sábado, 17 de maio de 2014

E piorando para quem?

Jorge Furtado, no seu blog

Fico triste ao ver artistas brasileiros, meus colegas, tão mal informados.
 
Imagino que, com suas agendas cheias, não tenham muito tempo para procurar diferentes fontes para a mesma informação, tempo para ouvir e ler outras versões dos acontecimentos, isso antes de falar sobre eles em entrevistas, amplificando equívocos com leituras rasas e impressionistas das manchetes de telejornais e revistas ou, pior, reproduzindo comentários de colunistas que escrevem suas manchetes em caixa alta, seguidas de ponto de exclamação.
 
Fico triste ao ler artistas dizendo que não dá mais para viver no Brasil, como se as coisas estivessem piorando, e muito, para a maioria. Dizer que não dá mais para viver no Brasil logo agora, agora que milhões de pessoas conquistaram alguns direitos mínimos, emprego, casa própria, luz elétrica, acesso às universidades e até, muitas vezes, a um prato de comida, não fica bem na boca de um artista, menos ainda de um artista popular, artista que este mesmo povo ama e admira. Em que as coisas estão piorando? E piorando para quem? Quem disse? Qual a fonte da sua informação?
 
Fico triste ao ouvir artistas que parecem sentir orgulho em dizer que odeiam política, que julgam as mudanças que aconteceram no Brasil nos últimos 12 anos insignificantes, ou ainda, ruins, acham que o país mudou sim, mas foi para pior. Artistas dizendo que pioramos tanto que não há mais jeito da coisa “voltar ao ‘normal ‘”, como se normal talvez fosse ter os pobres desempregados ou abrindo portas pelo salário mínimo de 60 dólares, pobres longe dos aeroportos, das lojas de automóvel e das universidades, se ”normal” fosse a casa grande e a senzala, ou a ditadura militar. Quando o Brasil foi normal? Quando o Brasil foi melhor? E melhor para quem?
 
A mim, não enrolam. Desde que eu nasci (1959) o Brasil não foi melhor do que é que hoje. Há quem fale muito bem dos anos 50, antes da inflação explodir com a construção de Brasília, antes que o golpe civil-militar, adiado em 1954 pelo revólver de Getúlio, se desse em 1964 e nos mergulhasse na mais longa ditadura militar das américas. Pode ser, mas nos anos 50 a população era muito menor, muito mais rural e a pobreza era extrema em muitos lugares. Vivia-se bem na zona sul carioca e nos jardins paulistas, gaúchos e mineiros. No sertão, nas favelas, nos cortiços, vivia-se muito mal.
 
A desigualdade social brasileira continua um escândalo, a violência é um terror diário, 50 mil mortos a tiros por ano, somos campeões mundiais de assassinatos, sendo a maioria de meninos negros das periferias, nossos hospitais e escolas públicos são para lá de carentes, o Brasil nos dá motivos diários de vergonha e tristeza, quem não sabe? Mas, estamos piorando? Tem certeza? Quem lhe disse? Qual sua fonte? E piorando para quem?
 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Explicando o Bolsa Família para o Ney Matogrosso


Do sítio Pragmatismo Político 14/05/14

Uma das principais bandeiras dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, o programa de transferência de renda Bolsa Família entrou na pauta eleitoral de 2014.

 O anúncio do reajuste de 10% em cadeia nacional, feito às vésperas do 1º de maio pela presidenta Dilma Rousseff, e as críticas de seu opositor Aécio Neves – de que o aumento é insuficiente e não atende às recomendações das Nações Unidas sobre o combate à pobreza – mostram que o benefício dado pelo governo federal será alvo de debate e disputa durante a campanha eleitoral. Recentemente, o cantor Ney Matogrosso também desqualificou o governo, ao tecer críticas ao programa social.

Conheça mais sobre o Bolsa Família e veja quais as respostas às perguntas mais frequentes sobre ele:

O que é o Bolsa Família?
O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza do País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como foco de atuação brasileiros com renda familiar per capita inferior a 70 reais mensais.

Quantas pessoas são atingidas pelo Bolsa Família?
De acordo com o governo, no mês de abril de 2014 o Bolsa Família foi pago a 14.145.274 famílias, atingido cerca de 50 milhões de pessoas.

Qual o valor que cada família recebe e como ele é calculado?
O programa oferece às famílias quatro tipos de benefícios: o Básico, o Variável, o Variável para Jovem e o para Superação da Extrema Pobreza.
O Básico, concedido às famílias em situação de extrema pobreza, é de 70 reais mensais, independentemente da composição familiar. Já o Variável, no valor de 32 reais, é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham crianças e adolescentes entre 0 e 15 anos, gestantes ou nutrizes, e pode chegar ao teto de cinco benefícios por família, ou seja 160 reais. As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício Básico e o Variável, até o máximo de 230 reais por mês.

O benefício Variável para Jovem, de 38 reais, é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham adolescentes entre 16 e 17 anos, matriculados na escola. A família pode acumular até dois benefícios, ou seja, 76 reais.
Já o para Superação da Extrema Pobreza é concedido às famílias em situação de pobreza extrema. Cada família pode ter direito a um benefício. O valor varia em razão do cálculo realizado a partir da renda per capita da família e do benefício já recebido no programa.
As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício Básico, o Variável e o Variável para Jovem, até o máximo de 306 reais por mês, como também podem acumular um benefício para Superação da Extrema Pobreza.

Qual o máximo que uma família já recebeu?
O benefício do Bolsa Família é variável, uma vez que é pago o valor suficiente para que uma família possua uma renda per capita mensal mínima de 70 reais (77 reais, a partir de junho de 2014).
No entanto, um dos valores mais altos pagos a uma família, de 19 membros, foi de 1.332 reais. A quantia repassada pelo Bolsa Família, no ano de 2012, teve valores combinados através do Brasil Carinhoso.

Como o governo sabe quem tem que receber o Bolsa Família?
A seleção das famílias para o Bolsa Família é feita com base nas informações registradas pelo município no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, instrumento de coleta e gestão de dados que tem como objetivo identificar as famílias de baixa renda existentes no Brasil. Com base nesses dados, o Ministério do Desenvolvimento Social seleciona as famílias que receberão o benefício.

