a ser imolado: era petista, mas sem ligação com nenhuma corrente, portanto desde sempre isolado dentro do partido; colecionava adversários dentro do BB, porque sempre fora o “petista” dentro de uma instituição dominada por tucanos e/ou servidores que acreditam no Globo (o que para mim é a mesma coisa). A vitória de Lula, que alçou Pizzolato ao cargo de diretor de marketing, certamente não contribuiu para aplacar a inveja de seus colegas tucanos. Um deles era Roberto Messias, hoje secretário-executivo da Secom, à frente da qual ajudaria, com verbas e “mídia técnica”, a fazer o cerco midiático contra os “mensaleiros”.
Alguns membros da cúpula do PT, que passou anos lavando as mãos para todos os réus do mensalão, certamente com medo de uma contaminação que prejudicasse eleitoralmente o partido, hoje começam a se movimentar, embora timidamente, quase à susto, em defesa de Pizzolato.
Há pouco tempo, por exemplo, jamais imaginaríamos ler uma declaração tão enfática de um quadro tão graduado do PT, como esta que Ricardo Berzoini, deputado federal por São Paulo, deu em favor de Henrique Pizzolato, alguns dias atrás. Berzoini se manifestou em favor de uma petição online para que a Itália não extradite Pizzolato sem antes ler com muita atenção os autos do processo do qual ele é vítima.

Berzoini não é apenas um deputado federal pelo PT. É um prestigiado quadro político, ex-ministro no governo Lula, e um ex-funcionário de carreira do Banco do Brasil, que conhece profundamente a burocracia da instituição.
*
Confrontada pelos questionamentos contra a Ação Penal 470, a nossa grande imprensa esquece todo o seu discurso sobre isenção e imparcialidade, e tenta tratar a questão como fait accompli. Arrumaram até uma pesquisa com esse objetivo. Fernando Rodrigues, colunista da Folha, diz que se trata de um “caso perdido”, porque mais de 80% dos brasileiros, segundo o Datafolha, acham que os condenados tinham mesmo que ir para a cadeia. O percentual é o mesmo entre simpatizantes do PT. Chegou-se ao mundo perfeito da mídia: ela julga e condena seus desafetos, fazendo uma campanha violentíssima para criminalizá-los, pressiona os juízes, depois faz pesquisa para perguntar à população se aprova que os réus – que ela passou oito anos satanizando – sejam presos. Como se a manipulação da opinião pública não fosse aqui o cerne do problema. Como se a lógica da turba fosse mais importante que uma análise equilibrada e sem paixão do processo penal.
Todo o processo do mensalão foi costurado apenas com sensacionalismo. A opinião pública jamais teve a oportunidade de ver e discutir os autos do processo. Alguém aí ficou sabendo, por exemplo, que um graduado diretor das Organizações Globo, um dos grandes especialistas em Bônus de Volume no mercado publicitário, foi testemunha de defesa de Henrique Pizzolato? Eu mesmo, que estudo o caso Pizzolato há meses, só fiquei sabendo disso dias atrás. Otavio Florisbal declarou, em juízo, que o bônus de volume dado pelos veículos de comunicação à DNA, no caso Visanet, durante o período no qual Pizzolato era diretor de marketing do BB, era regular. A procuradoria menciona uma cláusula do contrato segundo a qual o bônus deveria voltar ao BB, e Pizzolato foi condenado por isso. Florisbal explica, contudo, que essa cláusula aparece em vários contratos com empresas públicas, é sempre contestada junto às autoridades competentes, e a mídia invariavelmente consegue derrubá-la. E afirma, categoricamente, que este foi o caso do contrato entre Visanet/BB e DNA. Entretanto, esse depoimento jamais veio à luz. Assim como fez Barbosa com vários documentos, a mídia também selecionava apenas aqueles que interessavam à acusação.
A imprensa agora quer fechar o caixão e esquecer o assunto. Só que ela esquece que, dentro desse caixão, ainda há pessoas vivas. Aliás, esse é o maior incômodo para aqueles que lideraram a farsa. Não é por outra razão que Joaquim Barbosa parece tão desesperado para manter Dirceu preso em regime fechado, e obrigou Genoíno a assinar um documento em que ele se compromete a não dar entrevistas. Não é por outra razão que Barbosa, em mais um de seus surtos de medievalismo, disse que à pena prevista se devia acrescentar o “ostracismo”. O que é uma aberração incrível. Há casos inúmeros de presos que publicam livros. Jean Genet, um grande escritor francês, ficou famoso ainda dentro da cadeia. Jornalistas conseguem fazer entrevistas até com presos em Guantanamo. E Barbosa vem falar que a imprensa brasileira não pode publicar entrevistas com os condenados da Ação Penal 470? Por que tanto medo?
Bem, eu sei porque tanto medo. Porque Barbosa, como juiz responsável na fase de investigação do Ministério Público, quando a Ação Penal ainda era o Inquérito 2245, agiu deliberadamente contra o direito de defesa dos réus. E aí está, aliás, a razão pela qual, segundo qualquer tratado internacional de direitos humanos, a mesma autoridade que trabalha na investigação contra um réu, jamais pode ser também o seu juiz. E Barbosa foi juiz investigador, juiz de instrução, juiz relator, juiz presidente e juiz de execução. Nunca se viu isso na história do judiciário brasileiro!
O procurador, em conluio com Joaquim Barbosa, ocultou, deliberadamente, provas que podiam ajudar os réus em suas defesas. A criação do Inquérito 2474 teve dois objetivos: livrar Daniel Dantas de qualquer envolvimento com o valerioduto, apesar do relatório da Polícia Federal mostrando que foram empresas controladas por ele as principais fontes de recurso de Marcos Valério, e esconder as provas que inocentavam Henrique Pizzolato e Gushiken, esvaziando a teoria de que o suposto desvio do Fundo de Incentivo Visanet foi feito por um petista, sob ordens secretas de Dirceu, para comprar deputados.
Observe o quadro abaixo. Ele mostra que a dupla Antonio Fernando e Barbosa escondeu o Laudo 2828, resultado de uma investigação da Polícia Federal feita a pedido deles mesmos. Escondeu-o dos próprios ministros do STF, pois o documento foi anexado à Ação Penal 470 após a aceitação da denúncia. O laudo foi mantido em segredo de Pizzolato e Gushiken por muito tempo, apesar de ser um documento essencial para a defesa de ambos.