Quais são as regras para poder receber o benefício?
Podem receber o benefício as famílias em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até 70 reais por mês; aquelas que são consideradas pobres, renda per capita entre 70,01 reais e 140 reais por mês; e as que são pobres ou extremamente pobres e tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos (sendo nesses últimos casos um valor maior do que o fornecido às famílias sem crianças, adolescentes ou gestantes).

Para ser beneficiário, será preciso apresentar um documento de identificação, como o CPF, por exemplo, entrar no Cadastro Único. O cadastramento, no entanto, não significa que o recebimento será imediato. Quem seleciona as famílias que receberão o Bolsa Família é o Ministério do Desenvolvimento Social, com base na renda per capita.
As prefeituras municipais são responsáveis por cadastrar, digitar, transmitir, manter e atualizar a base de dados, acompanhar as condições do benefício e articular e promover as ações complementares destinadas ao desenvolvimento autônomo das famílias pobres do município.

Quais as contrapartidas que a família precisa dar?
Na área de saúde, as famílias devem acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento médico. Quando gestantes ou lactantes devem realizar o pré-natal e o acompanhamento de sua saúde e do bebê.
No que diz respeito a educação, todas as crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos devem estar matriculados e ter frequência escolar mensal mínima de 85% da carga horária. Já os estudantes entre 16 e 17 anos devem ter frequência de, no mínimo, 75%.
Na área de assistência social, crianças e adolescentes com até 15 anos em risco ou retiradas do trabalho infantil devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal.

De que maneira as contrapartidas são checadas?
Cabe ao poder público fazer o acompanhamento gerencial para identificar os motivos do não cumprimento das condicionalidades. A partir daí, são implementadas ações de acompanhamento das famílias em descumprimento, consideradas em situação de maior vulnerabilidade social.
A família que encontra dificuldades em cumprir as contrapartidas deve procurar o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) ou a equipe de assistência social do município.
Caso não tome nenhuma dessas atitudes, corre o risco de ter o benefício bloqueado, suspenso ou até mesmo cancelado.

Dos brasileiros que recebem o Bolsa Família, qual a porcentagem de mulheres e de homens?
Entre os titulares responsáveis pelas famílias que recebem, 93% são mulheres. Do total de pessoas que são beneficiadas pelo programa, 56% são mulheres e 44% são homens.

Qual o número de brasileiros que deixaram de precisar do programa e abriram mão do benefício?
Desde o início do programa, em 2003, 1,7 milhão de famílias deixaram o programa por informarem renda per capita mensal superior aos limites estabelecidos.

Há outras iniciativas neste sentido?
O Brasil Sem Miséria lançou a Ação Brasil Carinhoso Para atender as crianças de zero a seis anos – fase crucial do desenvolvimento físico e intelectual. A Ação Brasil Carinhoso foi concebida numa perspectiva de atenção integral que também articula reforço de políticas ligadas à saúde e à educação. Por isso, envolve o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação (MEC).
Em um primeiro momento, foi criado um complemento do benefício do Bolsa Família, que garante que todos os beneficiários tenham uma renda mensal de pelo menos 70 reais, saindo da situação da extrema pobreza. Atualmente, entretanto, esse complemento foi estendido para as famílias com crianças e jovens de até 15 anos e a todas as famílias em situação de extrema pobreza.

Segundo o governo, entretanto, hoje não é mais possível considerar que o complemento do Bolsa Família para famílias em extrema pobreza seja parte do Brasil Carinhoso. Ele é nominado como complemento do Brasil Sem Miséria.

Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff anunciou um reajuste de 10% no Bolsa Família. Como ele será feito?
De acordo com o Decreto nº 8.232, de 30 de abril de 2014, esse aumento terá efeitos a partir de 1º junho de 2014. Assim, o programa passará a atender famílias que tenham renda mensal por pessoa de até 77 reais (extrema pobreza) e famílias com renda per capita entre 77,01 reais e 154 reais (pobreza), desde que, nesse caso, haja crianças, adolescentes, gestantes ou nutrizes.

Assim, os valores mensais pagos às famílias também terão aumento. Enquanto o benefício Básico passa a ser de 77 reais, o Variável aumentará para 35 reais e o Variável Jovem passa a ser 42 reais. Já o para Superação da Extrema Pobreza terá aumento caso a caso, pois deverá ser concedido para famílias que, mesmo após receber os demais benefícios do Bolsa Família permaneçam com renda por pessoa de até 77 reais.

O que garante o Bolsa Família? Uma lei?
O Bolsa Família foi criado por meio da Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Sua regulamentação se deu por meio do Decreto nº 5.209, de 17/09/2004.

Como o programa poderia vir a se tornar um direito constitucional?
Criado para atender aos direitos sociais expressos no artigo 6º da Constituição (a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados), o Bolsa Família não é um direito constitucional. No entanto, projeto de lei do pré-candidato à Presidência pelo PSDB, Aécio Neves, prevê que o programa seja incorporado à Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) com objetivo de assegurar o benefício como política pública. Já o presidenciável pelo PSB, Eduardo Campos, prometeu incluir mais famílias no benefício do governo federal.

Há estudiosos do programa que defendem que se o benefício se tornar um direito constitucionalizado deixará de ser uma política pública de governo – ou atrelada a um partido – para se tornar de Estado.

Fontes: CartaCapital, MDS e Caixa Econômica Federal


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Dirceu e a tortura moral

Paulo Moreira Leite 09/05/2014


A notícia de que uma das filhas de José Dirceu furou a fila da Papuda para encontrar-se com seu pai tem a relevância de um episódio menor numa grande tragédia.
Ninguém precisa ter compromisso com erros e deslizes.
Quaisquer que sejam as falhas e faltas cometidas  neste caso, que ainda aguarda esclarecimentos maiores, é preciso distinguir o principal do secundário, o que é certo do que é absurdo. 
José Dirceu, hoje, é vitima de  tortura moral contínua.  
Como esse tipo de violência não deixa marcas físicas, muitas pessoas acham fácil conviver com ela. Não sentem culpa nem remorso.
O pai de Joana Saragoça encontra-se preso na Papuda desde novembro de 2013.
Jamais foi condenado a regime fechado mas até hoje lhe negam o direito de sair para trabalhar. Sua privacidade foi invadida e, sem seu consentimento, suas fotografias na prisão chegaram aos meios de comunicação, várias vezes, onde foram exibidas de modo a ferir sua imagem. Nada aconteceu com os responsáveis por isso. Nada.
No esforço para encontrar – de qualquer maneira – o traço de qualquer conversa telefonica indevida, um indício, um ruído, uma procuradora chegou a pedir o monitoramento ilegal das comunicações do Palácio do Planalto, o STF, o Congresso – e nada, absolutamente nada, lhe aconteceu nem vai acontecer, fiquem certos.
Infiltrados numa visita de caráter humanitário, parlamentares da oposição chegaram a divulgar mentiras convenientes para prejudicar Dirceu. Lançaram a lorota do banho quente na cela. Uma deputada que sequer entrou em sua cela deu entrevistas falando dos privilégios. O que ocorreu? Nada. Nada. Nada. Sequer sentiu vergonha. Talvez ganhe votos.
Situações como aquela enfrentada por José Dirceu podem criar situaçoes insuportáveis entre pessoas próximas.
São capazes de  provocar reações irracionais, erradas, por parte daqueles que mais sentem a dor da injustiça.
Sem suspiros moralistas, por favor.
Lembrando as reações iniciais ingênuas da família do capitão André Dreiyfus, Hanna Arendt sugere que os parentes – muito ricos -- chegaram a pensar em subornar autoridades que poderiam libertá-lo.
Quer um episódio mais chocante? Em 1970, Carlos Eduardo Collen Leite, o Bacuri, militante da luta armada, foi preso e massacrado pela tortura do regime militar. Não custa lembrar que, antes de ser executado, os jornais fizeram sua parte no serviço: noticiaram sua fuga – dando a cobertura para um assassinato impune.
Bacuri foi apanhado num momento em que fazia levantamento para um sequestro no qual pretendia salvar a mulher, a militante Denise Crispim, presa e grávida. Quando seu corpo apareceu, Bacuri tivera as orelhas decepadas, olhos vazados, dentes quebrados, vários tiros no peito.
Claro que estamos falando de situações diferentes. Muito diferentes. Graças a atuação de homens e mulheres no passado mais duro – inclusive José Dirceu – o país tem hoje um regime de liberdade.
Estes casos mostram, contudo, como é difícil reagir diante da injustiça.
Mostram como é pequeno falar em “privilégio” diante de um poder que se arvora o direito de espionar a presidência da República e nada sofre. Que desrespeita a lei, enrola e ganha tempo, apenas para punir e perseguir.
 E é errado, muito errado, cobrar de quem está nessa situação, oprimida, injustiçada, comportamentos exemplares, racionais, sem enxergar o conjunto da situação. Até porque nada se compara com outras reações surpreendentes e tão comuns no país, como a de empresários que corrompem politicos, constroem fortunas imensas e, mais tarde, apanhados em flagrante, alegam que foram vítimas de extorsão. Nada disso.
 O pai de Joana Saragoça está sendo submetido a um processo continuo de violência moral. Sua base é o silêncio, o escuro, é a cela fechada, o presídio trancafiado, os amigos distantes, o trabalho proibido, tudo para que se transforme numa não pessoa,   com a cumplicidade e o silêncio dos mesmos que se mostram muito incomodados com banhos quentes, um papelzinho de uma lanchonete fast-food, uma feijoada em lata...
 E se você acha que, talvez, esse negócio de “tortura moral” pode ser invenção deste blogueiro, talvez seja bom desconfiar da natureza de seus próprios principios morais. Eles podem ter-se tornadoi flexíveis ultimamente. 

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Deus só pode ser brasileiro por nos brindar com a Folha de S. Paulo

Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo, 09/05/14

Estou comovido com a coragem da Folha de S. Paulo.
Veja como ela, a serviço do Brasil, enfrenta destemidamente interesses de poderosos. A Globo sonega bilhões, um ato corrupto e criminoso?
Lá está a Folha, para defender os cidadãos da predação tributária, econômica, social da Globo.
A cobertura da Folha sobre o escândalo fiscal da Globo merece mais que o Esso. Tem que levar também o Pulitzer.
Ponho a Folha no mesmo patamar de Snowden, ao desafiar o império americano. Que seríamos de nós sem a Folha?
Mais um capítulo da saga indômita da Globo acaba de ser escrito hoje.
A Folha está se batendo contra ninguém menos que a ultrapoderosa Joana Saragoça, filha de Dirceu. Podemos dormir sossegados, agora.
Joana cometeu o crime inominável de ter furado a fila na visita a seu pai, segundo repórteres da Folha que ficaram de campana para flagrar este ato de superior importância.
Os leitores da Folha reconhecem a grandeza do feito do jornal. Li os comentários no site. “Filho de rato, rato é”, exclamou um deles.
“Filha legítima de Zé Dirceu, mau caráter como o pai”, decidiu outro.
No blog de um colunista da Folha, o tom civilizatório comandava os comentários. Disse um leitor ali: “O terrorista, criminoso, bandido, mensaleiro, chacal famulento goza de regalias, privilégios e mordomias desmesuradas.” Ele desejou a morte a Dirceu, a quem o diabo esperará para “se saciar”.
Um jornal, um site são seus leitores, e são realmente inspiradores os leitores da Folha e de seus colunistas. Magnânimos como Marco Aurélio, generosos como Confúcio, tolerantes como Voltaire, brilhantes como Platão.  Devem todas essas virtudes à Folha.
Houve uma transferência imediata do ódio que os leitores progressistas da progressista Folha sentem por Dirceu. Do pai ele jorrou para a filha.
Faço aqui uma pequena pausa para que todos aplaudamos a Folha e seus leitores sensacionais.
Se eu fosse anunciante – privado ou público – me orgulharia de cada centavo colocado na Folha. Porque ela está educando os brasileiros, e nos tornando uma sociedade de filósofos.
Estamos, graças à Folha, protegidos de Dirceu. E agora também estamos protegidos da diabólica Joana.
Mais uma salva de palmas, e de pé, para o magnífico jornal da Barão de Limeira, e para seu dono e editor, Otávio Frias Filho, há mais de trinta anos ajudando a fazer o Brasil esta república escandinava que é.
E aplausos também para Sérgio Dávila, editor executivo do jornal, e para Matheus Leitão,  o repórter que flagrou Joana. São os nossos Assanges.