O fato é que o procurador-geral da República tinha escrito uma denúncia apressada, sem esperar o resultado de algumas investigações fundamentais da Polícia Federal.
Ele apresenta a denúncia em março de 2006.
Quando essas investigações ficaram prontas, como o Laudo 2828, e uma série de investigações sobre as movimentações financeiras de Marcos Valério (que seriam resumidas depois no relatório-resumo do Inquérito 2474), ao final de 2006, o procurador, ao invés de anexá-las à denúncia, eventualmente corrigindo-a, resolve pô-las dentro de uma gaveta secreta, onde ninguém mais poderia vê-las a não ser ele mesmo e Joaquim Barbosa.
E trechos selecionados seriam vazados à imprensa, como veríamos com a matéria tendenciosa da Época tratada em post anterior.
O Laudo 2828 seria anexado à Ação Penal 470 dois dias depois da publicação do Acordão que aceitava a denúncia da procuradoria e criava a AP 470. Ou seja, um documento fundamental para se entender o processo foi escondido dos ministros e da opinião pública, para que as informações neles contidas não fossem objeto de debate nem no plenário nem na sociedade!
Os outros documentos contidos no Inquérito 2474 são mantidos em sigilo até hoje. Semanas atrás, Lewandowski liberou o 2474 para Henrique Pizzolato, mais uma prova de que a decisão anterior, de mantê-los em segredo, foi um arbítrio ilegal de Joaquim Barbosa.
Só que, ao aceitar essa manobra, Joaquim Barbosa pode ter cometido o mais grave crime cometido por um juiz: cerceou a defesa. Talvez seja essa manobra o que, efetivamente, venha a obrigar o STF, no futuro (distante?), a anular a Ação Penal 470.
O argumento de que os “réus tiveram todos os seus direitos de defesa respeitados” se tornou ridículo. Esses direitos foram vergonhosamente, sistematicamente, violados.
Talvez seja por entender que já descobrimos o que ele fez, que Barbosa esteja tão desequilibrado emocionalmente e falando em “alerta à nação”… Barbosa tenta se blindar invocando novamente todos os demônios do histerismo lacerdista e midiático, que tanto lhe ajudaram ao longo do julgamento.
Antes de encerrar, mais alguns comentários sobre a cobertura da nossa grande imprensa ao mensalão. Seus áulicos vivem tentando justificar sua postura de oposição ao governo federal com o argumento de que a imprensa deve ser crítica. Lembro-me que uma frase de Millor dita no contexto da ditadura começou a ser repetida pela mesma imprensa que foi, durante décadas, chapa-branquíssima: “imprensa é oposição, o resto é secos de molhados”.
Pois bem, se o STF é um poder, o jornalismo também não deveria ser crítico a ele? Aliás, diante da constatação, chancelada inclusive pelo constitucionalista português José Canotilho, de que o STF brasileiro “é o mais poderoso do mundo”, e sendo um poder vitalício, isso não justificaria termos uma posição crítica às suas decisões?
Não seria democrático que nossa grande imprensa, que tanto dinheiro recebeu da ditadura, com um de seus membros inclusive alegando que “errou” ao apoiar o golpe de 64, desse mais voz aos que questionam as condenações da Ação Penal 470?
 

quarta-feira, 5 de março de 2014

O conformista inconformado


Saul Leblon, 04/03/2014



Resgatar o legado de Fernando Henrique Cardoso é tido como o grande trunfo da campanha conservadora em 2014.

O escrutínio eleitoral desse patrimônio, como se sabe, não contabiliza um saldo favorável.

‘Por acanhamento do próprio tucanato’ –alega o PSDB, que agora estaria disposto a redimir a herança de seu maior quadro.

Nas derrotas presidenciais de 2002, 2006 e 2010 a coalizão conservadora preferiu, ao contrário, guardar essa carta na manga do esquecimento.

Havia respaldo nas estatísticas sociais e econômicas, bem como nas enquetes de prestígio popular, à conveniência da decisão.

Talvez tenha chegado a hora de voltar a Fernando Henrique Cardoso, de fato, não propriamente pelo seu legado presidencial.

Mas pela atualidade que a tensão da história latino-americana –e brasileira, claro—veio adicionar à coerência do seu percurso intelectual, da sociologia à Presidência da República.

O próprio tucano ensaia esse aggiornamento das linhas estratégicas do projeto conservador, do qual ele se tornou uma referência.

Em artigo recente (‘Diplomacia inerte’), FHC faz a atualização do quadro analítico que desenvolveu como sociólogo, depois adotou como presidente, para responder aos desafios do desenvolvimento na periferia do capitalismo.

“(…) houve um erro estratégico desde o governo Lula na avaliação das forças que predominariam no mundo e da posição do Brasil na ordem internacional”, diz o ex-presidente.

O cabo eleitoral número um do PSDB reafirma o fatalismo implícito no festejado texto de 1967, ‘Dependência e desenvolvimento na América Latina’, escrito com Enzo Falletto, no Chile, quatro anos depois do golpe no Brasil, e publicado em 1973, ano da queda de Allende.

Os dois acontecimentos trágicos pareciam dar razão à analise sociológica sobre a inviabilidade de um modelo de desenvolvimento soberano na região.

O artigo do último domingo reitera essa inexorabilidade diante do que aponta como sendo ‘as forças que predominariam no mundo’ na última década.

“Nossa diplomacia guiou-se pela convicção de que um novo mundo estava nascendo e levou o presidente (NR Lula), em sua natural busca de protagonismo, a ser o arauto dos novos tempos. Não me refiro ao que eu gostaria que ocorresse, mas às tendências que objetivamente se foram configurando (…) A convicção implícita era a de que pós-Muro de Berlim, depois de breve período de quase hegemonia dos Estados Unidos, (dos) equívocos da política externa daquele país…assistiríamos a uma correção de rumos. (essa visão) encontra eco nos sentimentos de boa parte dos brasileiros, inclusive de quem escreve este artigo. Sempre sonhamos com um mundo multipolar (…) Nisso é que o governo Lula calculou mal.(…) o Brasil faz reuniões com países árabes (…) abre embaixadas nas mais remotas ilhas,(enquanto) a Petrobras é expropriada pela Bolívia, interfere contra o sentimento popular em Honduras, além de calar diante de manifestações antidemocráticas quando elas ocorrem nos países de influência ‘bolivariana’. Noutros termos: escolhemos parceiros errados, embora, em si mesma a relação Sul/Sul seja desejável, e menosprezamos os atores que estão saindo da crise como principais condutores da agenda global (…)”

Desguarnecido dos préstimos da toga colérica, que de herói da ética se confessou um delinquente jurídico ao manipular a dosimetria na AP 470, o conservadorismo renova assim o martelete do suposto anacronismo geopolítico dos projetos progressistas.