Deus só pode ser brasileiro nos dando tanta gente boa para zelar por nós.

domingo, 4 de maio de 2014

A questão ética do vídeo de Dirceu na prisão


Paulo Nogueira, no Diario do Centro do Mundo.
O episódio do vídeo de Dirceu na prisão oferece uma excelente reflexão sobre os limites da mídia.
Melhor: sobre a falta de limite.
Na Inglaterra, quando se soube que um tabloide de Murdoch invadira a caixa postal do celular de uma garotinha sequestrada (e morta) a questão dos limites irrompeu fulminantemente.
Jornais podem tudo? Em nome do quê? De vender mais exemplares e enriquecer seus donos, fingindo que existe interesse público em qualquer coisa?
Na mesma semana em que a opinião pública inglesa ergueu sua voz de repulsa e de condenação à invasão do celular, Murdoch se viu obrigado a simplesmente fechar o jornal, que era o mais velho da Inglaterra.
Pediu desculpas, procurou os pais da menina com um cheque milionário – e mesmo assim virou, a partir dali, um pária entre os ingleses, depois de ser por décadas uma espécie de Roberto Marinho.
Voltou às manchetes apenas recentemente, e isso porque sua mulher o traiu com Tony Blair, de quem num diário que vazou elogiou o corpo “lindo”.
A Folha invadiu a privacidade de Dirceu de uma forma abjeta como se isso fosse absolutamente normal.
Ou os Frias e seus editores são péssimos jornalistas, sem qualquer noção, ou há algo de errado no manual de conduta da imprensa brasileira em geral.
A segunda hipótese é a mais real.
A Veja tentou invadir, algum tempo, um quarto de hotel em que Dirceu – sempre ele – se alojava em Brasília. A revista fez seu repórter se passar por gatuno.
Mais recentemente, a mesma Veja invadiu a privacidade de Dirceu na cadeia com fotos tiradas em condições ilegais e informações de escassa credibilidade.
Pode tudo?
Na Inglaterra, o caso da garotinha desencadeou imediatamente um debate sobre os limites da mídia.
Um juiz de ilibada reputação – não alguém como Gilmar, ou Fux, ou Barbosa – comandou um comitê destinado a rever o que a mídia pode e não pode fazer.
Uma das conclusões foi que a autorregulação fracassou. Fiscal (como a mídia alega ser) sem fiscalização acaba como contraventor.
Os britânicos estudam agora modelos de regulação que possam melhorar os padrões éticos da mídia. Como já escrevi aqui, a regulação dinamarquesa – sempre a Escandinávia – é uma referência nas modificações pelas quais seguramente passarão as regras para a imprensa no Reino Unido.
O Brasil vai ter que passar pelo mesmo, cedo ou tarde. As empresas de jornalismo defenderão seus interesses particulares (e muitas vezes escusos) contra os interesses da sociedade, mas em algum momento a opinião pública exigirá mudanças como aconteceu na Inglaterra.
O caso da Folha é particularmente ilustrativo. Tantos anos de ombudsman e não conseguiu ter uma ideia básica de ética que vede publicar um vídeo como o que mostra Dirceu na cadeia?
Há uma discussão adjacente aí.
O suspeito – suspeitíssimo – de ter passado o vídeo à Folha milita no PPS de Roberto Freire. Ele, o suspeito, é casado com uma apresentadora da CBN, Roseann Kennedy.
Não é o primeiro militante do PPS que aparece vinculado, indiretamente, ao jornalismo. Uma jornalista do Estadão que se notabilizou nos últimos tempos por ataques a Dirceu, Andreza Matais, é também casada com um militante do PPS.
Isso quer dizer que o PPS aparelhou a mídia.
Pior: a mídia gostou de ser aparelhada – ela que tanto fala no aparelhamento do PT.
Um dia, e o DCM batalhará para que isso seja quanto antes, a conduta da imprensa nestes nossos dias será vista com uma mistura de repulsa e surpresa, repulsa por razões óbvias, surpresa porque as pessoas se perguntarão como tanta canalhice pôde ser tolerada.

sábado, 3 de maio de 2014

E se um juiz da Suprema Corte...

Tarso Freire, 02/05/14

Imaginemos uma Suprema Corte que possuísse a nobre missão de interpretar a Constituição Federal que fora escrita por membros de um Congresso especialmente eleito. Haveria maneira de uma tão importante instituição para o país ser de alguma forma desmoralizada?

Se um juiz da Suprema Corte estivesse em licença do trabalho devido a problemas de saúde e fosse visto sistematicamente em barzinhos da cidade, não estaria ele tentando desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz, para ser escolhido à Suprema Corte, afirmasse categoricamente que ‘mataria um processo no peito’ e depois publicasse o seu modus operandi no jornal, se vangloriando de sua esperteza, ele não estaria querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E se uma juíza da Suprema Corte dissesse que não tinha provas contra um réu, mas que iria condená-lo assim mesmo porque a literatura jurídica lhe permitia? Claro, ela estaria equivocada porque, na dúvida, a liberdade de uma pessoa é mais importante do que a literatura jurídica. Entretanto, se ela condenasse sem provas, a Sra. Ministra não estaria desmoralizando a Suprema Corte?

Se um juiz da Suprema Corte, após se aposentar, virasse advogado de um banqueiro cujo nome misteriosamente desaparecera de um processo cujo julgamento fora divulgado ad nauseum e que condenou pessoas com a esdrúxula teoria do domínio do fato, não estaria ele contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?

E se um Advogado Geral da União fizesse contratos entre o seu instituto de ensino e a AGU para ministrar cursos aos seus funcionários, ganhando como sócio e como professor, e se esse advogado fosse alçado ao cargo de juiz da Suprema Corte, esta não seria uma atitude que desmoralizaria de morte a Suprema Corte?