A dependência é estrutural, dizia FH em 1967; a dependência é virtuosa, adicionaria FH presidente; a dependência é inexorável e o Brasil do PT perdeu seu tempo ao afrontá-la, diz o redimido patrono do PSDB.

O ponto de partida repisado no artigo de domingo encontrou suas bases empíricas em um texto que antecede o livro de 1967 da dupla FHC/Faletto.

Em 1964, dois meses antes do golpe de Estado, seria publicada uma pesquisa premonitória, ‘Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico’, coordenada pelo então sociólogo da USP.

Nela, Fernando Henrique encontraria o fundamento da futura visão sobre a dependência.

A pesquisa desnuda o equivoco de boa parte da esquerda, então, que via na burguesia nacional um aliado dos trabalhadores do campo e da cidade na luta pelo desenvolvimento industrial, contra o imperialismo e o atraso agrário.

O levantamento coordenado por FHC não apenas desmentia o idílio.

Ele antecipava a vontade predominante no empresariado industrial brasileiro de se aliar ao capital estrangeiro, ao largo de Jango, dos sindicatos e das reformas de base.

Em síntese, as bases burguesas do projeto nacional e popular eram tão sólidas quanto se revelaria o dispositivo militar de Jango.

O esquematismo importado das sociedades europeias viveu seu teste do pudim dois meses depois de publicado o diagnóstico e deu razão ao sociólogo.

Três anos mais tarde, com Faletto, ele ampliaria essa constatação, dando-lhe o escopo de uma matriz de validade latino-americana.

Focado na realidade efetiva dos interesses das classes dominantes, que opunha o capital às massas populares na disputa pela destinação do excedente econômico na região, ‘Dependência e Desenvolvimento na América Latina’, sinalizava a complementariedade de propósitos entre o capital local e o estrangeiro.

Tal convergência, antes de levar à estagnação pela atrofia do mercado interno, em decorrência do arquivamento das reformas de base, permitiria um padrão de desenvolvimento associado e dependente.

Ao privilegiar os conflitos de interesse no interior da sociedade à margem de idealizações ideológicas, o livro representou um avanço, sem todavia definir um novo marco histórico.

Faltava-lhe abordar o essencial: a problematização dos conflitos inerentes à endogamia entre o capital local e o internacional e o seu custo social.

A ausência desse olhar dialético e engajado o levaria a amplificar aquilo que corretamente criticava nos esquematismos de uma parte da esquerda: trocava-se a materialidade da luta de classes por um fatalismo alheio às contradições transformadoras do processo.

Até que ponto seria viável um desenvolvimento que alijava a grande maioria da sociedade das decisões relativas ao seu destino e à destinação do excedente econômico?

A visão de FH, de certa forma, repetia o tropeço dos que viam no desenvolvimento periférico quase que uma atividade reflexa do centro hegemônico.

A dinâmica interna estaria assim previamente dada; independente da prática política, ela orbitaria como um lubrificante, sem nunca alterar o núcleo duro da engrenagem.

Com a exacerbação da lógica financeira, a partir da desregulação propiciada pelas derrotas da esquerda mundial nos anos 70/80, esse enredo mecanicista ganha a robustez de um sujeito histórico hegemônico.

Os mercados autorreguláveis, seus agentes racionais e as agencias de risco assumem o rosto genérico de um interlocutor dotado de mando e ubiquidade.

Esse determinismo inquestionável, sob a ótica conservadora, daria estofo ao projeto político do sociólogo que exerceu a Presidência da República de 1995 a 2002, disposto a personificar sua teoria.

E assim o fez.

A saber: com as privatizações, o desmonte do Estado (‘sepultar a Era Vargas’) , o descompromisso estatal com as grandes obras de infraestrutura, a renúncia a uma política industrial, a redução do Itamaraty a um anexo do Departamento de Estado norte-americano, a desmoralização do planejamento econômico, a terceirização do interesse público a agentes privados, a corrosão do poder aquisitivo dos trabalhadores, a desqualificação dos sindicatos e das organizações sociais, o sopão à pobreza (cuja sorte seria entregue à transição demográfica), a derrisão de tudo o que remetesse ao interesse público e, finamente, o deslumbramento constrangedor de um cosmopolitismo provinciano, festejado no Presidente que falava ‘línguas’ e era bajulado no exterior pelo bom comportamento.

Aquilo que em princípio era só uma constatação histórica, que desmentia o flerte da elite local com a agenda do desenvolvimento soberano, transformar-se-ia na determinação política de fazer da servidão uma virtude.

O surgimento do PT e a vitória desconcertante do líder operário em 2002 e 2006 –que fez a sucessora em 2010– introduziu um ruído insuportável no escopo desse conformismo estratégico com a sorte do país e de sua gente.

Para revalidar a teoria –e os interesses aos quais ela consagra uma dominância irreversível, era preciso desqualificar a heresia de forma exemplar.

Não apenas derrotá-la nas urnas.

Quando a realidade teima, a redenção requer o açoite inapelável da moral.

E parecia que Joaquim Barbosa seria o anjo negro de origem humilde, desfrutável em mais de um sentido, capaz de executar a purga saneadora da história maculada pelo ‘voluntarismo petista’, como espicaçou FH em outro artigo (‘Estadão’, 03-03-2014).

Não foi assim que se deu.

O artigo deste domingo retoma então os marcos analíticos de uma biografia em rota de colisão com a realidade e exorta o país a aceitar o seu confinamento no tabuleiro geopolítico que os vencedores manejam à revelia das ilusões multipolares.

Como em 1967, não se cogita discutir os requisitos para disputar a hegemonia do processo.

Não há atores e interesses capacitados a operar essa difícil disputa, sugere o ex-presidente.

Nem no Brasil, nem em outras latitudes da América Latina, onde hereges verão igualmente fracassar uma agenda social desprovida de sustentação econômica e inserção mundial.

A demonização das experiências venezuelana, boliviana e argentina faz parte desse tour de force que transforma o noticiário internacional em uma extensão da guerra interna contra a ingerência do Estado e da democracia nas diretrizes do desenvolvimento.

FHC e assemelhados tem razão ao apontar a espiral de desequilíbrios introduzida na matriz econômica brasileira desde 2003.

De fato, mais de 50 milhões de novos consumidores aportaram no mercado em apenas dez anos; 17 milhões de empregos foram criados no período; o salário mínimo registrou um aumento real superior a 60%.

O conjunto não apenas invadiu o mercado, mas a teoria de 1967 e com ela asfixiou o espaço politico e eleitoral d conservadorismo.

Um novo protagonista histórico, imprevisto e improvável na mecânica fatalista da dependência conservadora exige seu espaço na democracia depois de tê-lo conquistado no mercado: o consumo das famílias brasileiras cresce ininterruptamente há 120 meses; tempo suficiente para uma geração nascer, crescer e completar dez anos.

Como devolver essa pasta de dente ao tubo estreito da dependência se a disputa se acirrou com demandas crescentes por infraestrutura, serviços de qualidade, habitação, participação, segurança, lazer etc?

O conformismo de 1967 esgotou o prazo de validade e com ele a pertinência da agenda conservadora abrigada no PSDB e assemelhados?

Não, sugere FHC, se o caos urbano –e o constrangimento externo decorrentes de desequilíbrios na capacidade de pagar importações crescentes– fizer regredir os avanços da última década.

Não se o torniquete financeiro internacional –ancorado nas agencias de risco e na potencial fuga de capitais– tanger a pasta com a chibata dos juros altos, o estalo do arrocho fiscal, a volta do desemprego e reversão dos ganhos salariais.

A hora do acerto de contas chegou, brada o conservadorismo latino-americano de olho na reversão do ciclo mundial de liquidez que, de fato, restringe a margem de manobra progressista para mitigar a disputa pelo excedente.

É um pedaço da verdade. Mas a exemplo do que constatou o livro de 1967, não é toda a verdade.