E se o mesmo juiz da Suprema Corte após alguns anos fizesse um contrato de milhões de reais, sem licitação, para a sua instituição de ensino ministrar cursos para um tribunal estadual, não poderíamos imaginar que ele estaria querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte exagerasse deliberadamente as penas dos réus para evitar a prescrição e colocá-los em regime fechado (suponhamos que ele dissesse algo como “foi feito para isso sim, oras!”) não estaria ele contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte, revoltado com a derrota numa votação, acusasse seus pares de ser maioria de circunstância formada sob medida, não seria uma forma de tentar desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte abrisse uma empresa pessoa jurídica na Flórida e a colocasse sediada num apartamento funcional do judiciário – e se isso fosse expressamente proibido por lei – não estaria ele ajudando a desmoralizar a Suprema Corte?

Se um juiz da Suprema Corte comprasse um apartamento em Miami por U$ 1 milhão alegando pagar apenas dez ou vinte dólares, sabe-se lá Deus o porquê, isso não poderia desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte participasse de jantares especialmente oferecidos por advogados famosos que possuem processos tramitando no tribunal, não estaria contribuindo para desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte fizesse uma reforma no banheiro do seu apartamento, com dinheiro público, no valor de 90 mil reais? Além de ser um acinte e um deboche, tal atitude não contribuiria com a desmoralização da Suprema Corte?

E se o mesmo juiz do banheiro precioso mandasse o jornalista que descobriu e noticiou a rica reforma chafurdar no lixo... ele não estaria desmoralizando a Suprema Corte?

Imaginemos ainda que um juiz da Suprema Corte fizesse uma viagem ao exterior e pagasse com recursos públicos a passagem para uma jornalista de uma empresa privada (na qual o filho trabalhasse) para fazer a cobertura das suas peripécias além fronteiras. Não seria essa a atitude de quem estivesse querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E se um juiz da Suprema Corte solicitasse e recebesse diárias estando de férias na Europa, e após ser denunciado, inventasse uma agenda humorística? Este juiz não estaria querendo desmoralizar a Suprema Corte?

E não há forma mais contundente de se desmoralizar um tribunal do que se cometer uma injustiça. Se um juiz da Suprema Corte escondesse sorrateiramente um laudo que ajudaria provar a inocência de um réu ele não estaria desmoralizando irremediavelmente a Suprema Corte?

Se existissem tais juízes – que no futuro não passariam de nota de rodapé borrada da história – certamente eles poderiam contribuir com suas palavras, atitudes e omissões para a desmoralização definitiva da Suprema Corte do seu país.

E uma questão final: Será que a verdade é mesmo uma quimera?


sexta-feira, 2 de maio de 2014

Entenda porque Pizzolato fugiu


Andrea Haas, esposa de Henrique Pizzolato

Pizzolato veio para a Itália em busca de refúgio e do direito à justiça que lhe foram negados em um julgamento político e de exceção feito na Suprema Corte do Brasil. A carta pública amplamente divulgada no dia 15/11/2013 já deixou isso bem claro. Foi condenado sumariamente por um único tribunal, por uma única decisão. Não teve direito a nenhum recurso, não teve direito a nenhuma revisão da sentença que o condenou a 12 anos e sete meses de prisão mais multa por crimes que não cometeu e que sequer existiram. Foi “selecionado” para justificar a falsa e grave acusação que dinheiro público foi utilizado por integrantes do PT e do governo do PT para comprar apoio político em favor do governo do ex Presidente Lula. Acusação infundada. Uma grande mentira, pois o dinheiro dito público, em verdade pertencia à Visa Internacional. O dinheiro nunca pertenceu ao Banco do Brasil.
O BB Banco de Investimentos S/A era um dos 25 parceiros da Visanet que tinham obrigações de atingir metas estabelecidas pela Visa Internacional. No ano de 2000, a Visa América Latina e Caribe determinou que a Visanet participasse do “Domestic Cooperative Brand Development Fund”, serviço disponibilizado pela Visa aos membros (participantes que mantinham contrato com a Visa) com o objetivo de dar suporte ao crescimento da bandeira (marca Visa). Diante desta determinação, o Fundo de Incentivo (para marketing) Visanet foi constituído em 2001 no Brasil e, a ele, foi destinado a porcentagem de 0,1% do faturamento total da Visa no Brasil. O dinheiro deste Fundo foi disponibilizado aos bancos parceiros da Visa, que participavam da Visanet, para ser utilizado em campanhas publicitárias para promover a marca Visa. A Visanet editou um Regulamento com todas as regras que deviam ser obedecidas pelos bancos parceiros que optassem por utilizar o dinheiro do Fundo. Este Regulamento definia que instâncias diretivas próprias da Visanet tinham exclusivo poder para decidir tudo o que se referia ao dinheiro do Fundo Visanet. Desde o ano de 2001, a Visanet sempre pagou diretamente e em forma de adiantamentos para as agências de publicidade do Banco do Brasil, para que confeccionassem propagandas da marca Visa e confirmou que estas propagandas foram efetivamente realizadas. As provas e documentos que atestam estas afirmações estão no processo e comprovam que o dinheiro não era público e eram outros os funcionários do Banco do Brasil e, não Pizzolato, que tinham responsabilidade para gerir e solicitar que a Visanet efetuasse pagamentos à DNA Propaganda.
Pizzolato foi condenado por receber dinheiro, porque “liberou” dinheiro da Visanet para a agência de publicidade DNA Propaganda. Pizzolato nunca “liberou” dinheiro para a DNA. Isto era impossível. Somente o gestor, funcionário do BB da diretoria de varejo tinha este poder e de fato, todos os documentos encaminhados à Visanet, inclusive as solicitações de pagamento, foram assinados por funcionários da diretoria de varejo. Pizzolato foi acusado por “favorecer” a DNA ao prorrogar o contrato de publicidade. A prorrogação do contrato foi decidida em documento assinado pelo conselho diretor do BB (presidente e sete vice-presidentes) antes de Pizzolato assumir o cargo de diretor de marketing.
O dinheiro dito recebido por Pizzolato, foi para o Diretório do PT do Rio de Janeiro, como constam em depoimentos que estão no processo.
Muitos documentos foram desconsiderados por ministros do STF e ocultados das defesas dos réus da Ação Penal 470. Dentre eles, cito o Laudo 2828/2006 feito pela Polícia Federal que lista 15 dos maiores recebedores do dinheiro pago pela Visanet desde o ano de 2001, entre eles a Tv Globo e Casa Tom Brasil.
Se o Laudo 2828 confirma que muitas empresas foram pagas com o dinheiro da Visanet, como os acusadores podem afirmar que o mesmo dinheiro foi desviado para favorecer o PT?
Se estas empresas receberam dinheiro da Visanet, como afirma o laudo, pela lógica, a investigação deveria ter sido feita para comprovar se estas empresas realizaram efetivamente os serviços ou se desviaram o dinheiro para o “esquema” denunciado pelo ministério público.
O Laudo 2828 é emblemático para comprovar os absurdos cometidos neste julgamento, embora existam muitos outros. Foi feito pela polícia federal para investigar, contabilmente, a relação entre a Visanet e a DNA Propaganda. Documentos da Visanet e da DNA foram confiscados mediante mandado de busca e apreensão. Este laudo apesar de ter sido feito na fase de investigação, portanto, sem qualquer acompanhamento das defesas, responde quem eram os responsáveis, desde 2001, perante a Visanet e perante o Banco do Brasil para gerir o dinheiro do Fundo Visanet. Nomina quais foram as empresas, ditas “os maiores recebedores” do dinheiro destinado pelo Fundo Visanet. Pizzolato sequer é citado no laudo, pois nos documentos apreendidos não existe nenhum assinado por ele. Todos os documentos enviados pelo Banco do Brasil à Visanet foram encaminhados e assinados por outros funcionários de outra diretoria. O Laudo 2828/2006 foi feito “no interesse do inquérito 2245” como dizem os peritos no primeiro parágrafo, mas nunca constou do inquérito 2245 que investigava o chamado “escândalo do mensalão”. Este laudo apesar de já estar concluído em 20 de dezembro de 2006 – 8 meses antes do julgamento para aceitação da denúncia que ocorreu em agosto de 2007 – nunca fez parte do inquérito 2245, portanto os advogados não tiveram acesso a ele para preparar suas defesas. O laudo foi para outro inquérito de número 2474, também no STF, mas mantido em segredo de justiça pelo mesmo relator do inquérito 2245. A existência do Inquérito 2474 nunca foi informada aos advogados de defesa dos “40” réus da AP 470. O 2474 foi aberto para separar documentos de investigações que não haviam sido concluídas(!). Ora, 40 pessoas foram “eleitas” para serem denunciadas sem que as investigações tivessem sido concluídas?
E, pior, quando o inquérito 2474 foi descoberto, o acesso aos documentos foi negado aos advogados sob o argumento “… os dados constantes do presente inquérito (2474) não serão utilizados na análise dos fatos objeto da AP 470, por tratarem de fatos diversos, não havendo, portanto, qualquer cerceamento do direito de defesa…).
Como dizer que não houve cerceamento de defesa se um documento, um Laudo, que dizia respeito a todos os acusados foi ocultado de suas defesas?
Pizzolato foi acusado criminalmente por “não fiscalizar” o contrato de publicidade entre o BB e a DNA no que se refere aos “bônus de volume”, valor pago por veículos de divulgação para fidelizar (premiar) agências de publicidade e que, no entender dos acusadores, deveria ter sido devolvido ao Banco do Brasil.
Como depôs um alto executivo da Globo, não foi Pizzolato quem criou o “bônus de volume”. Não era responsabilidade dele fiscalizar os contratos do Banco do Brasil com as agências de publicidade. Esta atribuição era de outro funcionário do BB e a conferência de pagamentos e notas fiscais era feita por outra diretoria. O Banco do Brasil nunca cobrou a devolução de “bônus de volume” de nenhuma das tantas agências de publicidade contratadas, porque tal parcela nunca constou em cláusula de contrato e nem poderia constar, por se tratar de uma oferta facultativa (comissão, prêmio) oferecida às agências de publicidade por parte de empresas prestadoras de serviço, depois que as negociações, em que participavam os funcionários representantes de empresas públicas, já estavam concluídas.
Por que Pizzolato foi responsabilizado criminalmente se a permissão para o pagamento de “bônus de volume” consta em lei (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12232.htm ) e continua sendo uma relação exclusivamente privada entre as agências de publicidade e fornecedores, da qual nenhum contratante (empresas públicas) participam?
O julgamento da AP 470 foi injusto para todos. Para uns, provas e documentos foram desconsiderados, indícios prevaleceram sobre as provas, para outros, teorias “jurídicas” justificaram a falta de provas. Leis constitucionais e convenções internacionais foram desrespeitadas, o direito à defesa foi negado.
Pergunto: por quê?
Que interesses estão acima e são mais importantes para que o direito de defender a liberdade seja negado?
Para Pizzolato não existiu nenhum direito de recurso e revisão da decisão do julgamento.
Permanecer no Brasil significava sujeitar-se à uma única decisão, tomada por um único tribunal.
Significava sujeitar-se à prisão, à injustiça sem ter mais como e a quem recorrer.
Apesar da enorme tristeza e decepção com a forma como transcorreu o julgamento, enfrentamos com as forças que nos restaram de anos de agonia e lutamos com os meios que estavam ao nosso alcance para informar e denunciar os erros e irregularidades do julgamento, para divulgar as provas e documentos, que foram desconsiderados e ocultados, e que comprovam que não existiu desvio de dinheiro, muito menos de dinheiro público. Uma luta desigual diante do poder do Estado, diante do poder judiciário, que julgou e condenou desrespeitando leis e direitos fundamentais, e que continua massacrando e oprimindo pessoas que foram julgadas e condenadas em um julgamento injusto.
A decisão de vir para a Itália foi difícil e dolorida, pois significou o descrédito. Viemos buscando sobreviver à opressão, não queríamos nos render à injustiça.
Estamos nas mãos de outro Estado. Dependentes de uma decisão que o Estado italiano tomará a respeito do pedido de extradição feito pelo Procurador Geral do Brasil.
Não tenho mais certezas de nada. Gostaria de acreditar que justiça ainda possa existir em algum lugar e que uma decisão daqui pudesse reverter todas as injustiças que foram feitas no Brasil. Gostaria de acreditar que um novo julgamento possa ser feito e que este seja justo.
Mas confesso, temo pelas decisões que são tomadas politicamente que desprezam princípios e direitos e que desconsideram fatos e provas.
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Prisão no 1 de maio

Paulo Moreira leite 02/05/2014


“Só não me venham com mentiras”, reagiu Maria Laiz, mãe de Genoíno, quando soube da volta do filho a prisão


A prisão de José Genoíno é um novo sinal político. Só durante a ditadura os militantes do movimento operário eram presos no 1 de maio. Depois disso, a data era respeitada. Havia um compromisso tácido, um respeito por aqueles milhões de brasileiros que ajudaram a transformar o país numa democracia.