O Brasil dispõe dos requisitos objetivos para um salto industrializante que irradie a produtividade necessária aos novos avanços em direção à cidadania plena de sua gente.

A saber:

1) as empresas instaladas no país dispõem de uma massa de capital monetário suficiente, hoje alocado na roleta rentista (que inclui a dívida pública; e em repouso em paraísos fiscais, onde Brasil figura como o 4º país com maior volume de depósitos: US$ 520 bi, ou mais de R$ 1 trilhão, segundo a organização inglesa “Tax Justice Network);

2) o mercado de massa brasileiro forma hoje, sozinho, o 16º maior país do mundo em movimento econômico;

3) a economia dispõe de sólidas bases de recursos naturais, incluindo-se o impulso industrializante inerente à exploração das maiores reservas de petróleo descobertas no planeta neste século.

Falta a amarração política desses ingredientes, processo que guarda semelhança com a disputa de um gigantesco jogo de truco estratégico.

A iniciativa privada mantém o pé no freio do investimento e a emissão conservadora exaspera a guerra de expectativas para desencorajar o capital privado a apostar no país.

Derrotado o ‘lulopetismo’, o lucro será maior, sugere-se.

Quem pode induzir a gigantesca escala de investimentos e o salto tecnológico que os oligopólios globais e seus associados locais – assim convertidos, como previa FHC em 1967– se recusam a deflagrar?

Para escapar ao fatalismo conservador, e à hipertrofia autoritária do Estado verificada na ditadura, só existe um caminho: encarar o fortalecimento da democracia participativa como um requisito indispensável à reordenação do desenvolvimento brasileiro.

Entenda-se por isso a criação dos instrumentos que forem necessários à ampla repactuação de metas e prazos que tornem críveis as linhas de passagem entre as urgências da sociedade e as possibilidades efetivas do crescimento.

Antes que a crispação conservadora resulte em um endosso ao fatalismo embutido em ‘Dependência e Desenvolvimento na América Latina’, será preciso escrever na prática uma outra referência histórica que liberte a democracia da passividade a que foi condenada no arcabouço conservador.

‘Democracia Social e Desenvolvimento na América Latina’ é um bom título para esse novo período à espera do seu autor coletivo.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Não é pelos 20 centavos