A primeira a perceber o que se passava foi Maria Laiz Nobre Guimarães. Aos 89 anos, ela  acompanhou o noticiário sobre a volta do primogênito à Papuda pela TV parabólica da casa onde mora, em Encantado, no interior do Ceará. Quando atendeu ao telefone, ficou com receio de que tentassem amenizar sua dor:

–Só não me venha com mentiras, meu filho, disse ao deputado José Guimarães, irmão de Genoíno.

Genoíno retornou a Papuda no 1 de maio, data histórica dos trabalhadores, depois de ter sido preso pela primeira vez em  15 de novembro, da República.

Justo Genoíno, que tentou organizar trabalhadores rurais no Araguaia, onde seu partido, o PC do B, queria montar uma guerrilha contra a ditadura militar. Que foi torturado. Que ajudou a aprovar as principais leis a favor dos assalariados no Congresso, onde foi uma das lideranças mais importantes desde a democratização. Que ajudou a incluir cláusulas democráticas na Constituição.

(E que continuou vivendo com a dignidade de seus vencimentos de parlamentar num sobrado comprado com financiamento da Caixa na Vila Indiana, Zona Oeste de São Paulo).

Veja só. Ele foi condenado por corrupção ativa e cumpre pena de quatro anos e oito meses. Genoíno embolsou algum no esquema? Nem um centavo. Colocou a mão em algum trocado? Não. Entregou para alguém? Assinou os empréstimos do PT. Sabe o que a PF concluiu? Que foram empréstimos legítimos, entregues ao partido.  

Este é o corrupto preso do 1 de maio.
Como disse dona Maria Laiz: “só não me venha com mentiras, meu filho.”

É mais  engraçado do que isso.

Pimenta da Veiga, um dos fundadores do PSDB, ministro das Comunicações no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, é hoje candidato ao governo de Minas Gerais.

A Polícia Federal informa, desde 2006 – está lá, no inquérito 2474 que ficou escondido dos ministros do STF até o julgamento da AP 470 –  que Pimenta da Veiga recebeu R$ 300 000 das agências de Marcos Valério.

Até agora, Pimenta não foi julgado nem condenado. Já colheu um benefício: o tempo trabalha para ele. A PF encontrou zero centavo a mais na conta de José Genoíno. Também apurou as contas de familiares – e nada. O ministério público atesta sua honestidade. Admite isso.

Mas ele voltou a Papuda, ontem.

O dinheiro caiu na conta de Pimenta da Veiga muitos meses antes de várias remessas da AP 470. Seu valor é maior até do que os R$ 296 000 que Henrique Pizzolato mandou um auxiliar buscar no Banco Rural. Como já lembrei aqui, é seis vezes maior que os R$ 50 000 que João Paulo recebeu na mesma instituição. João Paulo disse que usou o dinheiro para fazer pesquisas eleitorais e até encontrou uma testemunha para confirmar a história. Pizzolato garante que não colocou a mão no dinheiro e mandou para o PT. Acredite você no que quiser. A quebra do sigilo fiscal e bancário de Pizzolato não conseguiu demonstrar que ele mentia.

Pimenta da Veiga, ao contrário de Pizzolato e de João Paulo, admitiu que o dinheiro foi para ele. Explicou que eram honorários advocatícios.

Ao contrário de João Paulo, não apresentou documentos para provar o que dizia além de sua própria palavra.  Quando os policiais perguntaram qual era a causa  que poderia justificar honorários tão bons, Pimenta alegou que fizera serviços internos para as agencias de Marcos Valério. Ele, que acabara de deixar o ministério das Comunicações, três meses antes do dinheiro entrar na conta, já estava advogando para as agencias do valerioduto. Em serviços internos.

Recebeu um dinheiro que, com algum reforço,  daria para  Genoíno comprar uma casa ao lado da sua.

Se um dia Pimenta da Veiga se tornar réu, terá assegurado o direito a um julgamento em segunda instância. Se tudo der errado, dará certo para ele.

Terá muito mais chances de provar seus pontos de vista. É o correto.

Pela idade, tem 100% de chances de escapar das penas a que eventualmente venha ser condenado porque já terá completado 70 anos, quando a denúncia – se for feita – estará prescrita. Olha outro momento de sorte. Outro azar de Genoíno. Ele completa 68 anos amanhã, na cadeia.     

Pimenta  recebeu o dinheiro no início de 2003, meses depois de deixar o ministério. Mesmo assim, está enquadrado no mensalão mineiro, que é de 1998. Deve ser um milagre de denuncia retroativa.

Confesso não saber se Pimenta é culpado de alguma coisa. Acho errado pré condenar qualquer pessoa. Ele tem o direito de ser tratado como inocente, até que se prove o contrário.  

A discussão política, contudo, é útil.

Numa tentativa tosca para justificar o retrorno de Genoíno a prisão, Joaquim Barbosa praticou um truque demagógico manjado. Apresentou estatísticas que mostram o elevado número de prisioneiros  que têm doenças semelhantes a de Genoíno e nem por isso cumprem regime domiciliar.

É um truque que se utiliza de dados verdadeiros para sustentar teses falsas quando é conveniente. Não vamos lembrar os muitos momentos históricos em que isso foi feito porque seria muito constrangedor. Basta dizer que seu efeito é estimular o ressentimento e não a vontade de Justiça. 