Fernando Tolentino, no BlogdoTolentino, 1/03/2014


Um dos bons prazeres do tempo de jovem estudante de Administração Pública (final da década de 60) era nos reunirmos, estudantes de esquerda, em volta de Vital Duarte, nosso professor de Geografia Econômica, para conversar sobre política e filosofia. Vital era um tipo curioso. Pequeno, frágil, mas vibrante, apresentava-se aos alunos como “comunista e rico”, forçando a contradição. Técnico do Banco do Nordeste, comprava nas mãos dos colegas as ações distribuídas como Participação nos Lucros ao final de cada ano. Elas não tinham praticamente valor e ele as juntava caprichosamente, até que a Bolsa de Valores teve um pico e ele, realmente, acumulou um enorme capital. Depois, perdeu parte significativa quando a Bolsa quebrou.
Mas eu trago Vital à conversa para lembrar que – sentado àquela mesa, que cobria com forro de plástico, para poder rabiscar à vontade enquanto falava – ele pontificava entre os jovens, vinculados alguns a diferentes forças políticas, como eu à AP (Ação Popular) e Adelson ao Partidão (PCB). Não foi à toa que tornou-se patrono de nossa turma. E dizia o saudoso Vital: “Se estão realmente devotados à causa socialista, tenham clareza que lutarão noite e dia, diante dos maiores sacrifícios, pela construção de uma sociedade em que não chegarão a viver.” E insistia: “É preciso ter essa grandeza. Dedicar a vida para que outras gerações possam conhecer o socialismo.”
Vital lutou a vida toda e faleceu precocemente, muito longe de ver o Brasil socialista.
Nós, reformistas ou revolucionários, éramos absolutamente inconformados com a estrutura fortemente excludente da sociedade brasileira. Cada um acreditava em seu método, tinha a sua visão de como deveria promover mudanças radicais para que todos tivessem acesso aos frutos do que era produzido pela Nação.
No meio, a necessidade de pôr fim à ditadura, que servia aos interesses das elites, justamente com o objetivo de manter (e aprofundar) a exploração, até porque se associavam ao capital internacional, sequioso de obter resultados compensadores nos países de sua esfera de influência.
É preciso lembrar-se daquela reflexão do velho mestre para entender que posso me sentir inteiramente representado no projeto de poder atualmente em curso sob a liderança do Partido dos Trabalhadores. Não viverei em uma sociedade socialista. Mais que isso, sei das enormes dificuldades para que sequer possamos ter um governo que execute um programa marcadamente petista. Tenho claro que o PT não tem o poder. Quando muito divide uma parte desse poder com outras forças políticas, entre elas vários partidos de corte nitidamente conservador. O PT tem apenas a liderança do processo político, que lhe é conferida pela eleição direta para a chefia do Poder Executivo. Com Lula nos primeiros oito anos e, agora, com Dilma.
O PT tem que dividir o próprio governo com esses partidos, que interferem decisivamente nas decisões governamentais. Além disso, é minoritário na base que lhe dá sustentação no Parlamento. Grande parte das decisões tem ainda que ser negociada com governadores ou prefeitos majoritariamente ligados a outros partidos. Para não falar das dificuldades nas relações com o Tribunal de Contas (com composição em que o PT praticamente não influiu) e com o Judiciário em geral.
É sempre bom destacar que o aparato legislativo foi herdado de períodos anteriores e são mínimas as possibilidade de promover alterações, só possíveis a partir de inúmeras negociações, em que inclusive se tem de abrir mão de questões importantes.
Não falta quem se questione na esquerda se vale mesmo a pena assumir a responsabilidade de conduzir um processo assim tão contingenciado por limitações. E há muitas outras que o caráter desse artigo não recomenda enumerar exaustivamente.
Essa discussão tomou conta até dos debates internos do PT e, em boa medida, está no vértice de várias defecções, inclusive as que deram origem a partidos como PSTU e PSOL.
De fato, se o PT fosse um partido comprometido exclusivamente com a classe média, em que não é pequena a expectativa de melhorar rapidamente suas condições de vida, seria preferível fazer uma opção oposicionista. Evitar as vitórias eleitorais para o Poder Executivo e manter-se nos microfones parlamentares e à frente de sindicatos e outras entidades populares, exibindo suas críticas e repetindo as suas reivindicações.
Os anos de governos de liderança petista, no governo federal ou mesmo nos estaduais e municipais, têm evidenciado frequentes confrontações com diferentes segmentos da classe média, especialmente categorias de servidores públicos.
De minha parte, entro em um ano eleitoral, no qual o PT disputará a permanência na Presidência da República e a liderança de governos em quase todos os estados, com a clara convicção de que a realidade brasileira avança na direção que me empolgou na já distante juventude.
Para o socialismo? Que é isso, companheiro. Há muito chão pra caminhar até que possamos alimentar esse sonho.
É claro que há muito por fazer, é provável até que algumas conquistas não tenham sido obtidas e pudessem receber maior atenção. Afinal, já lembramos que o PT dirige um governo em constante luta interna. E isso se repete em estados e municípios que governa.
Mas é possível dizer que, apesar de todas as dificuldades, mesmo considerando que esse processo começou com um país literalmente quebrado, tem sido extraordinário o avanço nas condições de vida de imensos contingentes de brasileiros, muitos dos quais sequer imaginavam o que era o mercado consumidor.
A nova classe média brasileira (renda familiar mensal entre R$ 1 mil a R$ 4 mil) representa hoje metade da população. Segundo o Instituto Data Popular, esse grupo ampliou o seu consumo em supermercados de 28 categorias de produtos em 2002 para 40 em 2011. Foi um aumento de mais de 42 milhões de brasileiros em uma década. Mais de 12 milhões deixaram a condição de miseráveis.
Segundo o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/FGV), o índice de Gini (que mede a desigualdade socioeconômica) caiu de 0,596 em 2001 para 0,519 em janeiro de 2012 no Brasil. Ou seja, a desigualdade entre os extremos tem sido reduzida.
No meio do processo desencadeado pelos governos sob a liderança do PT, o mundo entrou em forte crise econômica. A Europa ainda se debate com ela e não vê uma saída próxima. Vários países europeus quebraram. Com os parâmetros tradicionais da economia brasileira, isso jogaria o País nos braços do FMI e, como sabemos, em uma depressão incontrolável, com desemprego, quebra de milhares de empresas e consequências terríveis em inúmeros setores, inclusive as contas públicas.
Os efeitos sobre o Brasil foram significativamente minimizados. Para começar, o governo havia diversificado o comércio internacional, em que passaram a ter papeis destacados a China, a América Latina, a África e o Oriente Médio. Com isso, importamos menos dificuldades da situação dos Estados Unidos e, depois, da Europa.
Por outro lado, o mercado interno ampliou-se e descentralizou-se de forma espetacular. O salário mínimo cresceu, de pouco mais de US$ 60 para mais de US$ 300. Foi também fundamental a instituição do programa Bolsa Família, beneficiando milhões de famílias distribuídas justamente nas regiões mais pobres do País. O programa vem sendo incrementando e terá este ano R$ 24,65 bilhões.
Outros programas governamentais também serviram para o enfrentamento da crise e a melhoria das condições de vida do povo. Como o Minha Casa Minha Vida. Para se ter uma ideia, o Ministério das Cidades terá uma dotação de R$ 21,66 bilhões neste ano.
A interiorização do ensino também contribuiu. O número de municípios atendidos por universidades cresceu de 114 para 237 entre em 2003 e 2011. Foram 14 novas universidades e mais de 100 novos campi até então. Além disso, mais de meio milhão de estudantes beneficiaram-se do ProUni.
O crescimento do número de escolas técnicas foi espetacular: 240 só considerando o período de Lula, diante de 119 em todo o período republicano.
Outro dado que sequer é preciso mensurar, até porque sofre também a influência do investimento na área educacional, mas é inquestionável foi a retomada dos concursos públicos, beneficiando um contingente enorme de brasileiros.
É claro que esse artigo não pretende esgotar ações governamentais ou benefícios para a população brasileira, limitando-se a lembrar aspectos que venho acompanhando da nossa realidade e que me levam a refletir sobre a validade do projeto petista de chegar ao poder e, com isso, alterar a trajetória de exclusão que marcou a sociedade brasileira nos seus primeiros 500 anos, com breves intervalos de governos que buscaram atender os anseios da população trabalhadora, como os governos trabalhistas de Getúlio Vargas e João Goulart.
Qualquer um de vocês poderia listar o Luz para Todos, o SAMU, a distribuição de equipamentos ou ônibus escolares para as prefeituras. Poderia lembrar da política de cotas, da presença em aviões de pessoas que só os viam no céu, do acesso aos automóveis e mais uma infinidade de coisas.
O programa mais recente que traz esse compromisso de resgate das populações desassistidas é o Mais Médicos. Este ano os seus recursos aumentam de R$ 540 milhões para R$ 1,51 bilhão. O programa já conta com mais de 9.500 profissionais, atendendo em um número superior a dois mil municípios e 28 distritos indígenas. Inicialmente, o programa foi aberto para médicos brasileiros, sendo suplementados com originários de vários outros países, sendo 7.400 cubanos. Para se ter uma ideia, isso significou mais de 500 mil consultas mensais só na Bahia, atendendo populações que não tinham acesso a médicos.
Os resultados na economia acabaram sendo positivos relativamente à problemática vivida por todo mundo. Se o crescimento do PIB do Brasil foi tímido em 2013, o fato é que ficou entre os maiores do mundo, distante apenas da China e Coreia do Sul. Superado por apenas oito economias, mas ultrapassando as de vários países entre os mais ricos, notadamente os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha.
A inflação, apontada como um fantasma por diversos comentaristas econômicos, mantém-se controlada. O período de governo de Dilma Rousseff tem uma média anual de 6,08%, maior que os 5,77% do governo de Lula, mas bem aquém da média do dois governos de Fernando Henrique, que atingiu 9,1%.
E, o mais importante para os setores populares, o Brasil pode ostentar um dos menores índices de desemprego do mundo: 5,4%. Para citar apenas alguns exemplos, os Estados Unidos estão com 7%, a França com 11%, Portugal com 16,3%, enquanto a Espanha chega a 26,2%.
Tenho que concluir: vale muito a pena lutar por esse projeto. Não é o melhor dos mundos. E estamos muito distantes do socialismo. Mas disso o velho Vital já tinha me advertido.
Fernando Tolentino