Numa homenagem ao 1 de maio,  não custa lembrar um episódio comum sob a ditadura militar. Sempre que os trabalhadores faziam greve, os amiguinhos dos generais na política e na imprensa diziam  que os sindicatos eram egoístas, queriam dar aumento para quem já ganhava bem, tinha carteira assinada, enquanto a maioria do povo vivia na miséria. Entendeu, né? É por isso que aos 89 anos dona Maria Laiz sempre avisa que não quer ouvir mentiras.

Este mesmo raciocínio se tenta aplicar hoje contra Genoíno. Todo mundo sabe que ele sofre de uma cardiopatia grave, ainda que controlada. A mortalidade de sua doença é alta, ainda que sua cirurgia de implante de um tubo de PVC no peito tenha sido feita pelos melhores médicos do país.

Qualquer médico sabe que ele estará melhor em casa, em situação de melhor conforto e cuidado, do que num presídio. Os médicos que examinaram Genoíno discordam sobre a conveniencia de enviá-lo para a Papuda.

A maioria dos médicos que examinou Genoino deixou claro, por vias claras ou indiretas, que as condiçoes de tratamento em casa são melhores. Elas ajudam a explicar sua recuperação. É sintomático que ninguém tenha ficado surpreso com o fato de que Joaquim Barbosa tenha optado pelo laudo mais favorável ao encarceramento. Medicina? Não. Política. 

Numa atitude correta, mas cuja razão de fundo é fácil de adivinhar, Joaquim autorizou o médico de Genoíno a entrar na Papuda a qualquer momento.  

Se milhares de prisioneiros, com problemas de saúde equivalentes, não conseguem cumprir prisão em regime domiciliar, embora tenham o mesmo direito, a responsabilidade é do sistema prisional, do Estado, quem sabe até do presidente do STF ou mesmo do ministro da Justiça. Só não pode ser imputada a Genoíno, certo?     

O médico particular de Genoíno mediu sua cogulação e prova, com base em laudos do laboratório Sabin, um dos mais respeitados de Brasília, que seus índices estão abaixo da média recomendável. O índice de é de 1,7, enquanto o recomendável fica entre 2 e 3.

Os outros prisioneiros-pacientes da Papuda têm o mesmo atendimento? Têm o mesmo médico? É claro que não. Infelizmente.

Da mesma forma, poucos brasileiros com dores lombares terríveis têm direito a um tratamento caro e sofisticado para amenizar seu sofrimento. Joaquim Barbosa teve, com recursos pagos pelo contribuinte. Tirou licenças tão prolongadas no seu trabalho que chegou a ser criticado publicamente por colegas. Descobriu clínicas modernas, tratamentos de vanguarda.

Está errado? Não. É um direito dos ministros do Supremo.

A desigualdade estrutural de um país não impede nenhuma pessoa de fazer o que tiver a seu alcance – dentro da lei — para defender seus direitos.

É errado culpar um indivíduo pelo conjunto de mazelas de uma sociedade. É uma espécie de covardia retroativa. Um dos mais eruditos juizes da Suprema Corte dos Estados Unidos, Antonio Scalia, de insuspeitas credenciais conservadoras, deu uma lição inestimável para o debate desses casos.       

Lembrou que ninguém pode ser responsabilizado individualmente pelos erros das gerações passadas.

Num debate sério, produtivo, Genoíno deveria ser comparado com com pessoas de condição equivalente. Por exemplo, Pimenta da Veiga.

O problema aí é um efeito desagradável. Na condição de relator da AP 470, Joaquim Barbosa foi um dos responsáveis, ao  lado do procurador geral Antonio Fernando de Souza, de manter o laudo 2474 em segredo de Justiça – e ali  aparecia o curioso pagamento a Pimenta da Veiga.      

O ministro do STF Celso de Mello chegou a cobrar, em tom indignado, que o 2474 fosse exibido aos ministros, antes do julgamento. Joaquim se negou. Disse que não traria maiores novidades. Alegou que poderia provocar novos atrasos. Foi uma pena.

Na época  ninguém estava prestando a devida atenção ao julgamento. A  maioria dos observadores apenas engrossava o coro de “Morte aos cães!” que eles tanto condenavam quando era ouvido em tribunais stalinistas. Mas seria curioso tomar conhecimento de casos fora do roteiro do “maior espetáculo da terra.”

Imagine se, por acaso, alguém entrasse na página 179 do Relatório da Polícia Federal, incluído no inquérito, e encontrasse o dinheiro para Pimenta da Veiga. 
Quinze vezes mais do que o dinheiro recebido pelo professor Luizinho que, após oito anos de massacre midiático, foi inocentado.  

Genoíno pode, sim, ser julgado por seus atos e por suas ações políticas no presente. E aí vamos combinar que poucos cidadãos brasileiros – dentro ou fora prisão – construiram uma folha de serviços tão respeitável na luta contra a desigualdade e pelo progresso dos mais pobres.

A postura combativa mesmo na prisão  lhe gerou punições suplementares quando  Genoíno organizou um protesto pela morte de Vladimir Herzog, o jornalista  assassinado no porão pela atividade militante no PCB, em 1975. Estimulados por Genoíno, os presos batiam nas grades, gritavam o nome de Herzog, faziam todo barulho que conseguiam. Por causa disso, Genoíno foi punido e enviado para o Ceará, onde teve de cumprir parte de usa pena. Saiu arrastado da cela. 

São cenas corajosas, que ajudam a mostrar quem é quem e quem se tornou quem, 39 anos depois. Que tristeza. Um assessor do PPS, sigla que herdou o espólio do PCB, é o principal suspeito de cometer um ato lamentável de provocação na Papuda: a filmagens clandestina de Dirceu enviada aos jornais. Na mesma ocasião se disse que a cela de Dirceu – a mesma que Genoíno ocupa desde ontem – oferece banho quente aos detentos. Mentira. Canalhice. A água é fria, como de toda a Papuda – mas, no clima de estimular o ressentimento, a falsa notícia foi até manchete de jornais. Falando nisso: água quente é luxo? 

Essa é a diferença, que salta aos olhos no 1 de maio. 

— Não me venha com mentiras, meu filho.